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domingo, 5 de setembro de 2021

Ainda sobre o Afeganistão - e não só

Em 2003, pouco antes da invasão do Iraque, a cadeia televisiva MSNBC cancelou um programa televisivo com enorme audiência e despediu o escritor e apresentador Phil Donahue que era responsável. 

Poderíamos especular a respeito do "porquê" dessa decisão, mas uma fuga de informação permite conhecer a resposta

«Soon after the show's cancellation, an internal MSNBC memo was leaked to the press stating that Donahue should be fired because he opposed the imminent U.S. invasion of Iraq and that he would be a "difficult public face for NBC in a time of war" [21] and that his program could be “a home for the liberal anti-war agenda”.[22] Donahue commented in 2007 that the management of MSNBC, owned at the time by General Electric, a major defense contractor, required that "we have two conservative (guests) for every liberal. I was counted as two liberals."[23]»

Na altura não se falava em "fake news" e na pandemia de desinformação, mas já existiam inquéritos que mostravam que cerca de 69% dos americanos acreditava que Saddam esteve directamente envolvido no ataque aos EUA no dia 11 de Setembro

Esta percepção completamente oposta à realidade não surgiu "do nada": os meios de comunicação social "tradicionais" desinformaram o público a tal ponto que quanto menor o consumo de informação televisiva, menor a probabilidade de estar equivocado a respeito da invasão do Iraque. Programas satíricos como o "Daily Show" proporcionavam à sua audiência uma percepção mais fidedigna dos factos do que as grandes cadeias televisivas. 

Isto não foi coincidência ou acidente: foi deliberado. O que o memorando relativo ao despedimento de Phil Donahue mostra é que as perspectivas críticas da invasão foram deliberadamente suprimidas, tornando qualquer análise da invasão distorcida, enviesada e desinformativa.

Mas este nem sequer é caso único:

«NBC has fired the Pulitzer prize-winning reporter Peter Arnett after he gave a controversial interview to Iraqi state television in which he said American military plans had failed.»

E há mais umas tantas dezenas.


O peso tremendo que a indústria de armamento tem nos conteúdos informativos dos EUA ajuda a explicar o enorme falhanço da sua ocupação do Afeganistão. Fora do Afeganistão, os americanos foram, de longe, os principais prejudicados com a ocupação deste território. 

Já as acções das cinco maiores empresas de armamento viram o seu preço aumentar dez vezes nos últimos vinte anos. Superaram amplamente o resto do mercado e foram dos melhores investimentos que alguém poderia ter feito.  


A "mama" no Afeganistão acabou, mas agora é importante criar a percepção no público de que a retirada foi um erro colossal, para que outro Presidente não se atreva tão cedo a enfrentar o poderoso complexo militar-industrial. 

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Afeganistão e o complexo militar-industrial

Fico com pena que o anterior governo afegão tenha caído e que os Talibãs tenham voltado a assumir o controlo do país. Corrupto que fosse o governo anterior, parece-me claro que no curto prazo a situação vai piorar para as mulheres, para os não religiosos, para os não-fundamentalistas e, em geral, para a população. 

No entanto,

Não é apenas que concorde a 100% com a decisão de Joe Biden de retirar as tropas americanas por muitas e diversas razões. É que este desfecho dá-nos que pensar a respeito de uma delas. 

Olhemos para a situação há cerca de um ano: os talibãs controlavam uma parte substancial do território apesar do governo ter do seu lado a maior potência militar e económica do mundo inteiro. Porquê? Uma resposta imediata seria dizer que a população tem um grande apreço pelos talibãs, e que nem todos os recursos disponibilizados pelos EUA - que foram muitíssimos - poderiam ser capazes de inverter a situação. Seria uma população tão favorável ao fundamentalismo islâmico que nem décadas e milhões investidos numa estratégia de "ganhar mentes e corações" teria conseguido dar frutos. 

