Sem qualquer expectativa
eu me deixo sob a chuva de verão
que assombra a tarde amarela.
Sem qualquer expectativa
eu deixo que tudo atravesse
meu caminho
desconfigurado
ônibus,
pedestres,
gatos.
E o desvario do tempo na janela.
Uma vitrine me sorri
um sorriso de etiquetas
com marcas sobrepostas
diversas fazendas
florais,
sedas.
Assim sendo,
repenso os dias azuis,
diferentes dessa tarde
em que eu pousava minha vida
sobre as cercas de arame farpado
da antiga fazenda
com enormes cafezais
e pequenos cavalos
Tudo era essencialmente
verde e branco.
E agora, sem qualquer expectativa
eu fico de espectadora dos passageiros
da praça.
Ela não passa,
apenas eles,
e teu cabelo encaracolado me olha
e me assanha
e perceba: Tu não estás lá.
Um grito mudo me engasga
E por ser um grito mudo
apenas uma criança percebe e não diz nada.
A tarde se tingiu, de teimosa e cinza.
Com alguns tons dispersos de músicas etílicas.
Os bares começam a encher.
Sem qualquer expectativa
eu ainda sopro um beijo
para o teu rosto
que crispado de sonhos
passeia num ônibus lotado
depois do trabalho
Sonhos também cabem no proletariado.
O vento assobia
as nuvens se cerram
e os postes agonizam o calor da lâmpadas
Eu, enfim, aceito a impossibilidade.
Sigo a vereda que me cabe
aquela na ponta da calçada.
Teu nome amassado num pedaço de guardanapo.
Constelações sobre a cidade desenham um vácuo.
Teu gosto anda gravado nelas.
Selvas negras de asfalto.
O mundo inteiro faz barulho.
Um ruído insone de eletrodomésticos
e pais e mães recém chegados.
Anoitece em toda a vastidão do meu desejo.
E eu não te posso ver
porque tuas pontes guardam apenas o Capibaribe...
Alguém me oferece um cigarro.
A noite anda preta e conversa comigo.
Fala da solidão dos teus rios. Eu não sorrio.
E sem qualquer expectativa eu só me deixo sob a chuva.
Junto aos negros gatos.
Algumas poças de lama e toda essa vastidão desumana
que se propôs a ficar exatamente no meio de nós.
Por te querer perto,
e por seres impossível e carinhoso
Algo como pintura impressionista em cenário de inverno.
Eu te ando, eu te quero, e ouço toda esse multidão
e os candeeiros recitarem teu nome.
Eu, ilha, cercada de teu mundo por todos os lados, me calo.
(Jessiely Soares)