terça-feira, julho 29, 2014

Metade

Era fácil.

Deixava-se arrastar
em lentos  passos pesarosos.
Toda a segurança morava  ali,
naquele pequeno inferno sedutor.
E soluçava errante, cabisbaixa,
submersa, numa dança.
Dava um passo, depois outro.
Tanto tempo passara quieta,
contemplando a vida que passava
pela estrada.
Já se esquecera, do impulso,
que a impelia a caminhar.

Era tão fácil

curvar os sonhos num soluço,
parar no curso
e passear o pesar,
alastrado, vagaroso, com cuidado,
tacteando, um por um,
os  seus recantos
embebendo-os, complacente
numa lenta necrosão.

Era simples.

Num suspiro, dar-se por vencida,
num murmúrio, entregar a vida,
a um doce desespero.
Apenas um  corpo,
a sós, com a sua dor, que o corroía,
cada vez mais, dia pós dia, com esmero.

Era tão seu esse mundo,
onde, sozinha, se encolhia,
para que coubesse toda nele,
serena, indolente.
Que agora, percebia,
pisava os estilhaços
de si mesma, amputados, pelo chão.

Era o seu corpo que morria,
sem se debater...
Sorriu, ao sentir-se morrer
Outra metade nascia
uma que não lhe pertencia,
que não lhe cabia no mundo
e que não ía deixar perder...

segunda-feira, julho 28, 2014

A ti..

Tudo foi dito, meu amor, nesse compasso.
E no desconcertante, exílio do silêncio,
ergui um espaço escasso, onde repouso,
confessada, e em suspenso.

No encontro dos meus pés com o caminho sempre me debato,
rebate etéreo e febril, com o teu tacto.
E é ausência de mim isto que sinto, no contacto
sem dizer.

Queria tanto que me arrependesses.
Que me trouxesses tempestades aos olhos,
e devolvesses os sismos ao meu chão.
E pudesse o amor revirar as entranhas.
Queria arrancar-te a vida num só beijo e
devolver-ta, maculada nos meus fogos e paixões.
Guardo em mim uma vida que transborda,
leal, nos meus lamentos.
E queria que me arrancasses os tormentos,
dessa vida, que em silêncio te ofereci.
E pudesse o amor amar mais, na despedida
amar-te-ia mais uma vida, um pouco mais
só para te ver partir...

A ti

Que agora foges do silêncio que te frustra,
Que me prometeste dar à vida infernos e vulcões.
A mim, que nada mais criei que as ilusões
Arromba-me a porta, derruba-me os muros
devolve-me os vulcões

Ouves-me?

Faz da minha quietude um vício e a tua rota
e quando, em rendição te vir, cansado, regressar,
nos passos, que em contramão já percorreste,
Peço-te
Vamos dançar o tango. Esquecer a luta,
que inevitavelmente, perscruta
todas as danças que a vida tem...

terça-feira, junho 26, 2012

Transgressão




Dá-me um segundo.

Não sabes que caí, mais uma vez, neste meu chão.
Fiz dele o meu percurso, traçado nas minhas derrotas, anulado nas minhas lágrimas, de novo alçado nos meus sonhos, em cada sopro de uma ilusão.

Mas, não sabes que fui eu.

Que me desacerto, engano e decomponho nessas rotas, e que, em medo, me escondo, tentando fugir-me, escapar-me, em exasperação.

E estendes-me a mão...

E é sempre minha a culpa, de fazer tão sinuosas estas vias, de lançar-me tortuosa a tudo o que somos, errante entre tudo o que perdemos…

Dá-me um segundo. Só mais este. Não afastes a tua mão.

Enquanto a alma procura, uma vez mais, destruir a inflamação. Perdi, mais uma vez, a minha história, nos interlúdios desta culpa. Perdi-lhe o tom, o trecho, o enredo, a impressão. 
Sabes, gostava de poder contar-te a minha história, sem o muro de palavras que erigi. Com um sopro de ânimo desfazê-lo, taciturno, quedo comigo, neste chão.

Não me faças perder também, num segundo, a tua mão.

E são tão vãos estes sonhos, que se abatem, tão estéreis, quanto o frustre das derrotas, tão fúteis como o enlaço das vitórias…

Dá-me só mais um segundo. Que eu quero erguer-me do meu chão. 

E por um segundo, poder deixá-lo impune pelas rotas, erguer-me das derrotas, anular-me da culpa, desta minha vida em transgressão. 