Parece-me uma resposta errada. Ao contrário do que aconteceu no Vietname ou noutros teatros de guerra, não existiram grandes potências investidas no falhanço dos EUA, e os recursos investidos na ocupação do Afeganistão seriam mais que suficientes para que uma larga maioria dos afegãos passasse a valorizar o ocidente em geral e os EUA em particular, se a estratégia fosse adequada. 

O problema é que não podemos assumir que os EUA agiram como um "estado racional" que tem um determinado objectivo estratégico e faz tudo o que pode para o cumprir. A estratégia dos EUA - usar bombardeamentos via drones de forma tão exagerada e com uma falta de critério bárbara e criminosa, como se quisessem facilitar ao máximo o recrutamento por parte dos talibãs e de todos os grupos fundamentalistas islâmicos pelo planeta fora - não faz sentido se pensarmos que o seu objectivo estava alinhado com os objectivos geoestratégicos dos EUA. Mas faz todo o sentido se pensarmos que o seu objectivo estava alinhado com os objectivos económico-financeiros da indústria de armamento. 

Vejamos: a indústria de armamento nos EUA é responsável por cerca de 10% da receita de publicidade das grandes cadeias televisivas (Fox, CNN, MSNBC, etc.). Como devem imaginar, não se gastam estes milhares de milhões em publicidade para convencer o eventual general a meio do seu zapping a comprar os tanques mais avançados, muito menos se assume que o público americano em geral é o "consumidor final" dos submarinos nucleares de última geração. A razão de gastar estes balúrdios todos os meses corresponde a uma estratégia de "relações públicas" por parte da indústria de armamento. Uma a que conduz a que a cobertura informativa seja tal que, enquanto mais de 70% dos europeus tinha perfeita noção de que não existiam armas de destruição massiva nenhumas no Iraque e que a pressa dos EUA em ignorar Hans Blix vinha precisamente da consciência dessa ausência; uma quantidade semelhante de americanos acreditava que Saddam tinha sido parcialmente responsável pelo ataque às torres gémeas.  Saddam, um ditador sanguinário conhecido pela perseguição implacável dos fundamentalistas religiosos. Esta desinformação do público americano não foi um acidente nem uma coincidência: com os principais órgãos de comunicação social sujeitos à "estratégia de relações públicas" da indústria militar, outro resultado não seria de esperar. 

E a maior ferramenta de controlo político por parte desta indústria nem sequer é essa. Nos EUA a legislação relativa a "contribuições de campanha" é muito permissiva. Ser a favor de uma invasão ou da subida de impostos / desfalcamento do estado social / endividamento que a financiam pode ser impopular e levar um legislador a perder votos dos eleitores mais atentos; mas a contribuição de campanha das indústrias militares que recompensam o legislador por essa opção permitem financiar anúncios e outras acções de campanha que conquistam muitos mais votos. Isto explica os corpos legislativos "às ordens" da indústria de armamento. E se isto é assim com uma invasão, também é assim com uma ocupação disfuncional que enche os bolsos da indústria de armamento. 

Esta explicação encaixa perfeitamente nos factos. Ao longo de 20 anos a ocupação americana não tornou o governo afegão mais popular: tornou-o menos popular. Bombardeando casamentos, funerais, assassinando inocentes e socorristas, e cometendo mais umas tantas atrocidades e crimes de guerra, os talibãs e toda a sorte de fundamentalistas islâmicos foram ficando cada vez mais populares e perigosos - fazendo a indústria de armamento ganhar duas vezes: uma pelas armas e munições usadas hoje; outra pelas que serão necessárias amanhã. 

Para acabar com o regime Talibã, Biden deu o primeiro passo. Quanto mais longe os EUA estiverem, mais próximo estará o dia em que o apoio popular aos talibãs termina. 

Até lá, os EUA só poderão resolver este problema e começar finalmente a combater o terrorismo quando fizerem uma reforma profunda no financiamento das campanhas eleitorais e deixarem de ter os fabricantes de armas a determinar a política externa. 

