O meu train-train quotidien é um roller-coaster. Fancy a ride?
29.9.04
28.9.04
Caloteiros
Ouve-se, e lê-se, frequentemente que "o Estado Português é o maior dos caloteiros". Eu não partilho inteiramente essa opinião: porque atrás do Estado estão pessoas, e são pessoas que tomam as decisões de pagar ou não pagar. Seria, a meu ver, mais correcto dizer-se que "no Estado Português trabalham muitos caloteiros, e o Estado não só os alberga como os cauciona".
24.9.04
Cuba e a vida
"Cuba resolveu três grandes problemas: a saúde, a educação e a desigualdade social. Agora só tem três pequenos problemas por resolver: o pequeno almoço, o almoço e o jantar".
O amor e o afecto
No post anterior digo que se faz, muita gente faz, frequentemente confusão entre o amor e o afecto. É verdade que é mais fácil dizer "amo-te" do que "afecto-te" - e se bem que por vezes essa admirável simetria exista realmente, muitas outras vezes "Amo-te" significa realmente "afecto-te?". E a resposta é, ou pode ser: "Não"...
Descoberta
Pouco a pouco ia descobrindo que uma vida sexual activa e satisfatória não o compensava do vazio afectivo no qual, lenta mas inexoravelmente, ele caía. Um aviso atempado de A. veio, felizmente, chamar-lhe a atenção para o falhanço das suas estratégias inconscientes de procura de amor. "Nada como procurá-lo aberta, activa, metodicamente" decidiu naquele dia nefasto. "Afinal as estratégias e os atalhos da sedução não te são estranhos. Basta adaptá-los às necessidades específicas do afecto, a que vulgarmente se chama amor. E a verdade é que estás perto, muito perto. Basta querer."
Mas querer não chega. Melhor que ninguém, ele sabia-o. E a sua vida era de novo um jogo de gato e rato entre o afecto e a distância. O afecto - a que ele, frequente e erradamente chamava amor - era uma vertigem, na qual a distância mergulhava, se afundava, vinha à superfície, ofegava, afogava-se; "sou um pêndulo, e como pêndulo que sou não sei, não posso, resolver num só estes dois pólos da minha vida". O aviso de A. veio-lhe de novo à memória: "Que sorte têm, as pessoas para quem a geografia dos afectos nada tem com os afectos da geografia", pensou.
Nesse dia comprou um bilhete de avião para Toulouse; o abismo refez-se, a vertigem, a vertigem continuou - mas o deserto floriu. O aviso de A. tinha sido uma benção. Descobrira, - redescobrira (mas por quanto tempo?) - que a memória de um olhar vale o olhar da memória, e que o mesmo se pode dizer do afecto, da distância, de uma pele, um ventre, uma carícia, uma voz, uma canção.
Mas querer não chega. Melhor que ninguém, ele sabia-o. E a sua vida era de novo um jogo de gato e rato entre o afecto e a distância. O afecto - a que ele, frequente e erradamente chamava amor - era uma vertigem, na qual a distância mergulhava, se afundava, vinha à superfície, ofegava, afogava-se; "sou um pêndulo, e como pêndulo que sou não sei, não posso, resolver num só estes dois pólos da minha vida". O aviso de A. veio-lhe de novo à memória: "Que sorte têm, as pessoas para quem a geografia dos afectos nada tem com os afectos da geografia", pensou.
Nesse dia comprou um bilhete de avião para Toulouse; o abismo refez-se, a vertigem, a vertigem continuou - mas o deserto floriu. O aviso de A. tinha sido uma benção. Descobrira, - redescobrira (mas por quanto tempo?) - que a memória de um olhar vale o olhar da memória, e que o mesmo se pode dizer do afecto, da distância, de uma pele, um ventre, uma carícia, uma voz, uma canção.
23.9.04
Grandes verdades
"Amor à primeira vista existe cientificamente", destaca o jornal gratuito Destak. "O amor à primeira vista, de que as pessoas mais românticas costumam falar e no qual acreditam, foi comprovado cientificamente por especialistas da universidade de Ohio (Estados Unidos). O estudo explica que as pessoas decidem qual o tipo de relação que querem após breves instantes de se encontrarem com outra pessoa...". Grande verdade: cada vez que me encontro com uma jovem senhora feita como a Jennifer Lopez decido instantaneamente qual o tipo de relação que quero ter com ela. E continua: "... O co-autor do estudo, Artemio Ramirez, explicou que os resultados sugerem que as pessoas não querem perder tempo...". Outra grande verdade! Jennifer, leste o artigo?
"On n'oublie rien...
...on s'habitue, c'est tout", diz uma canção francesa (ou deveria dizer belga?) muito bonita, de resto. Se fosse portuguesa, diria "on n'exige rien, on s'habitue à tout".
22.9.04
O amor e a história
Será que há amor sem história? Para ser, precisa o amor de um passado? E de um futuro? "Uma história de amor" é uma redundância?
Dias
Há dias assim: começam com uma boa notícia; e a esta outras se vão juntando, como afluentes a um rio que percorre, até à foz, um tempo alegre, leve, gostoso. E a foz desse rio, deste dia, és tu, serás tu. És para onde as horas fluem, as águas correm.