E o teu segundo é o muito que te peço Nesses fragmentos de pó que despedaço pelas rotas.

E pode o segundo ser maior que a vida. Quando nele se conclua tudo o que somos, tudo o que fomos, tudo o que perdemos… 
e te cole de novo a vida ao coração.

terça-feira, agosto 23, 2011

Princípio

“Senta-te. A história é longa. (...) poderás saber como perceber melhor o tempo...”
Assim falou ternamente a voz (...)


Parou. Parecia que nada mais resistia a não ser o momento. Nada mexia, e no sideral vão do meu peito só entendia o coração pulsar. Dali a poucas horas também ele deixaria de viver. Contudo, a Terra continuaria a mexer, imperceptivelmente, num novo dia. Do seu centro, continuaria a cuspir fogo, inalterável, constante. Alheia à minha presença ou a qualquer outra existência que habitasse as suas entranhas, perduraria…

“Deixa-te estar.” - Continuou – “Não há pressa, o tempo todo molda-se ao nosso dispor”.

Balançou suavemente o corpo esguio até encontrar o beiral. Sentou-se, procurando definir a trajectória que os meus olhos encetavam. Pareciam perdidos na vasta imensidão minúscula que se delineava do alto do telhado. Aproximou-se mais e sentou-se ao meu lado, poisando calmamente as mãos grandes e elegantes nos joelhos, retomando a fala.

- “Quantas pessoas achas que já passaram por aqui?”

Os meus olhos voltaram a si e responderam-lhe, cáusticos e incisivos, num mutismo agitado que já não davam valor a nenhum tipo de vida.
A voz aflita, tão emocionada quanto confusa, alcançava-me, disseminada nas explosões.

- Desculpa! Perdoa-me ter-te abandonado,

Comecei por fim a entender a razão que me levava ao cimo do telhado e a história que acabara irremediavelmente por levar-me àquele fim.

- …e perdoa-me o que te estou a pedir…

Desinteressadamente, quase como se adivinhasse a resposta, levantou as mãos para o nada, balançando-as ao ar, por cima dos pequenos pontos vivos que se desenhavam abaixo, sob o raiar de um novo dia.
“Antes de concluíres o que vais fazer, antes de te alçares deste beiral e te atirares para o vazio que te espera lá em baixo, quero que te perguntes:
- Quantas pessoas seriam precisas para fazer tempo?”

Inclinei-me, preparando-me para saltar. Sentia o coração pulsar-me na garganta. Dali a poucas horas também ele deixaria de viver. Contudo, que assinatura teria eu deixado nos caminhos por onde passei? Sempre de fugida, sempre furtiva, sempre brusca demais, sempre com medo…sempre…
E aqui começa, ou acaba, a minha história. Sei que, ali, deitada naquele chão, coberta de destroços, podia adivinhar uma ténue pulsação. Não a minha, que cessava, mas a da Terra, feliz e em liberdade. Se me aproximasse, podia ouvi-la respirar.

 In "Saga, os Dias da Ira". 
[quem quiser mais, é só pedir :P]

quarta-feira, julho 06, 2011

Conclusão

Adeus, apertado sufoco deste eterno coração.
Escrevo-te outra história. E nos traços do que escrevo, dou-te novas linhas. Retiro-te da reclusão.
Rematei-te com as formas que me deste. Inacabado, mutilado, imperfeito. Livrei-te de mim, da minha infecciosa lentidão.
Fiz-te em linhas férreas, para que domines os cursos do meu sangue. Porque os ecos dos meus gritos não te alcançam. Dou-te um propósito. Outra intenção.
Porque a solidão é uma moléstia que gangrena. E a inércia, uma consentida solidão. A independência é a nova história que te cedo.
Fomos uma só cadência. Trinaste os compassos neste peito. Bateste com ânsias, com sede de muito, em sofreguidão.
Adeus, velho coração. Completo a narração.
Quero saber-te sepultado noutro peito, imerso noutra mão. Fora de mim, possas bater, mais devagar.

segunda-feira, novembro 29, 2010

Frio

Já te falei do frio. Mas não de mim.
Nunca te disse,
Porque as palavras magoam-me as entranhas e não quero remexer na minha dor.
Entreguei-me, desfeita. Procurei que o silêncio fixasse, como gargantilha, a minha essência asfixiante no pescoço.
Percebes então porque não te digo?
Talvez não goste das palavras que decidem. Ninguém dispõe por mim. Nem a sentença escusada das palavras.
Mas o silêncio é sempre um esforço vão.
Nunca te disse…
Que a sorrir, assalto os meus sentidos.
Arranco a gargantilha que sufoca.
Forço-me às palavras. Deixo que me trilhem as entranhas.
Ainda gosto de saber como sou por dentro.

