Quando
as mulheres casam com os homens – algumas casam com mulheres e não sei bem como
seja -, constroem um lar, como diziam as nossas mães e avós. E o dito cujo “lar”
é dos dois. Se por um acaso se separarem, divide-se tudo meio a meio que
ninguém quer ficar mal. Isto, claro está, se os dois forem de boas contas e se
um não apostar comer as papas na cabeça do outro. Mas pronto, avante que o assunto
nem é bem este e ainda só estou nos arredores. Portanto, dizia eu que têm o tal
lar que é pertença dos dois e vale para ambos do mesmo modo. É tecto e refúgio,
ninho e lugar de aconchego. E, porque a vida não é o que queremos mas o que é, até muita coisa insuspeita ali sucede.
Dado
este empate na função da casa comum do casal, há coisas que não se entendem
nesta dita sociedade moderna que, muito se diz, caminha para a igualdade entre
os sexos. Vamos lá a ver. As mulheres trabalham como os homens, contribuem como
eles – e algumas mais que eles – para o tal tecto, os filhos e os automóveis,
as férias e todos os acrescentos, necessidades e doenças que vêm com os anos.
E, se isto é assim, por que razão se o homem tem de sair em trabalho ou folguedo,
apenas lhe basta tratar de si. Mas a mulher quando sai?! Ai dela, que bastas vezes
melhor seria ficar em casa. Vejamos: se tem filhos, tem de encontrar quem os
leve ou traga da escola e providenciar onde são almoços e lanches. Mas esta,
meus amigos, é a parte fácil da coisa. Tem que se levantar mais cedo para fazer
o jantar, pois se chega e é já noite, o pormenor desinteressa, está tudo à sua
espera. Sem nica de jantar. Oh, dizem vocês, e por que não encomenda um jantar
feito? Ah, pois é, vocês não aprenderam na escola delas, não sabem o como de
poupar em quem tem e ganha pouco. A miséria não tem onde encostar senão em si
mesma. É que só à custa da poupança vai um trabalhão do caraças. Para o lado delas.
Isso mesmo. Não almoçam nem jantam fora? E depois? Ela até sabe cozinhar,
portanto, poupa-se. Quem é que pensa no
couro dela que tem de decidir, procurar ingredientes e fazer a catrefada de
almoços e jantares diários, sem folga ou feriado?! Ninguém. E os queridos
maridos? Ah, os queridos maridos dizem ufanos do seu papel, “não gasto dinheiro
mal gasto”. Pois não. Não gastam mal gasto. Mas a poupança cai sobre elas.
Precisam de um muro pintado? É com elas. Os garotos querem ou precisam blusa nova?
Elas fazem e bordam ao serão. Precisam lençóis, atoalhados, cortinados? Elas
compram, talham e costuram, para que lhes serve a máquina?! É poupança. Em cima
de quem.
Bom,
mas eu ia lá atrás nas saídas. Pronto, os filhos já estão arrumados; também já
fizeram a sopa e o segundo prato do jantar que para isso se ergueram com as
matinas. Oh, mas há que varrer as ruas que no outono se enchem de folhas. E oh,
há que lavar o carro que dorme debaixo da passarada e está sujo. E ah, que a roupa
badala no estendal e numa corrida vão recolhê-la, dobrar e arrumar no cesto ou
nos armários, consoante. Ah, e as flores que estão sem água, têm de ser
regadas. E oh, o canário que não tem a gaiola limpa. E ai que o saco para levar
ainda não foi feito. E até o prato da gata está sedento. E depois o tempo vai
passando e elas num solilóquio, já não dá para tomar banho, paciência. E o
saco? Ora, atira-se qualquer coisa lá para dentro e o que faltar faltou, senão
nunca mais saio de casa. E quando saem vão moídas, raladas da canseira e
pressa, a rememorar, será que deixei uma luz acesa? Será que há pão bastante?
Não me lembro se fechei a porta.
Mas
as viagens distraem-nas e levam-nas para longe de casa, o dito “lar” que é dos
dois em partes muito desiguais de trabalho. Pouco interessa onde vão.
Basta-lhes ir a algum lugar fora do circuito: um cinema, uma compra, exposição,
conferência ou congresso, encontrar uma amiga.
Quando
num soslaio se olham no espelho do carro verificam, esqueceram-se de se
pentear, estão pálidas, olheirentas da madrugada e correria matinal, não mudaram
as botas de trazer por casa e só agora reparam as mãos no volante, não cortaram
as unhas. Nada a fazer. Chegam ao destino e as outras mulheres estão como
flores em vaso: bem dispostas e com tudo no lugar. Algumas foram ao
cabeleireiro, outras foram mas parece que não foram e por isso brilham mais que
todas no seu ar natural todo artifício. E elas...bem, elas ficam um bocadinho
irresolutas a olhar a paisagem, mas depois de tanta canseira vão desistir?! É
que nem pensar. Têm o mesmo direito a estar. Digo eu que têm muito mais direito
a estar. E tenho certeza: onde quer que estejam, exposição ou cinema, shoping
ou concerto, o grau de apreciação delas tem uma incomparável diferença de sabor.
Mas é pena.