sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Ilha






Sem qualquer expectativa
eu me deixo sob a chuva de verão
que assombra a tarde amarela.

Sem qualquer expectativa
eu deixo que tudo atravesse
meu caminho
desconfigurado

ônibus,
pedestres,
gatos.

E o desvario do tempo na janela.

Uma vitrine me sorri
um sorriso de etiquetas
com marcas sobrepostas
diversas fazendas

florais,
sedas.

Assim sendo,
repenso os dias azuis,
diferentes dessa tarde
em que eu pousava minha vida
sobre as cercas de arame farpado

da antiga fazenda
com enormes cafezais
e pequenos cavalos

Tudo era essencialmente
verde e branco.

E agora, sem qualquer expectativa
eu fico de espectadora dos passageiros
da praça.

Ela não passa,
apenas eles,
e teu cabelo encaracolado me olha
e me assanha
e perceba: Tu não estás lá.

Um grito mudo me engasga

E por ser um grito mudo
apenas uma criança percebe e não diz nada.

A tarde se tingiu, de teimosa e cinza.

Com alguns tons dispersos de músicas etílicas.
Os bares começam a encher.

Sem qualquer expectativa
eu ainda sopro um beijo
para o teu rosto

que crispado de sonhos
passeia num ônibus lotado
depois do trabalho

Sonhos também cabem no proletariado.

O vento assobia
as nuvens se cerram
e os postes agonizam o calor da lâmpadas

Eu, enfim, aceito a impossibilidade.

Sigo a vereda que me cabe
aquela na ponta da calçada.

Teu nome amassado num pedaço de guardanapo.

Constelações sobre a cidade desenham um vácuo.
Teu gosto anda gravado nelas.
Selvas negras de asfalto.

O mundo inteiro faz barulho.
Um ruído insone de eletrodomésticos
e pais e mães recém chegados.

Anoitece em toda a vastidão do meu desejo.
E eu não te posso ver
porque tuas pontes guardam apenas o Capibaribe...

Alguém me oferece um cigarro.
A noite anda preta e conversa comigo.

Fala da solidão dos teus rios. Eu não sorrio.
E sem qualquer expectativa eu só me deixo sob a chuva.

Junto aos negros gatos.

Algumas poças de lama e toda essa vastidão desumana
que se propôs a ficar exatamente no meio de nós.

Por te querer perto,
e por seres impossível e carinhoso

Algo como pintura impressionista em cenário de inverno.

Eu te ando, eu te quero, e ouço toda esse multidão
e os candeeiros recitarem teu nome.

Eu, ilha, cercada de teu mundo por todos os lados, me calo.





(Jessiely Soares)

Avesso

Meu poema
em teu céu
me confunde

é como um verso
na colina

é como se tu fosses a rima

que eu tanto amei
e nunca pude.


(Jessiely Soares)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Da universal distância



.

Quero
com um desses quereres indizíveis

como a uma presença
que indefinidamente se espera.

Tal qual esse teu cheiro,
que nem sei de onde vem

e pousa aqui, com asas que queimam

insone, comigo, na minha janela.



(Jessiely Soares)



Imagem de: Julieta Domingos

Sensação



Silêncio.

Arrepio em
tez.

A casa está vazia,
para meu tato.

Só o teu cheiro

- esse devasso -

me invadiu
sem permissão

outra vez.


(Jessiely Soares)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Presente



.



terça-feira, nove da noite

o sereno canta leve
uma canção de ninar para os pardais.

Eu sento e converso com o vento
prodigioso

Ele mal me ouve, eu não me conto,
além do mais, entre nós, nem há novidades.

Apenas afago a solidão com uma das mãos.

Com a outra aceno
para minha vida inglória

Minha grave e séria companheira
das noturnas e angustiáveis horas .



(Jessiely Soares)

sábado, 14 de fevereiro de 2009

aethereu



Leve,
tão leve,

que se teu sorriso
me soprar

é possível
que me leve...


(Jessiely Soares)



Imagem de: Marlon Francisco

Mariah


A Anniely.
Tudo que me importa.

Repousa
sua mão
sobre a
minha,

pequenina.

Que
no auge
da tua
idade

infantista

repousa
tudo que
conheço

e antes,
por decreto,
inexistia.

Aquilo
que me sorriu,
depois
que você
nasceu

e que eu batizei por vida.



(Jessiely Soares)





Homenagem a todas as horas que se seguiram ao dia 11/11/2004.

E a todos os teus sorrisos. E todas as tuas pequenas e grandes peripécias...
Mas, ainda mais, a todas as noites mal-dormidas ouvindo tua respiração.
Ficar em claro, noites e noites, nunca fora tão perfeito.

Tenho a vida inteira pra te merecer, minha filha.


Te amo, Princess.

Mamãe.

Da espera

Não trouxe sandálias.

O caminho
descalça

fez-me
mais nua

Nem tâmaras,
nem cântaro
para o oásis
da tua boca

que fora das
minhas areias,

nasce
e se insinua.

Eu trouxe somente o cheiro
de deserto

de desejo
saudade,

um Saara de expectativas

que desenho
na poeira dos vitrais...