terça-feira, novembro 23, 2010

Rendição

Entrego-me.
Fazer valer a pena a caminhada,
Deixar a solidão e a estrada.
Poisar no chão a minha história.
Deixar nos trilhos os meus passos.
Ser forte.
Erguer o rosto, não o coração.
Derrubar a resistência das palavras,
Alçar-me do silêncio que me veste.
Nunca, é a promessa.
Consumir-me nos lamentos que me assistem.
Ser forte.
Calar as vozes e a emoção.
Não abafar o que ajo, Enterrar a história.
Num esquecimento de memória, desaprender a estar aqui.
Ter coragem de estar em mim.
Deixar tocar o que se vê de mim. Ver, que falhou,
ter a aparência como companhia.
E na sabedoria desse toque,
Largar a minha mão da tua,
Ter como último retoque, o sufoco de ser livre.
Entregar-me.
Em brisa. Veres-me passar. Em ventania
Forte. Ultimo aviso.
Só dói no começo. O temporal, medes no fim.

quinta-feira, julho 15, 2010

Construção

Fiz de mim página em branco, num exíguo colo cerceado.
Um silêncio que aperta e se sufoca, num espírito consumido e apressado.
Alguma coisa menor a que retorno. A parte invisível do meu ser que luto.
Ardem desfeitas as cinzas das lembranças que fundei.
A dor inutiliza e transforma. Vicia, corrompe, seduz, deforma.
Mas o peito não sangra, nem o coração se arranca num remate.
E na construção reduta em que me ergui e me transformo,
vive inalterável numa massa contráctil. E as veias levam o seu fluxo,
como um curso. Até ao átrio vazio desta face em que me anulo.
Um particípio vão e indefinido, revogado, prazo gasto.
Ponto esquivo as minhas roupas. Local estranho que criei.
Que também elas sejam cinzas nos teus braços. Não quero
esconder mais a minha pele.

domingo, janeiro 03, 2010

Contrição

"Não é o que você não faz
Não é o que você não diz
é o fato de não ver nos seus olhos
(...)"
Andreia Horta; Humana Flor (a inspiração continua)
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É o que pensas que omites e me foge.
O querer esmiuçar ao limite da loucura,
os rodeios onde a dúvida embarga.
Querer encontrar-te. O perder-te,
nas muralhas das palavras que contróis e
esfarelam o meu peito de papel.
Escapas-me.
No escrúpulo que suspendes e se atalha.
No eco da mentira que declamas.
Vê-la crescer, farta, pública, manifesta.
A alma baralha e apodrece.
Olhar-te nos olhos.
Onde talhas a mentira que te veste.
Insistes.
Porque não és tudo o que dizes.
(Des)iludes
Abres-me uma cova no peito.
O coração cresce, amolgado,
de encontro ao peito. Enche de dor.
A lágrima ferve, a pele escalda,
apertada, cruel.
Cai-me na alma, desbotando-me o papel.
O peito abre. O coração perfura.
O sangue inunda.
Extingue o cheiro decomposto da mentira.
A esperança expira.
A lágrima cai, uma após outra.
E o que importa?
Não me anulo nas muralhas que erigiste.
Não sou mais uma borra tua.
Tu és apenas as palavras que mentiste,
escritas no papel, que empalidece.
Não finjas a verdade que te burla!
Mata em ti esse logro que jugula.
Dizer de cor, não fala.
Um dia, a alma ressente, e conquanto tente
a garganta cala, a boca desmente,
o  anúncio burlado que ainda consente.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Morrer sem vida

“A flor morreu
O ciclo acabou amor
(…)
Inchei de dor
(…)
Arrebentei, arrebentada
A dor é de vidro
(…)
essa repulsa me corta
Mas não há de ser nada
Não há saudade!
A flor morreu
(…) coitada
Despedaçada.”
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Vou (…) fazer poesia
E amar. (…)
E só então quando finalmente meu coração
Aprender a bater devagar
Eu possa começar
A morrer.”

