Aquilino nas Ruas de Lisboa - I
Foram recentemente reeditadas as memórias de Aquilino Ribeiro, Um Escritor Confessa-se (Bertrand). Nelas, o autor debruça-se sobre os primeiros anos de vida em Lisboa, e a sua participação activa no movimento republicano que o levou a lidar de perto com os regicidas.
Em 1906, acabado de sair do Seminário de Beja, de forma conturbada, Aquilo decide tentar a sorte em Lisboa. Com pouco dinheiro, instala-se numa “casa de hóspedes de terceiro andar” na rua do Crucifixo, bem junto do elevador de Santa Justa:
“Que ruído é este? – perguntei
- É o “inlevador”. Por dez réis, está-se no Chiado.
Era um petardear constante, como uma máquina de percussão a furar uma placa de aço. Nada mais infernal e macaco para o ouvido duma pessoa que acaba de deixar uma casa onde o silêncio era de lei.
- Aqui tem a importância da quinzena – emiti eu.
- Pode trazer a “bagage” quando quiser. Os almoços começam às 10.
Instalei-me naquela casa, a primeira que me caiu a talho dos olhos, lendo o jornal. De princípio, com o taquetaque contínuo, seco, metralhante, não pude dormir muitos dias a fio. Depois acabei por eliminá-lo, habituando-me, e deixei de ouvir o trabuquete frenético que chateava a rua inteira. A minha pulsação tinha-se somado com a sua e feito osmose. Era como se estivesse calado, e agora debruçava-me à janela a ver caminhar para ele quem tinha que fazer no Bairro Alto, às vezes cachos de gente pressurosa, variegada, que desaparecia no portal do ascensor como formigas no formigueiro. Dali, gozei a meu cómodo o espectáculo da rua, com os alfacinhas espairecendo em seus adornos e meneios, sem darem conta que eram observados."
Em 1906, acabado de sair do Seminário de Beja, de forma conturbada, Aquilo decide tentar a sorte em Lisboa. Com pouco dinheiro, instala-se numa “casa de hóspedes de terceiro andar” na rua do Crucifixo, bem junto do elevador de Santa Justa:
“Que ruído é este? – perguntei
- É o “inlevador”. Por dez réis, está-se no Chiado.
Era um petardear constante, como uma máquina de percussão a furar uma placa de aço. Nada mais infernal e macaco para o ouvido duma pessoa que acaba de deixar uma casa onde o silêncio era de lei.
- Aqui tem a importância da quinzena – emiti eu.
- Pode trazer a “bagage” quando quiser. Os almoços começam às 10.
Instalei-me naquela casa, a primeira que me caiu a talho dos olhos, lendo o jornal. De princípio, com o taquetaque contínuo, seco, metralhante, não pude dormir muitos dias a fio. Depois acabei por eliminá-lo, habituando-me, e deixei de ouvir o trabuquete frenético que chateava a rua inteira. A minha pulsação tinha-se somado com a sua e feito osmose. Era como se estivesse calado, e agora debruçava-me à janela a ver caminhar para ele quem tinha que fazer no Bairro Alto, às vezes cachos de gente pressurosa, variegada, que desaparecia no portal do ascensor como formigas no formigueiro. Dali, gozei a meu cómodo o espectáculo da rua, com os alfacinhas espairecendo em seus adornos e meneios, sem darem conta que eram observados."
(p. 96)
Foto retirada daqui
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