sábado, dezembro 20, 2008

Natal



Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
'Stou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!




Fernando Pessoa

(poema publicado pela primeira vez em Notícias Ilustrado, em Dezembro de 1928)




Para todos os que passarem aqui na Encosta, os meus votos de FELIZ NATAL.

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sábado, dezembro 13, 2008

Antes de amar-te

Foto de Pierre Kessler aqui


Antes de amar-te, amor, nada era meu
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído , abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono.



Pablo Neruda

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terça-feira, dezembro 09, 2008

Orla marítima

Foto de William Williamson aqui


O tempo das suaves raparigas
é junto ao mar ao longo da avenida
ao sol dos solitários dias de dezembro
Tudo ali pára como nas fotografias
É a tarde de agosto o rio a música o teu rosto
alegre e jovem hoje ainda quando tudo ia mudar
És tu surges de branco pela rua antigamente
noite iluminada noite de nuvens ó melhor mulher
(E nos alpes o cansado humanista canta alegremente)
"Mudança possui tudo"? Nada muda
nem sequer o cultor dos sistemáticos cuidados
levanta a dobra da tragédia nestas brancas horas
Deus anda à beira de água calça arregaçada
como um homem se deita como um homem se levanta
Somos crianças feitas para grandes férias
pássaros pedradas de calor
atiradas ao frio em redor
pássaros compêndios de vida
e morte resumida agasalhada em asas
Ali fica o retrato destes dias
gestos e pensamentos tudo fixo
Manhã dos outros não nossa manhã
pagão solar de uma alegria calma

De terra vem a água e da água a alma
o tempo é a maré que leva e traz
o mar às praias onde eternamente somos
Sabemos agora em que medida merecemos a vida



Ruy Belo
(Todos os Poemas)

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sexta-feira, dezembro 05, 2008

Cabo Verde



Foram dias divididos entre o esmeralda do mar e o rumor do vento nos coqueiros. Foram noites mornas semeadas de estrelas. Guardei em mim as memórias de um tesouro que há-de aquecer os longos dias de inverno. Volto com palavras de um poeta que nasceu nas Ilhas da Morabeza.



Poema


Na espuma verde
do mar
desenharei o teu nome.

Em cada areia
da praia
em cada pólen
da flor
em cada gota
do orvalho
o teu nome
deixarei gravado.

No protesto calado
de cada homem ultrajado
em cada insulto
em cada folha caída
em cada boca faminta
hei-de escrever
o teu nome.

Nos seios férteis
das virgens
nos sorrisos perenes
das mães
nos dedos dos namorados
no embrião da semente
na luz irreal das estrelas
nos limites do tempo
hei-de uma esperança semear.


António Mendes Cardoso


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