"Humana For"; Andreia Horta

É isso! E este é o meu grito.
Desejei, busquei, esperei, cansei, torturei-me e torturei.
Hoje, só cansei.
Não sou quem vive em ti.
Eu não vivo em mim!
Despedi-me de mim. E para onde vim?
Hoje, sei que não se pode viver dos sonhos.
Mas que neles se embebem todos os olhos, para avançar.
Quero parar.
Por um segundo, apenas um segundo,
Com cuidado despedaçar tudo o que idealizo.
E sentir no penetrante toque do vidro que pisar,
todas as dores a abrandar
os pesos compassivos, estilhaçados pelo chão.
A minha dor não é vidro.
Tantas vezes a atirei para o chão e a pisei.
E ali permanecia, intacta,
cravando-me desdenhosa, as unhas, bem fundo no coração.
Dói-me, apertado, esse coração que ainda sangra.
Bate maquinal e apressado, em busca, iludido com regeneração.
E não sei falar de mim.
Dá-me a mão…
A dor embebe-se profunda, retalhando-me o pulmão.
Demora-se, estacionada,
bebe-me a alma,
arrepela-me o sangue,
entranha-se na pele, deslizando nela, como cetim.
Eu bem disse que não te prometia.
(… Não podes amparar-me o peso de todos os soluços tristes
que guardo em mim...)
E que não sabia o que falar de mim…
E gosto de viver assim.
E é só isso...
Recorto as memórias como a um xaile de lamentos,
Coloco-o sob os ombros e acalento a solidão …
A alma definha, moída e morta.
Digo-me adeus...
Quando saíres, por favor, fecha-me a porta.
Morrer sem vida, não me doi nada.

terça-feira, dezembro 15, 2009

Palavras e um café

Sabes aquele momento em que percebes que nada mais tens a perder?
Cansaste-te de abater a vida em apostas, em acordos sem razão de ser. Olhas para o presente com olhos de futuro, e no futuro, não podes viver. Tens nas mãos as armas que dizes usar para crescer. Até hoje, só te ousaram magoar.

“Percorria aquela escadaria de mármore branca e olhava para as colunas romanas (a primeira vez que soube ver). É um sonho, apenas um sonho (mas mesmo no sono, ainda os sei reconhecer). Desci a escadaria e piso a esplendorosa relva. O vestido branco de princesa (porque o sonho é o único lugar onde o posso ser), esvoaça com a leve brisa perfeita que se agita no ar, e nos passos dos meus pés desnudos sinto a relva a tocá-los, levemente, como o sopro daquela brisa. Pura, numa ingenuidade quase natural, caminho, lentamente.”

Sabes aquele momento em que outra alma te reconhece?

“Foi aí. Simples, básico, belo e evidente, poisei os olhos no pintor que brandamente, pintava um pôr-do-sol numa tela em branco. Não sabia, não conhecia, mas podia dizer, porque o meu sonho nunca mente, que dali nasceria um magnífico e único pôr-do-sol. A hora em que nasci.
Ele poisou o pincel. A camisola vermelha em contraste com o céu misturava-se nos meus olhos e sorri, timidamente. Tu levantaste-te do singelo banco de madeira (porque o singelo é a única forma real do ser) e estendeste-me a mão. E então, não sinto. Nem dor, nem perda, nem tristeza, só amor.
O sorriso abre-se no reconhecimento do bem-querer. ‘Ficas tão bonita, quando sorris’.
(Porque ali, apenas vês a minha alma, e não a gaiola onde se encerra).
Podias ter dito. Sem falar, com as palavras que lerias dos meus olhos. Mas não disseste. Porque (e não te esqueças de que é tudo um sonho) eu não gosto das palavras, e não me queres ver triste, não me podes desapontar). Serenamente, dei-te a mão, caminhando lado a lado. ‘Não podes estar aqui’.
Falaste, num tom terno, melodioso, com o mais belo sorriso, o primeiro que realmente estava a ver. A relva não era lugar para a minha alma, que ainda tinha muito a percorrer. Juntos, subimos as escadas, e (como nos sonhos não existe tempo) sentámo-nos. Afinal, naqueles momentos, eu era dona do mundo.
Gentilmente, porque não me querias assustar, poisas-me a mão grande e delicada no ombro. Com o toque, arrepiei. Como era macia a tua pele. E como a conhecia, mesmo sem a ter tocado, mesmo sem te ter visto.
O beijo surgiu naturalmente, como o devem ser todos os beijos, puros, sinceros, naturais.
E dos teus lábios, a promessa: “Encontrei-te, e hei-de encontrar-te sempre…”


