Vai buscar o livro que usa para salvar poemas, de costume sempre o mesmo, «El amor, las mujeres y la vida» de Mario Benedetti, e abre sempre na mesma página, a 174, no «Semáforos». Liga o número dela e lê-lho em espanhol. Pára muitas vezes pois não sabe imensas palavras. De tão trôpego e atrapalhado, torna-se risível ainda antes de chegar ao vermelho como «o flamejar do fogo/o balcão de gerânios/a chama dos teus lábios» ou ao verde «dos juncos/de Lisboa/do manto dos teu sonhos/dos teus olhos de medo». É patético. É sempre a mesma cena patética. Mas é justamente o patético que salva os poemas. O patético salva esse, e muitos mais: o «No te salves», o «Assunción de ti», o «Viceversa», o «Pies hermosos», o «Lovers go home», o «Táctica y estratégia», o «Informe sobre caricias». Não há nenhum que a ironia cobarde não eleve do plano mesquinho e triste em que existem. Como aqueles homens santos da Índia, despeja-se cinismo por cima, pega-se fogo e arde até ficar apenas carvão.
Rui