Ella desejava muito ser lida, por isso, no final do dia de aulas, num grande
quadro negro, quase cinzento pelo tempo que não lhe perdoou a erosão, escrevia
sobre os seus sentidos. Olhava em redor, primeiramente, numa busca demorada por
uma inspiração que fingia vir-lhe de fora. Depois, soltava o grande vulcão em que
diariamente vivia, reprimia e gemia de grutas ocas, como de um bramido
chegasse. Escrevia textos quase longos, porque não se continha na sua
necessidade de criar o que as letras lhe ditavam. Munia-se de uma burka negra e
escrevia. Durante anos, o vento ia apagando o que a noite lhe tinha soletrado.
Chegando de manhã à escola com soalho feito de terra e teto tatuando o céu,
olhava a árvore quase seca onde o quadro estava pendurado e pensava como seria
possível que todos os seus temores, gemidos e lamentos fossem sempre apagados
sem obter qualquer resposta. Numa noite qualquer apercebeu-se que tinha sido
lida:
«Peço desculpa por sujar o seu chão com as minhas botas enlameadas, mas tive
que ficar um pouco contemplando as estrelas em seu quadro. Voltarei a sujar seu
solo se assim me permitir.»
Ella corou quando leu. Quem seria aquele que lhe teria deixado uma mensagem?!
Saberia quem seria a aluna que escrevera durante a noite no quadro da escola da
aldeia naquela África tão profunda?! Ella ficou a pensar naquilo e de vez em quando
recebia mensagens sempre com um toque de personagem.
Começaram a crescer-lhe umas borboletas debaixo da burka, que de cada vez
que chegava de manhã, buscava sempre uma resposta do tal desconhecido. Pensava ser
um sábio, talvez um dos anciões da aldeia…
Durante um período, deixou de receber qualquer resposta aos seus textos
pouco elaborados. Esqueceu a sua existência. Voltou a escrever palavras tristes
sobre a vida que levava sempre ali tão longe e distante de todo o mundo que
sonhava conhecer. Falou de saudade.
Num dia qualquer, chegando cedo à escola, onde já era professora, tendo sido
a primeira a romper a manhã, vislumbrou alguém a afastar-se do quadro. Correu
para ele e deparou-se com uma nova mensagem passados tantos meses. Ele
sentia-se enternecido com as suas palavras de saudade e sentiu-as como suas.
Então, ela resolveu deixar-lhe uma resposta escrita em papiro, debaixo da
raiz mais grossa da árvore. Ele teria que perceber através de uma mensagem
codificada escrita no texto que teria então uma carta para ele.
Ella acordava sempre com uma grande ansiedade e sem sono algum, começando a
ser sempre a primeira a chegar. Durante alguns meses trocavam assim
correspondência sem nunca se encontrarem. Ela sabia que ele a via ao longe
tapada pela burka, mas nunca sabia qual dos homens era aquele sábio que tão
belas palavras desenhava, apesar de uma vez já o ter visto de costas a
afastar-se....
O Homem terminava as missivas dizendo-lhe que o pensamento se prendia nela.
Numa noite qualquer, esgueirou-se da cama, calcou a calçada e viu-o a
escrever um recado em cima do joelho. Cigarro no canto da boca, olhar
concentrado, livro debaixo do braço. Arrepiou-se. Imaginava-o mais velho, a
primeira impressão foi de choque mas no instante imediato encantou-se com
aquele Homem, mal ele lhe sorriu.
Pé ante pé, devagar e com muito medo, Ella aproximou-se vestida com uma
burka que tinha exatamente a cor dos olhos dele. A conversa demorou até
amanhecer. Trocaram algumas confidências sem se comprometerem. Sentiam-se
unidos pelas palavras faladas e escritas. Ao terceiro dia de longas conversas,
ela receosa, mas corajosa, resolveu destapar-se.
Então, ele disse-lhe:
«Atrai-me a tua beleza interior, mas a exterior não.»
Ele desfez-se em desculpas e partiram-se ambos os corações.
Eli