Acordas, e sabes que nada mais tens a perder, a não ser a espera. Mas o meu sonho não mente, e sei que hei-de encontrar-te.
Não sei se fugirás com repúdio da figura, se te arrependerás, mesmo antes de chegar. Só sei que os meus sonhos sempre se revelaram e este, mais uma vez, não mente.
Caminho lentamente pelos bairros iluminados com a alegria do Natal. Todas as janelas cintilam, menos eu.
Enquanto caminho, procuro-te em todos os olhos, em cada gesto, talvez te possa reconhecer. Não sei se desta vez me reconhecerás, uma vez que não trago vestido o meu traje de princesa, nem sou apenas a minha alma, mas todos os outros pesos em que a vida me soube transformar.
Ao longe, uma porta de café, quente, reconfortante. E, de repente, quero entrar. Sento-me na última cadeira, a do canto. Não vás tu chegar, e sabes como gosto de recantos…
Não te conheço, nunca te vi, já te senti. E peço-te ao anoitecer, com a inocência de um desejo de criança, que chegues brandamente, ao raiar de um novo dia. O verdadeiro começo, o novo dia, o ínicio do viver.
Bebo calmamente o meu café, esquecida de como lhe gosto do odor. Automaticamente, retiro uma caneta da carteira e começo a escrever.
No papel deposito calmamente estas palavras, deixando-as repousar. Espero mais um pouco, mas não te vejo chegar.
Pego na caneta e poiso o pires do café sob a folha. Podes chegar atrasado, e acabar por ler. Agora posso sair porta fora e voltar. Ao mundo onde sorrio, onde tenho sempre uma palavra de alento a dar, onde, aos outros, sempre faço bem, onde conservo o meu sorriso, arma do dia-a-dia, que aquece tanto e tão bem...
Levanto-me e caminho até à porta. Lá fora, já anoiteceu. Faz frio.
Aperto o casaco vermelho contra o peito, e ainda aperto a caneta contra a mão.
Maquinalmente o olhar foge para dentro, onde tudo é quente e hospitaleiro. O sangue corre-me nas veias, cada vez mais lento, cada vez mais frígido. Descubro a razão porque sempre tive frio. Tu não estás comigo, para me apertares de encontro a ti, sentindo-te abraçar-me, sentindo o corpo aquecer.
“ Não vives, não sentes, és de gelo e não existes”.
E caminho, hoje e sempre, mesmo que não venhas a aparecer, porque ainda tenho um rumo a casa. Só não tenho outra alma, que me saiba aquecer.
Agora, de volta, nas luzes de natal que me flagelam a ideia, vejo quem sou. Um corpo demasiado pequeno para uma alma que, teimosamente, o tende a corroer.
“Encontrei-te e hei-de encontrar-te sempre”.
A mim, que nunca te vi, mas que conheço os teus olhos e os cheiro, falta-me o beijo. Quando quiseres, sejas tu quem sejas, desde que o invisível possas e saibas ver, ainda te espero. Porque para mim não há longe nem há tempo.
E o meu sonho, não mente…

“Façamos, então, o meu último contrato. Já que nada mais sei perder. Leva-me o corpo e deixa-me a alma, para que assim me possas, me possa, me possam reconhecer”.

…lá dentro, o empregado leva na mão a minha chávena, e amassa o papel, que arremessa ao lixo, em mais um gesto rotineiro.

