Almeida Garrett
(1799 – 1854)
“ João Baptista da Silva Almeida Leitão era seu nome de baptismo. O apelido de Garrett foi por ele respigado do nome de uma aristocrática ascendente paterna, de remota origem irlandesa, que viera para Portugal no séquito de uma princesa – pormenor significativo deste liberal da esquerda que acabaria visconde e tinha absolutistas ferrenhos nos parentes mais próximos.
Garrett era um homem feito já, com passsado literário, quando, depois dos 23 anos, teve no estrangeiro a revelação do Romantismo. Caminhava para os 40 anos quando iniciou, com assiduidade, a sua produção teatral, e passava os 50 quando se impôs como poeta lírico.
Pela sua origem, é filho da burguesia, que o império brasileiro fizera prosperar, e pela sua obra, onde a formação arcádica nunca deixou de se fazer sentir, é um homem situado entre dois mundos. Uma parte da sua vida e da sua obra está ligada à burguesia setecentista; a outra parte, ao surgimento de uma nova estruturação cultural que corresponde a um novo tipo de burguesia. Isso mesmo explica a contradição que se encontra na sua obra entre um pessimismo sem perspectiva, um sentimento de fim do mundo e um abrir de horizontes.
Contrariamente ao que acontecerá depois com Herculano e outros, Garrett ainda teve uma educação absorventemente arcádica e só veio a conhecer o Romantismo quando já literalmente formado.
De entre os contemporâneos foi, de início, sobretudo discípulo de Filinto Elísio.
Esta formação arcádica depositou na sua personalidade literária um estrato resistente. A ela deve, porventura, o conhecimento de muitos recursos da língua e do verso. Os autores românticos e pré- românticos, tais como os vê Garrett, vêm enxertar-se na orientação determinada pelos árcades portugueses, como se fossem seus aliados na luta contra o gongorismo.
Garrett revela não se ter afastado do preceito essencial da poesia arcádica e do classicismo em geral. Para Garrett, os Românticos tinham enriquecido o caudal da literatura com alguns novos temas e alguns novos modelos.
Garrett inspira-se no folclore, tal como os trovadores, que principiaram por imitar as cantigas de amigo criadas pelas mulheres das mais antigas comunidades rurais. O seu conceito de Romantismo liga-se sempre à utilização do romanceiro.
As Flores sem Fruto representam uma transição: há aí muita poesia arcádica em metros variados, mas também alguns temas comuns às Folhas Caídas, tratados num estilo novo de formas mais populares, mais directas, com recurso à redondilha e á quadra.
Sob o aspecto formal, Garrett abandona, definitivamente, nas Folhas Caídas o verso branco arcádico e os géneros clássicos; manifesta preferência pela redondilha em estrofes regulares, de rima emparelhada, alternada ou cruzada ( quadras, sextilhas, estrofes de sete e oito versos). Estas formas eram correntes entre os românticos espanhóis, e não representavam também novidade em Portugal”.
Homenageêmos este profundo Romancista e Poeta com as simples composições poéticas que me atrevo a apresentar.
I – Referência ao poema “D. Branca”
Grécia culta e pródiga nos deu
ficções alegres: a sensual Vénus;
o travesso Jove e as lindas moças;
o ébrio Baco e o louro Apolo;
as castas irmãs nos jardins do Pindo
arrancam da lira amorosos carmes.
Mas às aras e ficções do paganismo
prefiro os versos do cristão que sou.
II – Referência ao poema “Camões”
“Saudade”, que adoça a boca
dos pais ou dos amantes venturosos,
mas palavra que tem um gosto amargo
para os que suportam todo o pesar.
P´ra uns “Saudade” é dor e prazer;
Noutros , seus corações faz estalar.
Mas gosto do teu mavioso nome,
porque me lembro dos amigos ausentes,
das amadas que deixei a chorar.
III – Referência do Poeta ao seu Mestre “ Filinto Elísio”
Sabes, Filinto amigo, qual a vida
que, no Porto, leva este teu amigo Garrett?
Come , ronca e lê brejeiro Camões.
Come e vai para a cama.
Acorda, esfrega os olhos e vai ler
odes tuas, de Horácio e o Racine.
