segunda-feira, 23 de agosto de 2010

°C


Ele não veio
porque não pôde.

Porque lá fora faz 15 graus
e todas as pessoas da minha terra
se recolhem quando lá fora faz tamanho frio.

Uma vez em seus lares
elas abrem vinhos
e pensam em coisas quentes
como lareira e sorrisos
e a casa cheira a mistérios de parafina.

Quando faz frio
- e ele, claro, não vem -
eu acendo todos os meus vendavais
e deixo que tudo sopre em mim.

Os meus silêncios e os dele.
Os meus segredos e os dele,
e nessa tênue camada de gelo
que se instalou nas nossas vidas.



 
(Jessiely Soares)

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Receita para acordar valente




"e valente
tu és valente"

ele me disse assim
sem nem pestanejar.

E eu que me vejo
como uma nau sem rumo
parei e fiquei aflita.

Onde fica a minha valentia?

Tenho medos que me assaltam as
três da manhã
porque li que o fantasma de Canterville
preferia esse horário.

Nem minha filha
tem medo do fantasma de Canterville!

Talvez toda essa minha valentia,
essa nordestinidade,
se cubra e adormeça com medo do Sol.
Nunca sei o que se dá com ela.

Mas ele disse que sou valente.
E assim sendo, vou me fazendo tão forte,
tão certeza, tão muralha,
tão fortemente armada,
que acabo ficando a salvo de mim mesma.



(Jessiely Soares)

imagem daqui: www.peregrina.bloguepessoal.com

Fósseis


*






De acordo com as coisas
nas quais acredito
esse meu vazio é cíclico
e irremediável.

O que vai segurando as pontas
é a menina que se aconchega
e me desenha com sacola de feira...
Além disso, ainda completa
entre maçãs e tomates
"a mamãe é tão charmosa"

e a vida vai ganhando alguma cor
entre ciano e rosa.

Alguma cinza assenta...
é essa minha mania
de chorar lágrimas paleolíticas.

Algo dentro de mim
nunca me deixou superar
a idade dolorosa
dos meus cinco anos.


(Jessiely Soares)




Imagem: ahoraechegada.blogspot.com