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⊆ quinta-feira, dezembro 03, 2009 por GNM | ˜ 4 comentários »Não sei quem seria
Não sei quem serias
Mas esta noite, seriamos alguém
Não sei o que queres dizer com glória, disse Alice.
Humpty-Dumpty sorriu, com desprezo. Claro que não, até que eu te diga. Quero dizer "aí tens um belo argumento que te arruma!"
Mas "glória" não significa um belo argumento que te arruma, objectou Alice.
Quando eu uso uma palavra, disse Humpty-Dumpty, em tom de escárnio, ela significa o que eu decidir que significa, nem mais nem menos.
O problema é, disse Alice, se se pode obrigar as palavras a significar tantas coisas diferentes.
O problema é, disse Humpty-Dumpty, quem manda. Apenas isso.
Lewis Carroll, Alice no país das maravilhas
Não sei quem seria
Não sei quem serias
Mas esta noite, seriamos alguém
A grande invenção dos Homens
é o silêncio.
Só o silêncio nos torna predadores,
como felinos implacáveis
que deslizam na selva.
Sem um suspiro,
sem o estalar das folhas secas,
sem uma hesitação,
sem ruído.
Depois de aprendermos a falar,
temos de aprender o silêncio.
Apenas isso.
Das recordações, pouco me resta.
Laqueei todos os pensamentos
enquanto sofucava a boca com as
mãos para não gritar de dor.
Insuportável.
Há ruas que evito.
Há restaurantes, bares, museus...
onde não tenciono mais voltar.
São lugares que me esmagam só por
ter sido contigo que os visitei pela
primeira vez.
Lembro-me de tantas coisas.
Lembras-me tantas coisas.
Lembras-me coisas que acreditava
já ter conseguido esquecer.
Que ninguém me incomode, hoje à noite.
Estou a esquecer-me de ti.
Todo o esforço é pouco, toda
a força não basta.
Como se esquecer-te fosse a
única forma de me reaver por inteiro.
A vida constrói-se para além da nossa vontade.
No meu sonho estavamos
deitados, num banco de jardim
de verdes mal pintados,
velhos, desgastados, no centro
de uma enorme pedra plana,
sem princípio... sem fim...
Tu e eu... a únicas pessoas
do meu sonho...
Experimentavamos todas as
posições. E esquecemos, por momentos,
o mundo que nos estranha, acanha,
entranha... O mundo de outros tromentos,
de outras paixões.
E debaixo de um céu escuro
enterrámos as armas e sem pudor
nem carmas, experimentavamo-nos
intensamente... Sem passado nem futuro,
só tempo presente.
Os teus gemidos, mal contidos,
ecoavam no silêncio.
Tu, corada, excitada, molhada,
perseguida pelos sentidos.
E eu... eu sem saber se era mesmo eu...
E entre suspiros, espasmos, orgasmos,
rimos, choramos, sem saber se
amámos, odiámos, ou
simplesmente... ali ficámos...
Tu e eu... meras personagens do teatro
de marionetas dos deuses...
E as lágrimas de prata, da paixão
ingrata, escorriam-nos pelo rosto.
Beijei as tuas... era agridoce, o sabor.
E por fim caíram naquela pedra
que parecia tão forte, tão pura, tão dura...
E rasgando-a numa fissura,
deram vida, na forma de uma flor.
E agora, acordado, enquanto escrevo,
o meu coração estremece, como se
eu ainda estivesse, dentro de ti...
Mas foi apenas um sonho...
Porque tu partiste...
E nunca mais voltaste.
Apenas não me apetece escrever.
Abraços...
Quero amar a minha vizinha em
segredo, enquanto o seu marido não chega.
E mais uma vez e outra e uma vez mais...
E ouvi-la, arquejante, dizer que é perigoso.
Perigoso é passear pelo parque.
Há lá passaros e árvores e flores
e um monte de outras coisas perigosas...
Quero traçar planos. Mas só planos estúpidos.
Enquanto lhe dou outro beijo, debaixo da água quente.
Por que é que o tecto não nos esmaga a cabeça
e não nos mata de vez?
É perigoso passear pelo parque...
Custa-me deixar-te, vivo...
Tantos que morrem e logo eu, o vivo!
Eu! Eu que fiz tudo por tudo para morrer.
E depois desco a rua e tento lembrar-me do teu nome...
Também tens nome, não tens?
Há mulheres com cara de Maria, Joana, ou...
Tu tens cara de Perversa.
Podiamos dar-nos bem, os dois. E passeavamos de mão dada
(mas não pelo parque, porque o parque é perigoso)
e diziamos mentiras.
E amavamo-nos nos lugares mais estranhos e nas
posições mais complicadas...
Até ao fim, das noites, sem fim.
E, por fim, morriamos; cada um de nós na sua eutanásia:
Tu, na nossa cama, enquanto dormias e eu velava por ti.
E eu a sorrir, perante um pelotão de fuzilamento.
É cedo,
muito cedo para me levantar
e tarde de mais para voltar dormir.
A vida é como estas manhãs ansiosas
asfixiadas entre a brancura do tecto e dos lençóis.
Apenas isto.
E alguns de nós parecem divertir-se tanto…
Esta noite sonhei com um homem que
dizia que só os pobres e tristes
são felizes.
Sou feliz? Diz-me louco dos sonhos! Sou?
Gostava de sentir que estou a caminho de alguma coisa…
Como se estivesse a escrever um livro
em que no final tudo revela o seu sentido.
Tudo acaba bem.
Mas a rotação da Terra é demasiado exacta.
E eu não
(e isto dito desta forma é em si uma exactidão,
e é por tudo isto que não sou exacto).
À minha esquerda há uma janela.
Todos os dias, pela manhã, esta janela.
Todos os dias…
Como se nada de diferente pudesse acontecer.
(Bebo água engarrafada enquanto penso nisto,
- bebo sempre água quando acordo. Sempre.)
Apenas esta janela…
Branca, verde, envidraçada…
Por vezez com gotas de chuva ou de orvalho
Mas sempre, sempre… esta janela.
E no próximo Sábado pelas 18.30, vou estar por aqui. É que a minha amiga Paula Raposo vai ver a sua poesia editada pela Magna Editora. E assim, no Sábado, lá estaremos no lançamento!
Parabéns Paula!!!
Desprendo-me, como um fruto dos ramos da
árvore esquecida na falésia. O tempo pesa-me e gelou-me
o sangue. A ausência transformou-te em descrença.
Toco-te em sonhos e
acordo com as pontas dos dedos queimadas.
Na falésia dormem, com a cabeça sobre o
braço dobrado, as esperanças de fuga.
Os barcos desfilam, agrilhoados ao mar, exibindo
velas demasiado brancas…
Aqui, no alto da falésia, restam somente
pedras, um sonho ancestral
e a imensa vontade de saltar.
Quando voltares, só tens de percorrer
meio caminho. Não sentirás buracos na
estrada, os semáforos serão todos esperança,
as rotundas estender-te-ão o braço,
os cruzamentos serão desertos.
Por que não voltas agora?
Pela madrugada as viagens são mais breves,
o ar é mais puro, os frutos são
frescos e doces.
Quando voltares vou mostrar-te uma
falésia, onde uma pequena árvore, sozinha,
venceu a dura negritude dos rochedos.