segunda-feira, novembro 30, 2009

10 anos

Quanto tempo se passou sem estarmos juntos? Pergunto-me, como se disso dependesse manter a tua presença em mim.
Lembro-me, com a memória presente de uma menina de 13 anos, o carro preto que nos encaminhou ao teu destino e os teus olhos inocentes, sem saber o fim. Senti, que enquanto tu estavas, apenas, porque te tínhamos levado até ali, eu estava prestes a despedir-me de quem mais queria. Hoje, quem me dera, então, tê-lo sentido.
Sem adeus, sem um toque, sem sequer te dar o beijo que me obriguei a conter, despedi-me de ti, apenas com o pensamento. O mesmo que ainda hoje me leva a ti.
Na caixinha de memórias que estimo, sinto nos meus dedos os finos fios dos teus cabelos, cortados imperceptivelmente no último dia, não fosse precisar senti-los. Quatro anos que se resumem assim, umas quantas roupas que ainda conservam o teu cheiro, a tua primeira chupeta e uns poucos filamentos de cabelo em que toco com cuidado, não vá perder algum. O resto, guardo em mim, só em mim, porque ainda hoje, falar ainda me custa. Sem saber, foste o meu primeiro sonho, aquele que mais pedi e ansiei numa noite de fim de ano em que fechei os olhos e ousei implorar. E foste-me concedido, numa entrega complacente com a força de um desejo de criança. E foste o meu sol, o meu pequeno menino sol, que me iluminou, mesmo sem saber. Foste quem eu mais amei.
Quanto tempo passou? Será que disso depende manter vivo aquilo que sinto por ti? As horas esvaem-se, o tempo desfalece, tu cresces, tal como a saudade que sinto por ti.
Na memória, ainda um telefonema de um menino soluçante que suplicava entre gemidos para o pesadelo terminar…e a minha voz, tão cheia da tua, da nossa, dor. Ainda tentava esperar que o tempo ousasse voltar atrás.
Uma visita, outro carro que me transportava até ti e o meu coração palpitante de menina-mãe. Os teus olhos, de um castanho doce de mel misturado com avelã, a correrem para mim. E a fuga, o partir ao fim do dia, a última vez, rogando que não me visses. Para mim, já bastava um só sofrer. A cabeça deitada com o cansaço, a ecoar a música que me costumavas pedir para te adormecer. Nada ficou no lugar Eu quero quebrar essas xícaras Eu vou enganar o diabo
E quanto tempo se passou desde que nunca mais te vi? Os anos cresceram, a vida ganhou um outro rumo e o teu corpo cresceu. Sei que em sonhos, ainda te vejo tal e qual te deixei. Os cabelos loiros finos e brilhantes, tal como os da fotografia que conservo, viva em mim. E quantas dias já passaste? Quantas noites de frio? Sem mim…
Quantos anos passaste? Quantas velas apagaste? Hoje é só mais uma. Outra, sem mim.
Se cá estivesses, seria o teu dia, seria criança contigo, comeríamos bolo e desejar-te-ia o melhor que no mundo houver. Falaríamos de trivialidades e riamos até ser dia. Amanhã, será um novo dia para ti, para mim mais um igual. Como todos aqueles que preciso contar para estar certa de que passaram. Na minha boca, a promessa. Não me despedi. As palavras que não disse no pensamento, ficaram apenas em mim. Não disse, não quero dizer adeus. Não voltarei a encontrar-te, não o menino sorridente que guardo em mim. Ainda conservo a tua imagem nos meus sonhos e o teu cheiro. A música que cantavas com a tua vozinha infantil, ainda ecoa na minha cabeça, já erguida, e ainda te oiço em mim
Nada ficou no lugar Eu quero quebrar essas xícaras
“mana…eu quero tu…vem-me buscar…”
Que é pra ver se você volta, Que é pra ver se você vem, Que é pra ver se você olha, Pra mim...


“Meu amor, tu vais ver, como é bom sonhos ter...
Amanhã ao acordar, tudo vais querer contar
E depois, voltarás a sonhar.
Só aos Anjos, a lua sorri…”


Nada ficou no lugar Nada ficou no lugar Nada ficou no lugar…

sábado, maio 23, 2009

VERDE

Mais uma pérola do querido Patxi. Um poema lindo, tributo a García Lorca
Desculpem quem achar que este blog se está a tornar depósito de letras do senhor, mas a verdade é que esta merece.


Verde que te quiero verde, ¡ay!
verde que te quiero verde.
Los toros se han revelado,
la impotencia llora y llama,
y desde un río de sangre
hay una voz que reclama, ¡ay!
hay una voz que reclama
la importancia de un amigo,
poeta de cien mil lunas,
garganta dura y hombruna,
gitano de profesión, ¡ay!
por quien hoy rompo yo la voz.
Verde que te quiero verde, ¡ay!
verde que te quiero verde.
Se te escapó la mañana
por detrás de la alcazaba,
caminando ya sin prisas,
amaestrando sonrisas, ¡ay!
amaestrando sonrisas;
y se tiñeron los campos
verdes de la primavera
cuando la nación entera
cabalgó sobre tu llanto ¡ay!
Tú poeta, y ellos tantos...
Verde que te quiero verde, Cor do texto¡ay!
verde que te quiero verde.
Hoy el verso me reclama
una luz y una llamada,
un canto de cuerpo y
almacomo el que el tuyo cantaba, ¡ay!
como el que el tuyo cantaba.
Y el pueblo llora la calma,
y canta porque se ahorca,
y hace tu muerte inmortal
cada vez que alguien te nombra
Federico García Lorca.

segunda-feira, maio 18, 2009

Casa da Música, Patxi Andíon 15/05/2009

Há dias felizes na vida de uma pessoa. Para mim esse dia foi esta 6a feira, quando tive o prazer de conhecer uma das pessoas mais interessantes que conheci nos meus 24 anos de vida.
Desculpem-me os leitores, mas "me enamoré" deste homem maravilhoso. Isto foi conversado na Guarda, às 03h da madrugada de Sábado...e parece que sou eu a falar.

