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*
Tu, que não me ouves, deverias saber...
Que há agora, distante de ti,
uma ave, pousada.
E canta,
de acordo com o timbre
da minha voz no espelho.
Na tua noite,
sirenes correm a rua,
em busca do paradeiro
de alguém que agarrou a liberdade
por cima dos muros da prisão.
A lua nunca foi tão imensa
quanto para quem a aceitou
com o peito ferido e criminoso.
Madrugadas são palpáveis para quem se oculta nas sombras.
Algum cantador afina sussurros
em alguma das pontes
do rio que te corre nas veias
e alguém adormece na praça
do Arsenal.
Todos já saem pela noite
em busca de luzes amarelas
e vinhos celestiais
Carregam mentiras e passados,
como reflexos de fogos de artifício...
Ao meu redor,
silencioso entre vales,
meu vilarejo dorme.
Uma névoa cai, pesada.
Não há passantes por sob meu peitoril.
E, é preciso dizer, que não os necessito.
Na amarga calma da pequena vila,
a castanheira abriga o pássaro,
pousado sobre o meu parapeito.
E eu vivo a vida inteira, nesse pequeno e absurdo contentamento.
Quem sabe, ao amanhecer
sob o seguro acalmar de tua janela
de terceiro andar,
o som, quem sabe, seja mais,
que simples ecos de metrópole recém-adormecida
Quem sabe, inaudível, ouças...
como um contato benigno com a eterna liberdade,
e já calados, todos os sons que alarmaram a tua quietude,
Quem sabe ouças, sem saber disso,
entre tantas cidades cortadas,
o canto em que tu me habitas, dessa mesma ave.
*
(Jessiely Soares)