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04/02/2008

Cancioneiro de primavera



Era primavera.
Havia pássaros e tinham borboletas.
Um grilo insistia em um monólogo.
Os raios finais da tarde acenavam para o lado noturno da hera: cancioneiro de primavera!
Havia uma menina sentada no banco da praça: a espera!
Havia um olhar distante, distraído em alguma paisagem perdida.
Havia um relógio: sem batidas!
Havia um bêbado no canto: em pranto!
Havia um chinelo azul.
Tinham tamancos cor-de–rosa e uma carta envelhecida de baralho.
Havia parede, teto, assoalho...
Marcas de pés descalços; olhares sem óculos, sem esquadros.
E, lágrimas deslizavam ao longo do corredor oblongo decorado.

27/08/2007

Par de tamancos


Às vezes sinto um cansaço...
De que me valem tamanhos passos?

Eu só queria uma noite bem dormida:
Flores na varanda, rede estendida
Escalda pés, cara fresca, tarde limpa!

Eu só queria uma casa no campo:
(sem livros, discos ou estantes...)
Um cobertor de estrelas
Chinelos azuis verdejantes
E um bom par de tamancos!

Eu só queria...
um bom e velho par de tamancos!



21/12/2006

Ainda os tamancos...

Esta semana li uma frase de Cecília Meireles (1901-1964), contida em uma das suas inúmeras crônicas de educação, que muito me sensibilizou. A autora, com seu jeito sincero de dizer as coisas certas nas horas incertas, fala-nos sobre a faculdade humana de conciliar extremos.

A mim, a frase parece por demais oportuna, visto que o momento é de conciliação e não de posições extremistas - apesar da existência de tantos "ismos" e "istas" circulando mundo afora...

Penso que, se cada um de nós tentar romper as fronteiras que separam gregos de troianos, o mundo seria mais colorido. Porém, estamos sempre tão preocupados em defender as próprias convicções, interesses... que esquecemos que, no outro lado da ponte, há também outras "verdades".

Bem... como é chegado o fim do ano, penso que é hora de começar a arrumar as prateleiras e a geladeira, os cômodos do quarto, a mesa, as cadeiras... e cingir os velhos retalhos daquela colcha de chenile. Rever as coisas esquecidas e os papéis empoeirados no fundo do baú. Enfim, é chegada a festa das gavetas! Abrir as janelas e deixar o sol arejar a casa.

É chegada a hora de calçar "novos tamancos". A vida segue seu fluxo e necessitamos de mais sapatos para calçar os acertos e desacertos, enganos e desenganos do novo ano. Para que possamos, sabiamente, compreender as coisas boas e más que se confrontam no cotidiano, sem, no entanto, perder de vista o ânimo, a serenidade, a tolerância, o bom humor...

Façamos como Cecília, busquemos a unidade do mundo!


"Vivo conciliando os contrários. Criando a unidade do mundo. Como os filósofos..."

(Cecília Meireles).


19/12/2006

Novos tamancos

É chegado o fim do ano.
Mais um ano...
Mais um ano...
Um ano para esquecer
Um ano para acalentar
Um ano para redescobrir.


O que seria de nós se não houvesse os relógios?
E os ponteiros e os calendários e os seus óbitos?

[...] se não existissem demarcações?
Nos olhos, nas luzes, nas sombras, nas combustões?

O que faríamos, nós, com a existência de um grau zero?
Uniríamos começo, meio, fim...
e destilaríamos nos caldeirões os seus mistérios?

[...] se deixássemos ser a chuva?
E sermos leveza, transparência, flor, candura...
e a tudo transformar?


É chegado o fim do ano
Embora eu já tenha comprado meus novos tamancos...
Não tenho nenhuma pressa em calçá-los!


"O sonhador, em seu devaneio, não consegue sonhar diante de um espelho que não seja profundo."

(Gaston Bachelard)