"Sigo pensando en mí como se de otro se tratase. Sigo preguntando 'quien és?' en lugar de 'quien soy?' Pasar el tiempo conmigo mismo me hace conocer mas cosas de mí. (...) Aúnque son las cosas que hago que mejor saben quien soy (...) No soy una improvisación constante, pero frequentemente mis actos no se parecen a mis versos. Se que casi todo me sobra. Solo ambiciono el tiempo. Consumido por la fiebre de vivir."


Se me ha dormido un sueño en el café
Perdido por el tiempo de nunca volver
La tarde en el colegio y un corazón
Clavado en el pupitre entre los dos.
Estas algo más rubia y así de pie
Pareces aún más alta de lo que pensé
Cuando tú eras la envidia y yo el por qué
Que tu padre decía me iba a perder
Quiero echar la vista atrás
Donde se encuentran
Mi plumiere y mi compás y tus trenzas
Y volver a rebuscar por un solar
Yo mis ganas de pelear y tú el susto
Que te daba no verme más a fin de curso.
Ay amor, amor primero...
y de segundo, tercero y cuarto...
Ay amor, te quise tanto
Cuando el beso era amor y el amor canto.
Amor desde el gimnasio a la excursión
Desde la geografía, amor sin razón
Amor de tinta y tiza
Amor de portal
Amor de cada día y en cada lugar.
Amor que aun ahora guardo en la piel
El beso, la caricia, el toque, temblor
Amor perdido, amor de nunca volver...
Camarero, por favor, otro café.
Dónde están, donde se encuentran
Mi plumiere y mi compás y tus trenzas
Y volver a rebuscar por un solar
Yo mis ganas de pelear y tú el susto
Que te daba no verme más
A fin de curso.
Ay amor, amor primero...
y de segundo, tercero y cuarto...
Ay amor, te quise tanto
Cuando el beso era amor y el amor canto.
(2x)
Patxi Andíon, Amor Primero
Gracías a tí, Patxi
Izzie, my person, muitas das músicas parecem escritas para nós ;)

quarta-feira, março 11, 2009

Silêncio

Hoje que em nós não há mais nada que duas mãos afastadas.
Agora que o silêncio não é mais que um lento desviar de cada dia. Cala a tua voz bem fundo e nada digas.
O que sinto não quer ser dito. Não é dor, nem tristeza, nem amor.
Hoje que em nós não há mais nada que as iras do coração que aqui descansa. Deposito docemente o meu silêncio sobre o solo. Também ele se cansou de amordaçar-se em temporal.
Quantas vezes disse que te amava? E gritava, pedindo-te perdão…
Agora que entre nós nada mais há que a espera, dou-te a minha voz, tão frágil e farta de agir em conspiração. Levemente, sem palavras, afasto os meus olhos dos teus desconhecidos.
Em silêncio, porque me dói falar tudo o que não digo. Se falo só te mato o coração.
Hoje que em nós não há mais nada que a mudez que asfixia, cala bem fundo essa voz e nada digas. Cansei-me de esperar no meio dos caminhos.
Desculpa ter cruzado, um dia, o teu caminho. Em silêncio peço-te perdão.
Afasto os teus olhos pelos meus tão visitados. Levemente, poiso no solo as iras do coração que aqui descansa. Não me dispas do silêncio que me veste! Prometo-te a palavra! A voz agita-se. Só por hoje, que em mim não há mais nada que o timbre em guarda, falar ainda me dói.

