23.11.24

Diário de Bordos - Marselha, França, 22-11-2024

Jantar no Mas, copo pós-prandial no Café des Arts. Mudaram os dois de proprietários há pouco tempo. Continuam quase iguais: no Mas a comida estava porreira e a música muito alta, no outro toda a gente dançava e a escolha de runs é limitada. Bebi tequila e pensei que o Mediterrâneo é o berço daquela verdade absoluta "é preciso que tudo mude, etc."

Marselha continua o condensado de Mediterrâneo que há séculos é e assim continuará ad seculum seculorum

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As réplicas do terramoto sucedem-se. Hoje ao aterrar apaguei o telefone e ao ligá-lo não atinei com os PIN. Resultado: tive de vir de táxi do aeroporto para o hotel e de comprar um cartão novo. Cem paus pelo cano. O R. tinha ido buscar-me ao aeroporto e veio de lá furioso, claro. Felizmente o cartão novo reintegrou-me no mundo. Isto é, na net, como o andar novo da anedota. Agora preciso dos PUK dos dois cartões,  tarefa para a qual vou ter de mobilizar alguém. Há dias em que me detesto muito e outros pouco. 

Infelizmente aqueles em que não me detesto de todo ainda estão por nascer.

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Ao que parece a moussaka ficou boa. Há dias em que me acho suportável.

22.11.24

Diário de Bordos - Caminha, Portugal, 21-11-2024

Chove felicidade e eu não tenho chapéu de chuva.

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É preciso passar algum tempo sem ouvir a Ressurreição de Mahler para perceber o que é a ressurreição. «A quelque chose Mahler est bon.» A quelque chose aimer est bon.

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Jantar amanhã para me apresentar à boa sociedade caminhense. Não estarei: vou a Marselha ver dois barcos para um cliente. A minha vida é uma antologia de ausências.

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No fim da linha dessa viagem está um transporte Marselha Santander. De um porto que conheço bem a outro aonde nunca estive. A minha vida é uma antologia de descobertas. De ressurreições, por assim dizer.

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Resta esperar que a moussaka fique boa e valha a ausência. 

18.11.24

Diário de Bordos - Aeroporto de Genebra, Suíça, 18-11-2024

Passado o filtro ainda me resta uma hora e quarenta e cinco minutos de espera.

Qe saudades tenho das intermináveis filas do aeroporto de Lisboa.

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Na mesa ao lado senta-se um casal de portugueses. Ele de camisa cor-de-rosa, que achou por bem complementar com um cachecol preto; ela com uma coisa inidentificável por um ignaro da moda, estampada com desenhos que fazem lembrar pegadas de leopardo, talvez por causa da cor. Ambos aterradoramente feios e gordos (ela muito mais do que ele).

Duas vítimas da injustiça fundamental da vida, penso, tentando não me lembrar de que não sou propriamente um sósia de Apolo. 

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Tempo de sono esta noite: exactamente zero horas e zero minutos e tenho um lugar na coxia. Desta vez os malabarismos para ser o último a embarcar destinam-se a arranjar um lugar à janela, ver se consigo dormir. "Raio do homem nunca está contente", oiço alguém reclamar. "Quando tem lugar à janela quer a coxia, e agora que tem quer o contrário".

"Quando as circunstâncias mudam eu mudo de opinião. V. não faz o mesmo?", dizia um economista famoso. 

Neologismo, falta de educação

A ideia final, também conhecida por objectivo, era orgasmar-te, claro. Mas para isso há que ir passo a passo. De chofre não se consegue nada. Muitos caminhos levam a essa grande finale. Os meus começam invariavelmente nas palavras. Aliás, na verdade são elas que apontam, que escolhem o alvo, que me dizem quem se esconde por trás do pronome lá de cima. As palavras decidem e eu vou atrás delas, não à frente. Por vezes são simpáticas e sinalizam-me o caminho: um jantar, um passeio, uma ida ao cinema, uma sessão de leitura, um copo de vinho (para mim. Para ti pode ser outra coisa qualquer). Outras vezes não me dizem nada. Deixam-me ali no sopé da montanha, tal alpinista a escolher a melhor via para chegar ao cume. Já me aconteceu várias vezes ficar a meio do caminho, já me aconteceu chegar ao fim e ficar desapontado, quase sempre por causa de um desequilíbrio qualquer. Já me aconteceu de tudo, menos desistir antes de começar. 

Seria uma enorme falta de educação para com as palavras, não achas?

