Pois que pode uma amiga de tanto ano dizer a outra do mesmo tempo, senão que é tarde para grandes mudanças. O que tanto tempo usámos e nos serviu é, provavelmente, a medida do que podemos. E respeito. Sempre respeitei. Até quando te invectivava. Cada uma dá o que tem, ok? E pronto.
Dois anos e uma pandemia já com passado e que serpenteia futuro fora. E me fez pensar – mais – em ti. E inverter a marcha. Que terás feito quando deixaste de visitar o asilo e os doentes que te esperavam; quando abandonaste a catequese e os garotos da escola; quando a igreja encerrou as reuniões comunitárias da paróquia em que te empenhas e, bem mo notaste, a que te agarras - são efectivas amarras e todos precisarmos de companhia e fins que nos determinem. É com esses elementos que, do teu deserto, lanças a âncora. O que a gente faz para sobreviver na enredada vida.
Desculpa
o meu umbigo tão desentendido dos teus imperativos. Fisicamente longe uma da
outra, nunca as minhas cartas te serviram materialmente. Não te mimam e levam a
médicos ou ajudam as refeições; não te vigiam as gripes; não contribuem na cura
de males do corpo que decerto te afligem e desconheço; não te acompanham os
desgostos que, subsumida em pudor, tratas como defeitos, um não assunto. Creio
hoje, desapaixonadamente, que tens a sabedoria do sofrimento e sou apenas uma avoada.
Suponho ser-te quase transparente,
tanto me escrevi em muito ano. E, eu, que pensava conhecer-te, concluo que és
água e escorres. Mas os extremos/opostos tocam-se e tanta vez se procuram.
Talvez não sejamos assim tão longínquas. Talvez eu precise renovar essa viagem
de prazer: percorrer aquela estrada de saudade sempre em frente e que, imagino, desagua no infinito; contornar a igreja de
barras, plantada a meio da praça; mirar a placa que sinaliza a aldeia e meter
ansiosa pela luz das ruelas de cal, antevendo a tua casa pequena. E, enfim,
abraçar-te. Tudo igual a sempre.
Um beijo