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Encontros

Ele esperava por ela. Como quem respira, escutou-lhe os passos e viu-a aparecer.
Surgira do nada, com um à vontade sereno de quem nada teme. Olhou-a, de relance e fugiu. O coração conheceu-a e deixou de pular nos caminhos do seu peito.
Ela não queria, não esperava nada. Apenas que a deixassem solta nas planícies do seu ser. E cheirava a terra e o solo estremecia nos seus passos pelo chão.
Ele perdeu-se nas planícies do seu corpo, ela levou-se pelas aragens refrescantes do seu coração.
Era a terra precisada de ar numa aliança perfeita de elementos, numa comunhão constante de impressões.
Conheceram-se ofegantes e não mais os seus corpos se largaram.
Ela parecia ter a garganta presa com o ar. Ele sentia pisar a terra mais leve e os seus passos firmes.
Não era da natureza do ar fazer-se prisioneiro nas entranhas rudes e imutáveis da terra.
Não seria a Terra a prender a voracidade dessa vida de ar que, inevitavelmente, seguiu o seu rumo.
Levou com ele minúsculas partículas de pó, memórias infinitas do seu encontro com a terra.
E nunca mais se defrontaram!
A ela, nunca mais a viram solta nas planuras e o corpo endureceu formando-se acre e castanho. Por vezes, irrompe em tempestade. Ainda solta todo o ar contido na garganta em furacões.
O coração fez-se de fogo, consumindo-a aflito, em arrepios constantes.
No peito, um enorme vazio cor de sangue. É a alma da terra que a água não alcança. O núcleo da vida em permanente crepitar. Deito-me nela e oiço-a palpitar…

quarta-feira, janeiro 28, 2009

Estrada

Abriu a porta e os olhos apertaram. Há muito que galgavam navegantes em busca de um destino.
De todas as vezes em que o rumo lhe assomara acabara sempre assim…num qualquer porto onde poisar.
Porque insistia nessas rotas que maltratam? Quantas mágoas deixara nesses portos hoje ausentes?
Entrou…
Despediu-se do caminho. Vagueara invisível nesses trilhos que secaram o seu ser.
Não queria aquele nada de solidão à beira estrada.
Esperou…
Os olhos fecharam de saudade nas lembranças dos sonhos que desbotam deprimentes.
Ali, onde a porta se descobre dentro do seu ser, o tempo não aperta, mas suporta.
Sentou-se...
Desfaz-se da memória que não tem mais que antever.
Lá fora, onde o rumo se agrilhoa entre tormentas e correntes, ainda há quem persista no vazio e rume à estrada.

terça-feira, novembro 25, 2008

Eu queria falar-te do pó. Desse que se lança dianteiro nos meus olhos e me apaga.
Milhões de crepúsculos sombrios que se abatem e se esgotam.
Andar com sede nos lábios e ânsias no querer. Ter um peso que transforma os meus passos neste chão.
Mas em vivência dormente, vou seguindo fechada no silêncio. Com palavras certas amordaço o que não digo em mim.
Eu queria falar-te, e não quero. Na conspiração do silêncio que me assiste, espero.
Há muito que o trajecto me deixou entre grupos e ensejos.
E não olho para trás!
Se na viagem que encetei o abismo se anunciar, espero que a vertigem não me cegue e que, no salto, me veja lá do alto: a soma de todas as coisas, a presença de todos os dias, apenas mais um eco de um vazio visceral.

terça-feira, abril 22, 2008

O Louco

“Perguntais-me como me tornei louco. Aconteceu assim:

Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido, despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas – as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas – e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente gritando: “Ladrões, ladrões, malditos ladrões!”

Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim.

E quando cheguei à praça do mercado, um rapaz no cimo do telhado de uma casa gritou: “É um louco!” Olhei para cima, para vê-lo. O sol beijou pela primeira vez a minha face nua. Pela primeira vez, o sol beijava a minha face nua.

E a minha alma inflamou-se de amor pelo sol, e não desejei mais as minhas máscaras.

E, como num transe, gritei: “Benditos, benditos os ladrões que roubaram as minhas máscaras!”

Assim tornei-me louco.

E encontrei tanta liberdade como segurança na minha loucura: a liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós.”


Khalil Gibran

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Destino

Sentou-se. As portas fecharam-se na partida, tal como todas as outras, em todos os diferentes portos.
Nela, apenas mais um abrigo, nada mais que excertos do caminho.
Levantou-se, um passo, depois outro e as lágrimas corriam provisórias num laço infinitesimal que a prendia neles.
O coração marcava-lhe o ritmo num compasso.
Mais um passo, e um novo porto.
O corpo revoltava-se com a indignação do cansaço.
Esperou, e cruzou os braços.
O cheiro acre da terra inundou-lhe os sentidos recordando-lhe de onde vinha.
O desenho das pegadas determinava a decisão.
No olhar já um novo porto longínquo onde demorar-se e também outro, rumo a casa.