17.11.24

Diário de Bordos - Genebra, Suíça, 17-11-2024

Passeio tardo-melancólico por Genebra. A primeira coisa que noto ao sair de casa é que está menos frio. (Chegado confirmo. Estão onze graus.) A segunda é que há mais trânsito do que era habitual aos domingos. Penso muitas vezes num comentário de um americano sobre Lausanne que eu transpunha para Genebra: "Lausanne é uma cidade ligeiramente maior do que o cemitério de Chicago mas com menos vida" (transcrição de memória). Genebra já não é assim. Lausanne não sei, não vou lá há uma data de anos. Deambulo devagar, entro num café porque tenho de pôr um pouco de ordem nos dias (ou seja, na cabeça - dois cafés: dez euros e cinquenta cêntimos. A ordem nos dias só não se estilhaça porque já estou aclimatado aos preços, como às temperaturas), continuo a andar, no caminho de regresso vejo uma tascazinha a vender falafel a um preço convidativo. Entro, os falafel são óptimos,  as cervejas é que são caras mas estou-me nas tintas, a melancolia que leve a melhor, a melancolia e o tanque de tintas aonde estou, bem sei que em casa tenho cerveja e vinho mas esses ficam para depois (isto é, agora). Penso em tudo o que tenho de fazer - escrita, fotografia - pergunto-me se tenho de é o verbo adequado e a resposta vem bífida: metade de mim diz sim, a outra diz não, que não é ter de, é querer ou quando muito quando muito dever. A fronteira entre o abulismo e a preguiça é transparente de tão fina mas a agulha acaba por cair naquele, sempre é mais nobre.

Amanhã saio de casa de madrugada. Estive aqui uma semana e um dia e vi os netos duas vezes. É como quando nos jogos de basket pedíamos um minuto de pausa, indicador direito vertical contra a palma da mão esquerda na horizontal, um minuto de pausa, senhor árbitro. Neste caso foram dois.

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Pouco a pouco o "meu" P. vai deixando de ser meu. Só me apetece vergastar-me e dizer-me "É bem feita! É bem feita!" Não o faço. Mais vale perder do que não tentar. Não tenho de me envergonhar do que fiz, erros e asneiras incluídos.

E muito nenos do que não fiz.

Passado, futuro

Estamos no Outono, faz frio, fecho-me nos cobertores e penso nos versos de Baudoin sobre a Primavera:

"Mais l'air du printemps est une chose souple et tendre;

Les pores s'ouvrent, l'air entre en nous 

et nous, nous répandons délicieusement en lui."

(A citação é de memória, a versificação também.)

Começou com a noite: os poros abrem-se à noite e ela entra em mim; mas não, não era isso. Continuei a procurar o que poderá ser, já que o ar da Primavera não é de certeza. Tentei o tempo. Qual tempo - o que foi? O que será? Há sem dúvida qualquer coisa que entra em mim e na qual eu me espalho,  em paz, uma paz tão perto da felicidade que quase se confundem. Quase.

É o presente, a parte do tempo que se esquiva, fugidia, escorregadia. Quando se aperta um balão que está mal cheio uma parte do ar vai para um lado, a outra para o outro e o que nos fica na mão é um bocadinho de borracha sem nada, um anel que nem anel é - o presente. Passado e futuro estão de cada lado desse vazio, o ar escapa-se de um para o outro e não se demora no meio.

Espalho-me deliciosamente no ar do presente: sou a parte do balão que separa o que foi do que será. 

16.11.24

Diário de Bordos - Genebra, Suíça, 15-11-2024

Genebra é uma cidade oblíqua. "É uma cidade pequena que tem as vantagens de uma grande e não tem as desvantagens de uma pequena", dizia o meu amigo J.-L. de P. É verdade. A oferta cultural é gigantesca mas posso fazer quase tudo sem usar os transportes públicos.  Ou seja: a pé, que ainda não tenho cá uma bicicleta. Os quais transportes públicos funcionam de tal maneira bem que me fazem acreditar na possibilidade de utopias: autocarros pontuais e frequentes, mudanças de linhas sincronizadas, veículos em bom estado - o que aliado à ausência de buracos nas ruas proporciona viagens confortáveis. A título de curiosidade: um dos pontos a votos no dia vinte e quatro é tirar ao governo do cantão a fixação de tarifas e dar aos TPG (Transports Publics Genevois) mais autonomia nessa área. A esquerda opõe-se, será preciso dizê-lo? Diz que os preços vão subir. A direita e os TPG contrapõem que sim, provavelmente, mas que serão criadas muito mais ofertas de preços reduzidos. A discussão é patética. Em PPP os bilhetes custam muito menos do que em Lisboa. E se na equação incluirmos a qualidade aquilo fica a milhas do serviço da Carris, do Metro e do resto. A perder de vista. De fazer-nos pensar que estamos noutro planeta.

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Ainda não estudei todos os "objectos" de voto (aspas porque cito) mas passo quotidianamente pelas fileiras de cartazes pró e contra os diversos temas e a minha convicção de que isto é o melhor sistema político do mundo sai reforçada a cada passo. 

