por Rafael Moreno
Em pouco tempo, estou falando de meses, eles vão começar a falar Cara, Bacana e Legal. Logo em seguida, comprarão os tênis da Nike, desses que vêm com molas e, quando a gente menos esperar, terão brilhos em suas camisas, além de muitas cores. Em pouco tempo as pessoas vão se desejar Bom Dia, Boa Tarde e Boa Noite e dizer Até Logo, quando forem se despedir. Não sei se a 10 vai ser de Pelé, mas a 9 está garantida para Luis Fabiano. Os dez por cento virão dentro da conta e Propina vai se chamar Gorjeta. Na Plaza Dorrego, na Florida e na feirinha da Recoleta as escolas de samba desfilarão suas mulatas, seus pandeiros, tambores e chocalhos, com um chapéu panamá para arrecadas uns trocadinhos depois. Algumas ruas vão mudar de nome, mas isso não vai ser tão rápido nem tão simples assim. Em cinco ou seis anos a Avenida del Libertador vai virar Rui Barbosa, a Santa Fe será a Juscelino Kubischek e o famoso bairro de San Telmo terá seu nome definitivamente cambiado, digo, mudado para São Telmo.
Os próximos edifícios serão construídos com jardins e, em cada jardim, um playground colorido divertirá as crianças – nada de praças. Os cachorros serão mais brabos, mais poodles, mais histéricos e terão que ser carregados em coleiras. Onde hoje ficam os Bosques de Palermo em pouco tempo – pouco mesmo – estará um shopping – o maior da America Latina. Em trinta por cento dos muros das cidades terão pixadas frases comunistas, contra todo e qualquer presidente, ainda que seja ele um comunista. E isso não vai demorar. Porque na Plaza Belgrano as cartomantes já falam Sorte, Dinheiro e Marido sem sotaque. Na Plaza Serrano, alguns garçons se viram ao escutar Capitão, Companheiro, Mestre, Parea, Chefe, Camarada, Cumpade e Irmão.
Todas as padarias terão coxinhas. Com catupiry nas melhores. Os sucos congelados de cajá, cajú e maracujá ocuparão finalmente um espaço nas prateleiras dos supermercados chinos. Depois as estradas serão ampliadas para receber as centenas de ônibus que invadirão o país com câmeras, bonés e camisas da Lacoste e levarão sacolas e mais sacolas da Florida, das Galerías Pacifico e dos outlets da Córdoba - que serão ampliados em trinta por cento. O tango não será substituído pelo samba, mas seu Jorge fará sucesso com uma versão remixada dos dois ritmos. Ao invés de tomarem mate num sábado à tarde, tomarão cerveja. Bem gelada e dentro de uma camisinha. Comendo coxinha. Os isonôs finalmente serão vendidos e lotarão as malas dos carros, as varandas das casas, as bordas das piscinas. Gelos serão vendidos por todos os lados, o Fernet com Coca será abolido, o vinho ficará um pouco mais caro.
Não vai ser fácil no começo, mas depois de algum tempo – ainda não se sabe quanto – os mullets serão cortados – sim, isso vai acontecer - e substituídos por penteados espetados por gels. O hot dog, que atualmente é chamado de Pancho, será Cachorro Quente ou Dogão e terá tomate, cebola, milho, ervilha, batata palha e queijo ralado. Catchup, maionese e mostarda. Andres Calamaro gravará um disco de Caetano, Charly Garcia vai cantar bossa nova e o axé vai continuar do mesmo jeito, porque já é muito famoso por aqui. Boca e São Paulo vai ser o clássico dos clássicos. O Sport continuará sendo o campeão brasileiro de 87, mas alguns taxistas discordarão. Os voos serão todos diretos: Cabrobó Buenos Aires sem vírgulas e sem escalas. Vinte e um de abril, sete de setembro, doze de outubro, dois de novembro, quinze de novembro e oito de dezembro serão feriados nacionais. A praça Brasil, que hoje é abandonada, marginalizada, em pouco tempo será revitalizada e entrará nos guias com shows de Ivete Sangalo, todos com faixinha na cabeça, cerveja Brahma, loló e pulando com seus tênis de mola.
Gordon fez um sinal com a mão e disse: ‘Faça o serviço, os três sabem demais'. André Muhle, Maria Rita Angeiras e Rafael Moreno. Três amigos. Cada um em um canto do mundo. Aqui, todos reunidos. Crônicas novas toda semana.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
ELES
por Maria Rita Angeiras
Têm a malícia, a malandragem, o jeitinho sem querer de pisar na bola, como criança quando quebra um vaso, só pra ver se parte mesmo. E nós partimos, partimos mesmo. Em duzentos pedaços, colados, trincados, suados, recolocados. Amamos beijos, abraços, promessas. Promete o mundo que prometo acreditar, meu bem, minha casa, meu quase nada. Abre os braços, a vida, o caos, o lapso, vai que eu abraço. Minto eu, mentes tu, mas mentimos juntos. Mente pra mim. Minto pra mim também. Juro. Amamos ser enganadas, letradas na arte de amar, erradas. Apostamos alto, sempre. No pôquer, na loteria, no amor. Uma chance em um milhão. Vai que acertamos. Apostamos hoje, amanhã e depois, mesmo com o vaso sem um pedaço. Ou dois, ou três ou quatro. Amamos com fé, com alma, mas sem corpo fechado. Mutilado, cansado, sofrido, estendido no chão depois de morrer de vocês. Somos as outras. As outras, das outras das outras, até vocês fecharem o círculo passando por todas, com o nosso amor espalhado em bocas, com nossa dor zombada por outras. Mas abraça, beija, pede desculpa e faz graça. Em troca reclamo, te chamo, te amo, me engano. E, mais uma vez, faço do meu coração tua casa.
Têm a malícia, a malandragem, o jeitinho sem querer de pisar na bola, como criança quando quebra um vaso, só pra ver se parte mesmo. E nós partimos, partimos mesmo. Em duzentos pedaços, colados, trincados, suados, recolocados. Amamos beijos, abraços, promessas. Promete o mundo que prometo acreditar, meu bem, minha casa, meu quase nada. Abre os braços, a vida, o caos, o lapso, vai que eu abraço. Minto eu, mentes tu, mas mentimos juntos. Mente pra mim. Minto pra mim também. Juro. Amamos ser enganadas, letradas na arte de amar, erradas. Apostamos alto, sempre. No pôquer, na loteria, no amor. Uma chance em um milhão. Vai que acertamos. Apostamos hoje, amanhã e depois, mesmo com o vaso sem um pedaço. Ou dois, ou três ou quatro. Amamos com fé, com alma, mas sem corpo fechado. Mutilado, cansado, sofrido, estendido no chão depois de morrer de vocês. Somos as outras. As outras, das outras das outras, até vocês fecharem o círculo passando por todas, com o nosso amor espalhado em bocas, com nossa dor zombada por outras. Mas abraça, beija, pede desculpa e faz graça. Em troca reclamo, te chamo, te amo, me engano. E, mais uma vez, faço do meu coração tua casa.
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