Perguntarás: como vais de namoro?
Disso abunda no Porto.
Sempre fui cálido do belo sexo,
mas agora prefiro as comezanas
com uma súcia de bons rapazes.
Que moços galhofeiros!
Portugal está hoje abastardado,
mas pressagio que novos cultores
da Língua Materna surgirão,
p’ra limpar este velho
Portugal de nevoeiros britânicos
E d’outro lixo:sórdida ignorância.
E com beleza de outrora, eis a
Língua Portuguesa
IV – Compilações sentimentais do Poeta em “Flores sem fruto”.
Nasci e meu coração puro,
todo virado p’ra Deus.
Inocência e pureza
eram atributos meus.
Do céu voou até mim
um Anjo de brancas asas.
Outras trazia e mas pôs. (mas= me+as)
tudo em mim ficou em brasas.
Mas Anjo me sossegou:
Poderás voar ao Céu.
Disse não trocar por nada
As asas que Anjo me deu.
Quando queria fugir
da Terra e de todo o Mal,
as minhas asas batia,
indo p’ra divo local.
O Demo veio do Inferno
E por elas me quis dar
toda a riqueza do Mundo.
Não me deixei enganar.
Encantamento amoroso,
fatalismo da paixão,
para baixo me puxaram.
Perdi, logo, o meu condão.
Todas as penas caíram
das asas que Anjo me deu.
Às vezes voar tentei;
nunca mais cheguei ao Céu.
Vocabulário
Ficar em brasas = ficar nervoso
V – Nas “Folhas Caídas”
(colectânea que renovou, profundamente, o nosso lirismo) O Poeta fixa, no campo passional, o contraposto das “trevas” com a “luz”, onde o amor já não é idílico e juvenil, mas tardio, condenado, devorado por dúvidas e remorsos.
Este Inferno de Amar
Dentro da mim há atroz fogueira
que tento – mas em vão – apagar.
São chamas do amor e paixão,
que causam à vida tanto pesar.
Não sei como se ateou em mim
e se sou capaz de lhe pôr fim.
Adeus
Para sempre vai-te embora
e não olhes para trás,
Mas tens que fazê-lo agora,
porque minha Alma quer paz.
Temo a justiça de Deus.
Amar-te? Nunca. Menti.
Veros eram amores teus.
E eu bem sei o que perdi.
Decoração infiel,
Fui peçonha venenosa.
C’uma vida tão danosa,
não passo de uma cascavel.
VI – Respeitando , em geral, a estrutura e a finalidade do “Romanceiro”, vou tentar dar forma poética à
Lenda de S. Martinho
I
Para mim contar estórias
é passatempo agradável;
se divertir quem as ler
considero-me prestável.
II
Mas hoje também história
Fará parte deste escrito.
Falo do Bispo Martinho
por Deus e pobres bendito.
III
Bispo de Tours e da Gália
Apóstolo , foi soldado
do exército romano.
Os pobres eram seu cuidado.
IV
Ainda jovem foi monge;
os mais humildes amparava;
de caridade sem fim
quem, na morte, o não chorava?
V
Generoso e a bondade
fez dele o mais popular
Santo na Era Medieva.
Lés a lés tem seu altar.
VI
Em Novembro e dia onze,
Na Igreja culto tem.
Patrono de muitas artes,
Notável orago também.
VII
Num dia frio e chuvoso
de Outono, sai ao caminho
um mendigo seminu,
pedindo esmola a Martinho.
VIII
Refere também a lenda
que o soldado, sem dinheiro,
com a espada fez em duas
a capa de cavaleiro
IX
Deu a metade ao pedinte.
Mais à frente deu o resto
a outro pobre gelado.
Ele , a viagem fez lesto.
X
Deus viu o gesto e sorriu.
Parou a chuva e o Sol
brilhou , aquecendo a Terra:
três dias houve arrebol.
XI
Eis a origem do Verão
do bondoso São Martinho,
em que se come castanhas
e se abre o pipo do vinho.
Nota : são 11 quadras que fazem lembrar o dia 11 (de Novembro)
Agostinho Alves Fardilha ( o meu pai)
Coimbra