É com muito prazer nesta data para mim especial que publico aqui este presente agora recebido do meu amigo, já conhecido dos leitores deste espaço, João Mateus, a quem muito agradeço a deferência. No final coloco uma NOTA.
Senhor de incontestável autoridade na matéria e dotado de particular capacidade de observação, aliadas a uma independência crítica acima de qualquer suspeita, debruça-se o Prof. Adriano Moreira na sua tribuna semanal no Diário de Notícias, no artigo publicado no dia 6 com o título de “A idade da desconfiança”, sobre o que, nas últimas palavras do mesmo, define como a urgência de “reforçar a esperança”, esperança que será, diga-se desde já, a que urge depositar na capacidade das instituições democráticas para levarem o mundo globalizado que é o nosso à superação das sucessivas crises que o estão a conduzir a um ponto de difícil reversão, sobretudo se a desconfiança vier a “dominar o panorama”.
Tocando, com mestria, razões e sinais da crise global na medida em que esta tende, dramaticamente, a ser de desconfiança, de falta de fé, alude à abusiva e apressada conclusão de que “a queda do Muro de Berlim, em 1989, anunciava o fim da história”, com a vitória final da democracia, livre de mais opositores, vitória que eu diria talvez mais do neo-liberalismo, refere a falta que se vem notando, ao nível dos Estados, de dirigentes credíveis, facto que vem a acarretar a perda de confiança do eleitorado, ao qual se vai impondo a conclusão de que qualquer escolha que faça será um mero desperdício de energia, e constata o afastamento da política, seja qual for a cor partidária, das suas melhores cabeças, problemas estes que do alto da minha insignificância já me permiti referir com todas as letras e ora vejo superiormente confirmados, mas a tudo isto acrescenta ainda uma outra ordem de factores.
Será o caso da sensação, que se vai generalizando, de que o Estado se tornou ineficaz para o enfrentar de qualquer crise dado “se terem autonomizado poderes de abrangência transnacional, sem regulação, como acontece com o sistema financeiro”, poderes que o ultrapassam e lhe acarretam “incapacidade de prever”e “duvidosa capacidade de reagir por implicação de interesses públicos e privados nos efeitos colaterais”.
Daí a legitimidade da dúvida de que a escolha que ao eleitorado se pede venha, para os escolhidos, em qualquer país, a significar uma “autoridade confiável” de que se encontram desprovidos, ultrapassados que também estão pela “emergência de centros políticos transnacionais”, estes também limitados pelos já referidos poderes não regulados, de que o exemplo acabado é o sistema financeiro globalizado, soberano, direi, no que respeita aos bancos centrais como bem demonstra o caso do BCE a manter os juros em alta até aos limites do imaginável, sem que o poder político pudesse de qualquer forma intervir, e sem vigilância quanto aos demais, agindo estes, como se tem estado a ver, em autêntica roda livre, fora do controle do poder democrático, único legitimado pelo voto popular, mas que o financeiro tem de há muito procurado manter confinado às catacumbas como Cristãos nos tempos de Nero.
Descrê o Prof. Adriano Moreira de que a abstenção nas urnas, que dia a dia se acentua, signifique indiferença dada a proliferação de “movimentos cívicos atípicos”, tendencialmente transnacionalizados, é certo, mas que acabam a encontrar-se com a “desgovernança internacional”. Tal não impede que mantenha a fé na capacidade de reacção dos cidadãos pelo que, didacticamente, conclui pela necessidade de se fomentar uma esperança, mesmo difusa e insegura, de se “ser capaz de reorganizar os mecanismos da vida civil e política, de fazer renascer a responsabilidade pelo futuro, de evitar o alargamento da sociedade da desconfiança…”
Simplesmente, e isso não o diz já o Prof. Adriano Moreira, nem por certo o quis dizer, ficando a meia palavra para o bom entendedor, a reacção em que deposita as suas esperanças terá necessariamente de, em boa medida, se assemelhar a uma enxurrada que limpe por completo o ambiente, provada que está a mais que evidente incapacidade do sistema para se auto-regenerar, centrado como se mostra tão somente na defesa dos interesses imediatos das máquinas partidárias.
E, para não me prolongar para além do aceitável, permita-se-me apenas que cite o caso bem recente do badalado Estatuto dos Açores com o qual, mais que diminuir os poderes do Chefe do Estado a quem, aliás sem qualquer motivo válido, e quando tanto se fala do modelo Simplex, se foi criar sim mais uma obrigação burocrática de, no caso de dissolução da Assembleia Regional, ouvir novas entidades, cujos pareceres não são vinculativos nada adiantando ao processo, gerando-se uma guerrinha que, entretanto, conseguia o feito único de tapar o sol com uma peneira, já que muito mais grave será certamente para o prestígio do Parlamento e para o princípio básico da defesa da integridade nacional a renúncia sem apelo nem agravo daquele Órgão de Soberania ao direito de, futuramente, poder alterar tal Estatuto sem que isso seja proposto pela Assembleia Regional.
Sendo esse direito do Parlamento, na sua essência, um direito potestativo, que se pode exercer ou deixar de exercer, mas que é de sua natureza irrenunciável e que tem como característica matricial o produzir efeitos na esfera jurídica do destinatário independentemente da vontade deste e sem que estivesse previamente sujeito a qualquer obrigação específica que pudesse não ter cumprido, essa renúncia é, no mínimo, incompreensível mas sem remédio a menos que nos valha o Tribunal Constitucional.
Se isso não acontecer, a unidade nacional está quebrada, o Parlamento que é suposto representar o País não pode legislar para o que é uma parcela do seu território, parcela que me é muito querida mas que assim se subtraiu ao controle dos órgãos democráticos do todo nacional.
Isto sim é grave, é gravíssimo, representa uma actuação em tudo exorbitante do mandato popular que pura e simplesmente se pulverizou. Se, depois disto, não é caso para a desconfiança dominar o panorama, não sei o que mais será necessário. Certo só se me afigura que o sistema terá de ser refeito de uma ponta à outra e que quanto mais tarde isso acontecer pior será.
Mas como enquanto há vida há esperança e, ao longo de mais de oito séculos, muitas crises o nosso Povo foi capaz de ultrapassar, esperemos que uma vez mais se mostre apto a reorganizar os mecanismos da vida civil e política, a fazer renascer a responsabilidade pelo futuro e a evitar o alargamento da sociedade de desconfiança…
Que a história seja afinal, como alguns insistem, tão somente uma velha senhora que se repete sem cessar…
João Mateus
NOTA: Tenho aqui referido várias vezes um pensamento lido algures segundo o qual as atitudes de pessoas e estados se situa entre duas baias, o amor e o medo. Quando o efeito do medo predomina, a desconfiança tolhe a iniciativa e gera apetência para a agressividade (caso do actual conflito no Médio Oriente e da reacção das pessoas em relação à banca e aos políticos em geral). Quando é o amor que predomina, as pessoas vivem menos estressadas, mais capazes de tomar decisões ponderadas e eficientes para as suas pequenas dificuldades que vão resolvendo.
O autoritarismo, a arrogância, os tiques ditatoriais, dão péssimos resultados que só uma reacção forte e bem determinada por parte dos cidadãos podem ser anulados e corrigidos. Da Grécia está a vir um exemplo, mas um mau exemplo porque o desagrado dos populares está a ser orientado erradamente contra os sacrificados e não contra os causadores do desagrado.
No caso nacional, torna-se necessário fazer vencer o espírito democrático através de uma convergência de esforços em benefício dos mais altos interesses nacionais, como alvitrei no post Reforma do regime é necessária e urgente
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