Ontem tentei
aqui explicar sucintamente no que consiste a teoria económica keynesiana e qual a razão pela qual ela é adoptada, com entusiasmo, pela generalidade dos políticos. Se efectuar despesa pública é, por si só, algo de intrinsecamente bom (com o dinheiro dos outros, claro) que se dirá então quanto surge a oportunidade conjunta de contribuir para salvar a humanidade e, em simultâneo, "estimular" a economia, "criando" empregos? É nestas ocasiões que os píncaros da insanidade governamental são mais facilmente atingidos.
Fazendo parte daqueles que, à força de subsídios de todo o tipo, quiseram - e continuam a querer - salvar o mundo do "aquecimento global", dedicámo-nos alegremente a espalhar ventoinhas e barragens dotadas de bombagem reversível pelo país fora, garantindo confortáveis rendas (através de preços garantidos) aos promotores. Em simultâneo, devido à intermitência das renováveis, também foi necessário instalar capacidade excedentária, através de centrais a gás, para acorrer aos períodos em que não há vento (nem água nas barragens). A certa altura, quando os políticos se dão conta que uma das consequências dessa insanidade seria o aumento brutal do custo de produção de energia eléctrica, criámos esquemas (não vejo outra palavra) para empurrar o problema com a barriga, em nome da "protecção" dos consumidores e das empresas! Nasceu assim, e assim continua, a monstruosidade do
défice tarifário. Este governo praticamente nada fez neste domínio senão adiar e anunciar (vamos a ver se a realidade corresponde ao anúncio...) que não promoverá novas instalações de "renováveis" a preços garantidos acima dos de mercado.
Ninguém fica contente com os males dos outros sendo que com eles podemos nós bem. Mas é de facto verdade que o problema do
défice tarifário espanhol é bem pior que o nosso e que o horror do solar espanhol só é suplantado pelo da Alemanha. Mas a loucura "aquecimentista" (um feliz termo que os nossos amigos brasileiros inventaram) atingiu limites tais que já nem a própria Alemanha os consegue sustentar. E quando é a
Spiegel a pôr o dedo na ferida, sem rebuço, é sinal que a maré se apresta a mudar. Nesse sentido, parece-me útil partilhar com os leitores uma tradução em português do artigo de ontem, dia 10, com o título
German Energy Plan Plagued by Lack of Progress. Como se trata de um artigo longo, deixo aqui a 1ª parte da tradução, ficando a promessa que a 2ª e 3ª partes virão logo a seguir.
Parte I
O ministro da Economia da Alemanha, Philipp Rösler, está de pé na sala da caldeira de uma casa geminada na cidade de Hönow, perto de Berlim. Não parece nada satisfeito com o que está vendo: um tubo de aquecimento que não está isolado. Que desperdício de dinheiro e energia!
A proprietária do edifício, Petra Röfke, de 54 anos, e o seu sócio Hartmut, de 58, parecem envergonhados. Mas o ministro tem alguns bons conselhos para lhes dar. A aplicação de um pouco de espuma de isolamento em volta do tubo permitiria poupar uma grande quantidade de energia, diz ele acrescentando: "Tenho o mesmo tipo de tubo em minha casa."
Na verdade, diz Rösler, ele não se importaria nada em ir de carro até à loja e cuidar ele próprio da questão, juntamente com a substituição das antigas e ineficientes lâmpadas que viu enquanto visitava a casa. Também não deixou de reparar na antiquada televisão de raios catódicos na sala de estar. "Há muito para fazer aqui", diz o ministro, dando ao casal o seu veredicto final.
Com o governo a provocar a subida do preço da electricidade, Rösler parece sentir uma necessidade de se tornar útil, dando conselhos sobre como poupar dinheiro e energia. Na segunda-feira, os operadores da rede de transporte de energia anunciaram um aumento significativo dos preços da electricidade na Alemanha, preços que já são os segundos mais altos na Europa.
O aumento dos preços é o resultado de uma "avaliação", nos termos da Lei das Energias Renováveis (EEG), de uma espécie de sobretaxa de solidariedade para com a energia verde que é automaticamente adicionada à factura de electricidade de todos os consumidores. Com o acordo alcançado na última ronda de negociações, dessa avaliação irá resultar o aumento da sobretaxa de 3,6 cêntimos para 5,4 cêntimos por kilowatt-hora.
Com as novas tarifas, os cidadãos alemães irão pagar no próximo ano um total de mais de 20 mil milhões de euros (25,7 mil milhões de dólares) para promover a energia renovável. Isto é mais do que 175 euros para um agregado familiar médio de três pessoas, um aumento de 50% relativamente aos valores actuais. E depois há os custos adicionais que um consumidor paga como o imposto sobre a electricidade, a "avaliação" de cogeração, a tarifa de concessão e o imposto sobre o valor acrescentado.
Este desenvolvimento é um embaraço para o governo alemão de coligação, composto pela União Democrata Cristã (CDU) do centro-direita, da chanceler Angela Merkel, pelo seu partido irmão da Baviera, a União Social Cristã (CSU) e pelo Partido Democrático Liberal (FDP) tido por favorável ao desenvolvimento dos negócios das empresas. Nos últimos meses, o governo tem negado as alegações de que a transição gradual para a energia verde poderia custar aos cidadãos alemães uma montanha de dinheiro.