"Elas já não me pertencem, entrego-as a ti. Que saibas zelar por elas, regando-as para mim. Todas elas são tuas. Delas faças proveito. Todas elas nuas, para o teu deleito. Só peço que as tenha, com demasiado cuidado. As palavras são pastos floridos no espaço". (in: Retrato de Helena, 2005, p. 63).
19/06/2006
Renúncia
Cortarei as asas das borboletas
Para que fiquem imóveis.
Para que não pousem levianas,
Fazendo ciranda, em alheios móveis.
Cortarei as asas das borboletas
Para que não percam a cor e a beleza.
Para que não busquem néctar nas flores;
Para que não vivam por vãos amores.
Cortarei as asas das borboletas
Para que definhem até a morte.
Para que mudem o seu destino e a sua sorte.
Cortarei as asas das borboletas
Para que morram sentindo as dores
Pela ausência que jaz, o néctar das flores.
(Renúncia, in: Retrato de Helena, 2005, p. 70)
Para que definhem até a morte.
Para que mudem o seu destino e a sua sorte.
Cortarei as asas das borboletas
Para que morram sentindo as dores
Pela ausência que jaz, o néctar das flores.
(Renúncia, in: Retrato de Helena, 2005, p. 70)
Jardim em flor
A poucas pessoas me mostro,
realmente, como sou.
A outras, apenas disfarço a minha dor;
Porque não me vejo em todo olhar;
Há espelhos capazes de me revelar,
outros, só ofuscam o meu pesar.
Sou naturalmente solitária;
Mas, poucos sabem da minha solidão.
Sou exageradamente conturbada;
Quando acordada, escuto vozes
na escuridão.
Para espantar meu vazio:
Desenho, rio, finjo;
Faço da minha dor beleza;
Nem sempre me sento à mesa,
porque nela não estou.
Mas se você pretende me encontrar,
examine-me no seu olhar:
Lá, eu estou!
Com borboletas a enfeitar,
um jardim em flor;
Cujo endereço,
Não posso revelar.
(In: Retrato de Helena, 2005, p. 29)
realmente, como sou.
A outras, apenas disfarço a minha dor;
Porque não me vejo em todo olhar;
Há espelhos capazes de me revelar,
outros, só ofuscam o meu pesar.
Sou naturalmente solitária;
Mas, poucos sabem da minha solidão.
Sou exageradamente conturbada;
Quando acordada, escuto vozes
na escuridão.
Para espantar meu vazio:
Desenho, rio, finjo;
Faço da minha dor beleza;
Nem sempre me sento à mesa,
porque nela não estou.
Mas se você pretende me encontrar,
examine-me no seu olhar:
Lá, eu estou!
Com borboletas a enfeitar,
um jardim em flor;
Cujo endereço,
Não posso revelar.
(In: Retrato de Helena, 2005, p. 29)
Arte: Mulher ao espelho (Pablo Picasso)
Carta ao amigo
minhas saudações.
Hoje tenho tomado consciência que não tenho,
apenas, alguns poucos anos de vida, mas, provavelmente, quatro séculos de
existência.
Muitos pensamentos têm-me, insistentemente,
afligido o espírito. Alguns passam a noite a rodear-me, envolvendo-me e
requerem, de mim, explicações às coisas que talvez estejam além da minha
compreensão. A verdade é que tenho buscado nos textos literários, a priori nos
poéticos, possíveis esclarecimentos para as minhas angústias.
Tenho refletido muito sobre o homem e o seu
ideal de felicidade, porque, assim, poderei compreender a mim mesma e aos
valores que, historicamente, têm me acompanhado. Penso que muitas das minhas
aflições decorrem dos ideais dos novos homens; exigindo de mim uma certa
racionalidade para examinar os meus próprios sentimentos. A bem da verdade, é
que tenho buscado esse entendimento a partir da reflexão do pensamento
Iluminista que, por sua vez, tivera suas bases filosóficas importadas da
Renascença:
– Como posso, meu senhor, confiar-te os mais
sinceros sentimentos, sem ultrajar a nossa sã e fecunda relação? Tenho por ti
uma admiração quase que divinal, porque não dizer paternal! Entretanto, é
verossímil que os meus olhos já não te vêem com o mesmo olhar. A tua imagem,
antes tão fria e distante e, terrivelmente, vertical, tem-se modificado,
gradativamente, à luz da inteligência humana.
