Sou ateu. Nada de especial, vivo sem Deus e sei como se construiram as sociedades modernas. Não sou agnóstico, por saber que uma questão de fé não se reduz a outra de conhecimento. Não precisei de mandamentos de um ser («Ser») omni-tudo-e-mais-alguma-coisa para me portar decentemente. Sou um ateu «normalizado», sem grandes esperanças na falta de futuro da ilusão.
Mais uma vez, a exigência de desculpas (desta vez de islamitas a católicos) deixa-me perplexo com o esquecimento dos ateus. Todos os dias, não há fanático ignorante da sua própria religião que não perore sobre a «crise de valores», «o relativismo», «a decadência de costumes», e muitas outras coisas ainda muito piores, atribuindo-as a «uma época que não escuta Deus» e outras pérolas do género com que encobre estar a falar para os
seus (não praticantes), muito mais do que para ateus pacíficos e civilizados que vivem tranquilamente uns com os outros e, até, com crentes preconceituosos, violentos e antipáticos que nos insultam sem nos conhecerem de lado nenhum. Daí a perplexidade com o esquecimento: quando é que os «crentes» se vão lembrar de nos pedir («exigir» é ameaça, nem conta para nada) desculpa por todos os insultos, calúnias e ameaças que todos os dia nos fazem?
Afinal, nenhuma doutrina política, filosófica, etc., tem no currículo tantas mortes, perseguições, crimes de todo o género como qualquer uma das grandes «religiões» (irónica designação, a não ser no que de sarcástico mas infelizmente real ela comporta). Como ateu, não preciso das desculpas deles para nada, bastava-me que deixassem de aumentar o seu longo currículo de barbaridades. Mas estranho que tanta gente fale das desculpas necessárias do Papa ao Islão (para me cingir a este caso) enquanto não há quem se lembre dos mais constantemente atacados, sem qualquer justificação. Os ateus. Será por não andarmos por aí a falar em público do nosso Absoluto para justificar massacres? De qualquer modo, por mais que ameacem, ou sejam cúmplices com os que ameaçam (quando convém), não tenciono converter-me. Pela razão e pela ética, passo bem como estou. E não ofende quem quer...
CL
PS - A única troca de ideias interessante que vi sobre a polémica em curso é entre
Luís Mourão e
Rui Bebiano. Mourão interessa-se pelas ideias dos textos, menosprezando o efeito mediado das suas interpretações, como bom teórico literário (e mau político). Bebiano interessa-se mais pela dimensão política do que pela literal, como bom historiador (e polemista irénico). É um desentendimento incurável, mas amigável. Benigno, como é possível entre não-crentes.