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Isto dito: as utopias positivas existem, mas eu estou impaciente de voltar para a minha distopia nacional. E ainda há quem pense que o homem é um animal racional. (Homem devia levar caixa alta.)

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Esplêndido jantar: goulasch e costeleta de vaca com molho de pimenta maison. Desta vez não juntei natas ao goulash e ficou muito melhor. A excelência das carnes ajudou, claro. É carne que a S. traz da montanha, de pequenos produtores locais e é indescritível de boa. Melhor sô a que comia na saudosa hamburgueria do H. F. e do A. G.,  à rua de Sta. Catarina, no Porto. A maravilhónica "gestão" da "pandemia" deu cabo dela. Quem pegasse num bocado de carne de merda (ou só de merda) e a esfregasse nas fuças de certo políticos (e não só, mas isso é tema mais vasto) iria direitinho para o céu dos "activistas".

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Durante o jantar vi as minhas fotografias (os postais da caixa De Passagem) dissecadas, analisadas e elogiadas por um espírito crítico e conhecedor. Um bocadinho de graxa no ego também é ingrediente essencial de uma boa refeição entre amigos.

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Hoje é dia de caldo verde com a família, para fechar a maratona gastronómica.

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A minha relação com Genebra mantém-se como sempre foi: gosto tanto de cá chegar como de me ir embora.

14.11.24

Paciência, outros

Todos nós temos na sacola várias ferramentas para lidar com os outros. Quando precisamos de tirar a paciência é chato.

13.11.24

Diário de Bordos - Genebra, Suíça, 13-11-2024

Na Holanda vejo três coisas: as bicicletas, os barcos e a água. Passa toda a gente a pedalar, uns depressa outros não; velhos, jovens, meia-idade, quadros, estudantes, operários, velhinhas que um gajo se pergunta se conseguirão andar a pé quando desmontarem, bicicletas de carga com crianças, cães, hoje vi uma com outra burra no porta-bagagens. Uma meta-burra, por assim dizer. Fico com vontade de alugar uma e fundir-me naquela massa fluida, regular, ordenada pela mão invisível do bom-senso e da experiência. E os barcos. Amarrações a cada esquina, barcos de todo o tamanho e feitio, como as bicicletas, só que em vez de estarem nas ruas estão entre elas. E a água. Água em todo o lado.

É uma mistura que acompanha perfeitamente uma genebra, mesmo jonge. Velha não bebi nem uma.

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Genebra (a cidade, não a bebida):

Chego a casa e não faço nada do que devia fazer. Amanhã também é dia. Roma e Pavia, etc. Além de que a noite cheio de frio me espetou uma constipação de caixão à cova. A S. acendeu a lareira e venho para a sala enquanto elas conversam - a B. veio cá jantar, não sei se vem todas as quartas se uma por mês. É a melhor amiga da S., uma logopedista simpática. Trouxe "pimentos de Padrón" (eram de França), uma garrafa de espumante e salsichas com bacon. E kale, uma verdura igual às outras em pior. Ela e a S. conhecem-se e são amigas desde a universidade. Fazem regularmente férias juntas. O espumante vem da semana que acabam de passar em Tours. Eu fritei os pimentos, as salsichas e ajudei a acabar um vintage que a S. trouxe de uma dessas semanas no Douro, este Verão. Depois retirei-me, em busca de outros calores. Gosto desta liberdade. Elas não só não se importam mas ainda me agradecem e eu tenho os odores da lareira e dos amores nascentes, dois aquecimentos que vão bem um com o outro.

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Amanhã é dia de fondue de queijo, especialidade minha que se apoia em dois simples pilares: o queijo de chez Oberson e a ausência de maizena (ou fécula de batata, o ingrediente tradicional). Vem a G., que jura a pés juntos que esta é a melhor fondue do mundo. Tendo a concordar com ela, atropelando um pouco a minha inabalável e inquestionável humildade.

Verdade seja dita, o mérito é escasso.  Mas isso fica para depois. Deixemos a humildade atropelada na rua, coitada.

12.11.24

Diário de Bordos - Amsterdão, Holanda, 12-11-2024

Exceptuando a espera no aeroporto de Genebra e o sobressalto à chegada a Amsterdão a viagem foi fluida, sem interrupções nem surpresas. Cinco minutos a pé - autocarro -  avião - comboio - metro - dez minutos a pé e estou no hotel, que é porreiro. Isto de deixar os proprietários fazer as reservas é sempre agradável. Pelo menos quando não são chungas, claro.