O que fica, além,
serpentiforme,

madruga longe da nossa tenda,
onde já nem estamos mais.



(Jessiely Soares)

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Marítimo




Se me encontro
ao teu lado

navego
sem luz própria.

Conto não ser
perigo
para tua vida

e permaneço em silêncio.

Não sei desvendar tuas lendas
ou trevas,

sigo tuas ondulações,

presto-me a ser jangada
enquanto te vejo veleiro.

Contato que me deixes ser brisa
que te sopra em tuas velas...

Mesmo que tu partas pelos mares alheios.


(Jessiely Soares)

Do carnaval e outros mundos

Que se
disseres
frevo

eu largo
os arreios

e te jogo
as tranças

de rapunzel
etérea

fantasiada

de
Branca
pura
Neve

às avessas.



(Jessiely Soares)

Vontade diagonal



*


O que me deixa aflita
é uma madrugada

e uma vontade
de verter tequilla

a grandes goles.

De pichar paredes
com teu nome.

De ser impossível
e dilacerar teu sono.

Cortar o cabelo
usar minissaia

e

cantar em uníssono
tudo que não se pode

no meio da tua rua
invadir tua janela

e me mostrar arisca.

O que me deixa aflita
é ter tantas vontades

e uma vida
à risca.



(Jessiely Soares)

Do teu lugar


No meu interior
Tão controvertido
E sonolento


Tão desprovido de intensidade
E alegria


Entre os pântanos e tristezas
Há um único lugar que o sol
Sangra luz

E tu ocupas o lugar mais bonito.



(Jessiely Soares)



Fotografia: Onde o Sol sangra luz
Autor(a)
Amélia Jessiely Soares Bento
Para visitar a fotografia, clique aqui

Entre(nossas)linhas

 
Os fatos não são diferentes.

Em algumas manhãs
vendavais nascem
e me tornam os olhos

de verdes a turvos.

Pedras semi-preciosas
se aglomeram na minha calçada...

Vultos.

E tendo a estabelecer
um caminhar sem destino
algo como navio sobre temporal.

Enquanto você,

Fascínio que acorda do outro lado do tempo, sente
a mesma coisa. Balbucia uma idéia qualquer
ou um verso com qualquer pronúncia

E é como se esse pano negro que eu enrolo
aos ombros
fosse um pouco dos seus olhos
postos sobre minha vida

algo enevoado,
como uma nuvem que não sabe mais do rumo
para chegada,

nem lembra mais da partida.

Se acaso o insano, febrilmente, me parecer claro
eu canto alto,
Killing the Blues,

e espero que o novo aconteça em algo...

Sempre acontece,
nem que sejam uma sucessão de reprises
pintadas com outras tintas.

Os fatos não são diferentes.

Tudo sob esse céu, padece
de filosofias
e carícias.

Eu escrevo porque me faltam asas.

Eu penso na sua voz.

Eu conto esse segredo, e o deixo escondido,
como precisam ser os bons segredos

Sei que, se meu telefone não toca,
é porque alguma coisa
quebrou

no meio da nossa telepatia.

Calo e escrevo

Tudo isto em homenagem
ao seu corpo que se esconde

onde eu não consigo tê-lo...

e nas entrelinhas dessa poesia.


(Jessiely Soares)

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Da chegada do amor




Em gestos
desatentos
Como em passos
Lentos de bolero

Num olhar cigano ou vagabundo

O sentimento
Esperava calado
Ao dobrar uma rua

O encontro foi silencioso
Como num lance sereno
De ir e não ir,
Ficar e partir.


Do jeito que se espera a vida inteira.


( Jessiely Soares )

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Descobertas obscuras

*


Os dias que me renascem
aportam com o Sol
na curva da minha estrada

Apostam com a vida
- artista em ser efêmera-
que para ser eterno

basta o nada.

Eu, que assisto a tudo,
sinto-me responsável

pela criação diária da Lua...

Pela ausência de proximidades
e pelo cântico do silêncio.

Eu afasto,
enquanto o céu une...
esse é o meu absurdo

Há dias, em que
eu me sinto poeta.

A poeta mais noturna do mundo.



(Jessiely Soares)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Ardor

*


Que se chame
sangue

que se chame
vida

que se
fores tu a
me chamar

eu vou

Nem que seja
mangue

nem que seja
rua

nem que seja
lama

e se não fores
tu

nem ar
nem dor.




(Jessiely Soares)

domingo, 1 de fevereiro de 2009

De quando teu barco parte


*


Ao longe ainda
dormem as velas

e a minha esquadra
vela
meu futuro ainda perdido

navegante
infinito

que ao longe fantasia.

O lavrador ainda preserva
a avidez da semente

e meu céu, se mente,
encanta as coisas
sobre a minha terra.

Tu te plantas nas minhas serras,
bravio, cerras
a nossa história

como tesouro
desbravado
por mãos de pirataria

O vento pesado
canta...

Meus cálidos olhos claros
velam meu veleiro
distante

por teus pequenos estilhaços
de prados

tingido de sal
em tela

enquanto
num rio plácido
pálido e azul

Meu sonho,
ao som de fado,
embala meu espelho partido
e dorme em suas velas.


*



(Jessiely Soares)