Existem outras razões pelas quais o abandono dos EUA foi uma boa notícia, mas esta é a principal.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Não queimarás o papel que tem tinta com palavras sagradas

Pode ser-se contra ou a favor da ocupação do Afeganistão pelos EUA e aliados. Não entendo é como alguém pode deixar de ficar com os cabelos em pé quando se constata que a oposição à ocupação é dinamizada por um grupo de islamofascistas capazes de mobilizarem multidões só porque alguém queimou o Corão.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O mundo é belo, tra-la-la

O dia parece ser bom para panegíricos da OTAN. Um tal Luís Coimbra diz-nos que «a NATO salvou os muçulmanos na Bósnia-Herzegovina e no Kosovo de serem massacrados por uma Sérvia militarista ainda saudosista do seu colonialismo nos Balcãs», mas esquece-nos de explicar por que razão a OTAN não salvou os mesmos muçulmanos de serem atacados pelos croatas, ou os sérvios de serem expulsos pelos albaneses do Cosovo, ou os croatas e os sérvios de se massacrarem uns aos outros, ou o porquê de haver tanta resistência a reconhecer a independência do Cosovo quando, agora sim, é «etnicamente puro» e (que chatice!) um narco-Estado no coração da Europa, criado com a participação activa do «humanismo militarista» OTAN.

Também nos diz que não quer os talibã no Afeganistão. De acordo, eu também não quero. Mas não estou nem convencido de que os barbudos gozem do apoio tão residual que refere (1.5%), nem que a perpétua ocupação militar «ocidental» resolva o problema. A raiz parece estar mesmo ao lado, num Estado amigo da OTAN chamado Paquistão, e noutro amigo chamado Arábia Saudita, que por razões  mais de afirmação regional ou de fanatismo islamista, respectivamente, continuam a apoiar talibã e quejandos. Enquanto não se confrontarem esses verdadeiros monstros, a ocupação do Afeganistão continuará a ser um efeito colateral.

domingo, 1 de agosto de 2010

Afeganistão: o início da retirada

A Holanda começou hoje a retirar do Afeganistão. O Canadá sai em 2011. Nos EUA e no Reino Unido discute-se quando tirar as tropas. Foram lá para apanhar o Bin Laden, não era?

quinta-feira, 29 de julho de 2010

O papel do Paquistão (e a ausência de debate em Portugal)

A divulgação de relatórios da guerra afegã provocou declarações do Primeiro Ministro britânico e do Presidente afegão, que poderão anunciar a mudança da atitude internacional perante o Paquistão; causou divisões nos Democratas dos EUA; e reacções no parlamento alemão.

Em Portugal, tudo calado. Ninguém discute como está a correr a guerra no Afeganistão, e nem sequer se faz sentido tratar como  um aliado o mesmo Paquistão que  sempre apoiou os talibã, enquanto se isola internacionalmente, por muito menos, o Irão. E na lusa blogo-esfera, os falcões de trazer por casa divertem-se, ao bom estilo machista, a tratar quem denuncia massacres de civis de «Paris Hilton da boa consciência pequeno-burguesa». Assim vai o debate político em Portugal.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

O caminho da retirada

A publicação, pela Wikileaks, de seis anos de relatórios sobre a guerra no Afeganistão, não traz, que eu veja, grandes novidades. Mas tem as suas curiosidades: só cobrir um ano do mandato de Obama no poder, insistir na ligação do famigerado ISI paquistanês aos talibã, e aumentar o número de vítimas civis.

Em conjunto com o estudo publicado a semana passada pelo Washington Post sobre o custo da «guerra de informaçõezinhas», esta divulgação prepara as condições para a retirada das tropas da OTAN no Afeganistão. E para o desinvestimento na «guerra contra o Terror». Nove anos depois.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A guerra no Afeganistão parece cada vez mais fútil

Fareed Zakaria sobre os custos da guerra:
  • «"Last month alone there were more than 100 NATO troops killed in Afghanistan.," the CNN host said. "That's more than one allied death for each living Al Qaeda member in the country in just one month. "The latest estimates are that the war in Afghanistan will cost more than $100 billion in 2010 alone. That's a billion dollars for every member of Al Qaeda thought to be living in Afghanistan in one year."» (The Huffington Post)