SE PERMITIR
Sentei-me no banco ao lado da calçada e
coloquei-me a olhar o céu, o jardim, o pássaro na gaiola e os cães ao meu redor
querendo atenção.
Vários pensamentos iam e vinham em minha mente, não me ative a
nenhum com importância, queria apenas espairecer sem pensar em nada.
Fechei meus olhos por um instante e fiquei apenas ouvindo os
barulhos a minha volta, pude ver que em algum lugar atras dos muros da minha
casa havia o barulho de mato queimando, ouvi minhas vizinhas conversando, os
cachorros latindo e também os pássaros piando, ja estava na hora deles se
recolherem para seus ninhos nas árvores ao redor.
Abri meus olhos e novamente olhei o céu, estava limpo sem nuvens
típico céu de inverno, o sol ja estava baixando e uma brisa leve quase fria
soprava sobre meu corpo. Ainda estava de pijama e envolta num chale de lã, hoje
ao acordar não quis ou não tive vontade de trocar de roupa, falei comigo mesma
que passaria o dia de pijama e assim estou.
Nunca fiz isso nem mesmo quando estava doente, sempre estava
arrumada esperando as visitas chegarem, mas hoje eu acordei assim meio sei lá!
Resolvi me permitir um pouco de ficar um tanto ¨largada¨ja que não
vou a lugar algum e nem tampouco receber alguém em casa, meu marido estranhou
quando chegou para o almoço e perguntou o que aconteceu, nada apenas resolvi
não me arrumar hoje e ficar de pijama, respondi, por que algum mal nisso?
Perguntei, não posso de vez enquando me desleixar um pouco? Ele nada respondeu,
mas percebeu que havia algo errado mas preferiu se calar.
Estou sozinha em casa, minha filha casou-se e se foi morar com o
marido, meu filho esta viajando de férias na faculdade e folga do trabalho, meu
marido só veio almoçar e saiu, então já que não tenho nada para fazer no dia de
hoje resolvi relaxar em todos os sentidos!
Devíamos fazer isso uma vez por outra é tão bom não ter nada em
mente, nada para fazer e nada com que se preocupar, nada... apenas contemplar o
dia, a tarde e a noite.
É um tanto estranho pois não sou acostumada a ficar assim parada,
sou muito agitada, ansiosa, detalhista e critica, gosto de ver tudo em ordem e
de também estar sempre arrumada como se fosse sair, um batom nos lábios e
cabelos penteados, hoje estou mesmo largada, nem me olhei direito no espelho
para não cair na tentação de me arrumar, apenas tomei banho e coloquei o pijama
novamente e fui fazer meus afazeres domésticos, o almoço e mais nada, agora
estou aqui sentada escrevendo o que foi esse dia.
É estranho essa sensação de não produzir nada, não ser útil, não
fazer muita coisa que se esta acostumada a fazer no seu dia-a-dia, não sair,
não vê gente diferente, não conversar com ninguém, não sei se me daria bem com
a solidão, creio que não! É bom ficar as vezes isolada, em silencio, meditando,
fazendo planos, sonhando, sei la! Mas melhor ainda é estar ativa, conversando
com alguém e fazendo algo de que se orgulhe, de que goste, trabalhando,
arrumando, se informando das coisas, aprendendo algo novo nem que seja pela
internet.
É muito bom interagir com tudo a nossa volta, mas também é bom
poder sentar-se num banco e fechar os olhos para apenas sentir as vibrações de
tudo que nos rodeia , colocar os nossos sentidos a prova, observar as coisas ao
redor, respirar e sentir que se esta viva, viva e poder se dar ao luxo de não
fazer nada de nada por escolha e não por privações impostas por outros motivos.
Estou mais leve, tranquila, relaxada por que pude sentir-me assim
viva e agradecida por apenas me permitir, me sentir, voltar para dentro de mim
mesma e refletir, como se estivesse novamente dentro do ventre de minha mãe,
apenas ouvindo os ruídos do mundo aqui fora.
Será isso depressão? Não sei acho que estou apenas sentindo-me só,
a casa vazia sem o barulho dos filhos, aquele agito todo, as discussões que
sempre surgem, o sobe e desce nas escadas, a televisão e o som alto, as batidas
de portas, horário para fazer comida, o lanche enfim, aquela loucura que é
qualquer casa com mais de uma pessoa!
Bem que dizem que começamos a vida familiar em dois e terminamos
do mesmo jeito, os filhos crescem e vão cada qual seguir um caminho, fazer seu
próprio trajeto, seguir seu destino e escrever suas próprias histórias.
E a nós pais cabe-nos apenas acostumar-nos com o silêncio e o
vazio que a presença deles deixam pela casa toda, por isso fiquei ali sentada
com o olhar perdido onde a saudade e as lembranças de tantos momentos juntos
ainda existem. Preciso mesmo é acabar logo com esse marasmo, preciso lembrar
que eu existo e faço parte dessa vida que esta mudando!
É... é assim o ciclo da vida se renovando, a roda da vida girando,
novas histórias começando e outras sendo reescritas, é a vida na sua arte pura
e crua de se fazer presente e de se fazer sentir! Que bom que faço parte disso
tudo, desse movimento todo, dessa roda viva que gira ao meu redor! Que
maravilha estar sempre aprendendo, de estar percebendo que as mudanças são
necessárias mesmo que nós por vezes nos sintamos perdidos, sozinhos, mas tudo
isso faz parte da vida do nosso amadurecimento e por que não dizer do nosso
desenvolvimento espiritual, ja que eu acredito num Ser maior que tudo pode
realizar, meu DEUS, centro da minha vida e dono da minha existencia e a quem
sou agradecida por permitir ainda me permitir!
Luci Borges.