Aterrei aterrado: mal tive rede chega um e-mail da companhia de seguros: precisam de mais papéis, "clarificações" e do raio que os parta. A raiva só se me acalmou no hotel. "Tu já sabias que ia ser assim, Luisinho, não sabias?"

Sabia, claro. As companhias de seguros não servem para nos pagar aquilo que nós pensamos que nos devem pagar em troca do dinheiro que lhes damos mensalmente. Acreditar nisso é ingenuidade ou estupidez. Servem para tentar não nos pagar a ponta de um chavelho. Fazê-las falhar nesse intento é obrigação nossa, não delas.

De maneira lá passei o jantar a trocar mensagens com o banco.

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Jantar esse que não foi mau. Escolhi o restaurante porque é na Herengracht, o nome do hotel aonde fiquei a primeira vez que fui a Cape Town depois da viagem no Príncipe Perfeito (ou seja: a primeira vez que lá fui com olhos de ver), hotel esse palco da minha primeira bebedeira com Alexanders, de que ainda hoje guardo gratas recordações. Além disso, o restaurante é também um local de provas ou parte de uma fábrica de genebra ou qualquer coisa no género e na minha cabeça os neurónios genebra e Pai estão ligados e é impossível separá-los. Ou seja: triângulo isósceles Pai - Genebra - Cidade do Cabo. Impossível evitá-lo.

O restaurante chama-se A. v. Wees. É metade um buraco para turistas e metade um lugar porreiro, tem uma extensa e excelente colecção de genebras e fica muito perto do Café Zwaart, aonde bebi a bica e a genebra finais, acompanhadas por uma terrível sensação de déjà vu.

Que não é totalmente falsa: já por cá andei várias vezes. Mas é aborrecida. A última vez que aqui estive fiquei de tal forma desiludido que nem um sítio bonito e tradicional me entusiasma?

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O centro de Amsterdão já tem a iluminação de natal. O calvinismo só se dá mal com o prazer. Com os negócios sempre se deu bem. (Em Amsterdão habituou-se ao hedonismo: é pragmático.)

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Sensação esquisita no metro: pela primeira vez ofereceram-me o lugar. Comecei por recusar mas depois lembrei-me do furioso que fico quando uma senhora a quem ofereço um lugar sentado recusa e aceitei. Era uma jovem, provavelmente magrebina, bonita e o gesto tornou-a ainda mais bonita a meus olhos. Ia com o namorado e levantaram-se os dois. Vinte anos, talvez. 

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O barco que vou ver amanhã é um Sharky. Nunca fui grande fã dos Amel, mas com a idade comecei a reconhecer-lhes qualidades. Há coisas que só a vida ensina a apreciar. A Suíça também é assim.

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Há pouco lembrei-me de uma conversa em St. Martin com o amigo do J. Disse ao cliente deste trabalho que ia apanhar o metro e ele respondeu-me:
- Vai de táxi, não percas tempo em metros (a inspecção é amanhã. Hoje não tenho nada que fazer. Vim de metro). 
O amigo do J.:
- Fartei-me de trabalhar para proprietários tesos, daqueles que discutem duas cervejas. Agora só trabalho para malta com dinheiro. 

Outra coisa que vem com a idade: a sageza. Ou o amor-próprio, ainda não sei distingui-los bem.

11.11.24

Diz-me, sonho

Diz-me era a única palavra que lhe chegava aos ouvidos, ritmada como o balde de uma nora. Diz-me. Diz-me. Mas ele não percebia se ela queria que lhe dissesse qualquer coisa ou se queria que ele a definisse. Diz-me o que sou, diz-me como sou, diz-me.

Olhava para o longo corpo dela na cama, destapado e nu, seios caídos cada um para seu lado, cabelos pretos espalhados pela almofada e ouvia-a:

- Diz-me.

Mas não conseguia mais do que imaginá-la.  Dizer-lhe ou dizê-la eram - também - um sonho. 

10.11.24

Diário de Bordos - Genebra, Suíça, 10-11-2024

À chegada a Genebra a temperatura é de sete graus. Felizmente S. chega exactamente quando passo a porta para a rua. Não tenho de esperar: saio do aeroporto e entro no carro. O frio não tem sequer tempo de me ver; muito menos de me fazer senti-lo. Durante a semana que aí tão pouco me fará sofrer. Tenho um aquecedor que resiste a qualquer baixa de temperatura. É da marca Família & Amizade.

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Os netos esticam-nos o tempo, como quando um banco adia por alguns anos o prazo de pagamento de um crédito.

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Há pouco saiu-me um pequeno trabalho na rifa: ir a Amsterdão ver um barco para um cliente. É só um dia de trabalho mas implica passar lá uma noite. Vou terça e volto quarta. Um dia transformar-se-á em transporte, dias de navegação e mais massa. Venham muitos.