20.9.04
O que poderia ter sido...
... importa pouco; o que será também: de ambos nada sabemos, nada podemos.
Nuno Júdice, "O Estado dos Campos"- só mais um...
"Em Frente do Mar"
"Pergunto a mim próprio em que noite nos perdemos?,
que desencontro nos levou de um a outro lado das
nossas vidas? e que caminhos evitámos para que os nossos
passos se não voltassem a cruzar? Mas as perguntas que
te faço, hoje, já não têm resposta. Sento-me contigo,
nesta mesa da memória, e partilho o prato da solidão. Tu,
na cadeira vazia onde te imagino, sacodes o cabelo com
um aceno de ironia. E dou-te razão: as coisas podiam
ter sido de outro modo. Não te disse as palavras que
esperaste; e havia o mar, com as suas ondas, nessa tarde
em que me puxaste para longe da cidade, como se
a noite não nos obrigasse a voltar, quando o horizonte
se apagou à nossa frente. Depois disso, nenhuma
pergunta tem resposta. O que é absurdo há-de continuar
absurdo, como o horizonte não se voltou a abrir,
trazendo de volta os teus olhos que me pediam que
os olhasse, até que a noite me impedisse de o fazer."
"Pergunto a mim próprio em que noite nos perdemos?,
que desencontro nos levou de um a outro lado das
nossas vidas? e que caminhos evitámos para que os nossos
passos se não voltassem a cruzar? Mas as perguntas que
te faço, hoje, já não têm resposta. Sento-me contigo,
nesta mesa da memória, e partilho o prato da solidão. Tu,
na cadeira vazia onde te imagino, sacodes o cabelo com
um aceno de ironia. E dou-te razão: as coisas podiam
ter sido de outro modo. Não te disse as palavras que
esperaste; e havia o mar, com as suas ondas, nessa tarde
em que me puxaste para longe da cidade, como se
a noite não nos obrigasse a voltar, quando o horizonte
se apagou à nossa frente. Depois disso, nenhuma
pergunta tem resposta. O que é absurdo há-de continuar
absurdo, como o horizonte não se voltou a abrir,
trazendo de volta os teus olhos que me pediam que
os olhasse, até que a noite me impedisse de o fazer."
Nuno Júdice, outra vez - "O Estado dos Campos"
"Migrações" (fragmento)
"Um dia pensarei que passei por ti como passam os pássaros
por este campo que há-de tornar-se seco, no inverno; e que a
primavera que vivemos não há-de voltar, ao contrário dessa
que todos os anossucede ao inverno, trazendo consigo esses
pássaros de que me lembro ao pensar que estou sem ti, agora
que todas as viagens chegaram ao fim, e uma pausa se prolonga
até se tornar definitiva. ... "
"Um dia pensarei que passei por ti como passam os pássaros
por este campo que há-de tornar-se seco, no inverno; e que a
primavera que vivemos não há-de voltar, ao contrário dessa
que todos os anossucede ao inverno, trazendo consigo esses
pássaros de que me lembro ao pensar que estou sem ti, agora
que todas as viagens chegaram ao fim, e uma pausa se prolonga
até se tornar definitiva. ... "
Nuno Júdice
"A noite ajuda-me, enquanto te espero. Quando virá a
próxima madrugada? A luz ainda pálida, o céu de astros
pisados, um cansaço de corpos na erupção do sol?
"Cena de Campo" (fragmento) in O Estado dos Campos, Dom Quixote, Lisboa 2003
próxima madrugada? A luz ainda pálida, o céu de astros
pisados, um cansaço de corpos na erupção do sol?
"Cena de Campo" (fragmento) in O Estado dos Campos, Dom Quixote, Lisboa 2003
Convite
Naquela noite convidou o vento para sair, para ir beber um copo, para "quebrar a solidão", na bonita expressão de um país da Àfrica Central. Mas o vento disse-lhe que não: tinha uns barcos à vela para fazer andar, umas vagas para levar ao outro lado do mundo, uns segredos para dizer.
Voltou para casa cabisbaixo. "O passado nunca mais acaba", pensou. "Para quando o futuro - ou o hoje, quanto mais não seja? Estou farto deste ontem que nunca mais deixa de o ser".
Voltou para casa cabisbaixo. "O passado nunca mais acaba", pensou. "Para quando o futuro - ou o hoje, quanto mais não seja? Estou farto deste ontem que nunca mais deixa de o ser".
Le Clézio, Le Livre des Fuites - fin
« L’horreur n’est pas inimaginable, elle n’as pas les faces des monstres ou les ailes de chauve-souris des démons. Elle est calme et tranquille, elle dure longtemps, des jours et des nuits, des mois, des années peut-être. Elle n’est pas mortelle. Elle frappe aux yeux, aux yeux seulement. »
« Dans le village où régnait l’abominable paix, Jeune Homme Hogan attendit l’autobus.
Les vraies vies n’ont pas de fin. Les vrais livres n’ont pas de fin ».
« Dans le village où régnait l’abominable paix, Jeune Homme Hogan attendit l’autobus.
Les vraies vies n’ont pas de fin. Les vrais livres n’ont pas de fin ».
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