O
Outono não chega por aviso de calendário, a bem dizer, é alheio à miudeza de
horas, dias e meses. O tempo, antigo e fiel, usa o relógio originário: a queda
da folha, a obliquidade doce e doente do sol, o frio que insinua pela noite e
cola no ar. Sangue velho que encurva e
tenta guardar calor, a natureza arrefece.
Este
ano, o Outono com marcação entrou alegre, todo em restos de verão: dias e
noites quentes, flores a desabrochar – espantosa credulidade natural! -, leveza
multicor prolongando-se nas roupas, as
esplanadas ainda vibrantes em fim de dia. E o regresso de férias foi mais
difícil, o mundo natural apelava ao contínuo do ócio. Podiam cair uma folha ou
outra, notar-se a velhice do verde que transmutava na copa das árvores, ou a estranha
inquietação dos pássaros. Mas, aos portugueses, empiristas experientes, as
estações só convencem por imposição climática. Isso de sinais exteriores é fogo
de vista, as estações do ano sentem-se na pele. Ou não existem.
Portanto,
ontem, foi, de facto, o primeiro dia de Outono. Um vento frio varreu com
desembaraço os restos de verão e, de golpe, derrubou folhas indecisas. Os
animais terrestres e voadores esconderam-se, a pele dos homens entesou pêlos em mínimos corpúsculos, e logo a sensação, “está frio”, foi determinante: chegou o Outono. Então, as mulheres rumaram a arcas e armários por roupas de
cama condignas; desfizeram-se camas, mudaram-se tapetes, portas e janelas foram
vedadas e um ou outro aquecedor pronto à função. Dos roupeiros saiu,
finalmente, a impaciência dos agasalhos e neles a timidez astuta de, chegou a
nossa vez, empurrada por um nadinha de indiscreta presunção a comandar pelo
encorpado dos materiais, calor é connosco.
Na
cidade, cirandando de uma rua a outra, o cheiro bom a castanha assada. Em pouco tempo, pelos bairros desta província
infinda que é Portugal, há-de aquecer-nos o cheiro a lenha queimada nas
lareiras. E ali nos quedaremos, nariz no
ar, a pituitária vestindo o sonho do aroma bom a maçã ou batata doce assada.