Contudo, meu amigo, em meio a tantos
pensamentos, livros e enciclopédias, sinto-me, ainda, extremamente bucólica. Um
forte sentimento idílico tem-me contagiado, remetendo-me a um passado distante,
cujos homens podiam se deleitar à natureza. A bem da razão, resigno-me a
imaginar, no plano da fantasia, o homem em seu estado natural, não corrompido
pelos valores da civilidade. E, nesse plano, posso visualizá-lo sem que minha
alma se corrompa pela artificialidade da vida mundana.
O fato, meu senhor, é que não pertenço a este
tempo, mas posso-me retroceder para que minh’alma se una a tua. No plano da
fantasia, tudo posso, tudo me é permitido sonhar. Posso ver-te por entre as
nuvens dos meus pensamentos, posso sentir a tua presença, amar-te, adorar-te.
Mas a cruel realidade, com todas as suas frívolas engenharias, afasta-nos. A
contar pelo tic-tac do relógio que, insistentemente, alerta-nos a hora, pelos
rigores dos ofícios, pelas exigências comuns à vida moderna.
É, meu querido, uma gama de valores
diplomáticos permeia a nossa cortês relação, restringindo-nos a qualquer
possibilidade de realização afetiva. Falta-nos a poesia, falta-nos o olhar
sensível, não mascarado pela racionalidade científica, que submete o poeta a
refugiar-se aos campos sob a condição de tornar o Real em Belo.
Novamente confesso-te que, embora meu espírito
tenha nascido em meados dos “Setecentos”, a esse tempo não pertenço! Caso eu o
pertencesse, não me acompanharia, hoje, tal nostalgia. Meus sentimentos se
elevariam comovidos com a sensatez das Suas ilustrações poéticas; e o meu
espírito não se afligiria mediante a contida emotividade de Suas liras
musicais.
Não desejo mais ser a Sua Marília, não
quero-me imortalizada por Seus versos, a Sua expressão de afeto tem-me sido
dissimulada e oportunista. Hoje, não desejo ser a musa de Seus poemas galantes
e perfeitos, pois sei que são vãs, são-lhes refúgios para as Suas copiosas e
dignas responsabilidades civis.
Quero-lhe com todos os artifícios e vícios
comuns a nossa civilidade; com todas as angustias d’alma. Quero-lhe instintivo,
sonoro e difuso; insano, inquieto e reflexivo. Não almejo-lhe ponderado,
irremediavelmente, debelado e ilustrado. Todavia, não desejo-lhe animal, rude
aos modos, e ausente de significância.
Quero-lhe Senhor dos Seus pastos, entretanto,
entregue, intensamente em meus braços.
Carinhosamente,
Helena.
[1] Carta da personagem Helena ao amigo Seminarista. In: Retrato de Helena (FERNANDES, 2005, p. 57-59).
Encontro nas nuvens
Até quando?
— Até quando!?
Até quando o sertão virar mar,
e o mar virar sertão.
Até quando o seu olhar
deixar de ser pra mim uma tentação.
Até quando o tempo parar
e o vento nada me levar.
Como fez à moça, o vilão violento;
Deixando-a sem seu violão,
e entregue ao lamento.
Até quando o sol e a lua se encontrar,
E não houver nenhuma música
pra acompanhar.
Talvez até lá, talvez antes,
Quando for ímpar,
quando for fecundante.
Até quando ele, por fim, encontrá-la nas nuvens!
[1] Versos inspirados no poema lírico “O Violão e o Vilão” de Cecília Meireles (In: Ou isto ou aquilo: 1964) . O poema fora musicado por Marcus Vinícius e encontra-se disponível para audição na página do autor no myspace sob o título de "A viola da vida".
Para ouvir:
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=419565768
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"O sonhador, em seu devaneio, não consegue sonhar diante de um espelho que não seja profundo."(Gaston Bachelard)