RIO - A decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de criar normas rígidas para a produção e o uso de plantas medicinais teve boa repercussão, mostra a reportagem de Antônio Marinho, publicada na edição deste domingo do GLOBO. Apesar de seguras na maioria dos casos, elas podem causar danos graves à saúde, quando usadas em folha, casca, raiz ou flor, de forma errada. Para especialistas, quanto mais cuidado melhor. Estudos já mostraram que a qualidade das plantas medicinais no Brasil - principalmente na forma de chás e no comércio menos formal - é ruim.
Veja a fotogaleria com algumas plantas medicinais e suas indicações
Diferentemente dos fitoterápicos - medicamentos obtidos de plantas e fabricados em cápsulas, xaropes e comprimidos - só agora as chamadas drogas vegetais ganharam resolução própria, o que deve aumentar a segurança dos consumidores, segundo especialistas.
E mesmo sendo dirigida à indústria, a resolução, publicada na última quinta-feira, traz informações essenciais para as pessoas que consomem plantas medicinais. O anexo no site da Anvisa lista as 65 espécies mais usadas no país (a maioria brasileira). São dados de nomenclatura, posologia e modo de usar, contra-indicações, efeitos adversos, etc.
Segundo Ana Cecília Bezerra Carvalho, coordenadora de fitoterápicos da Anvisa, as recomendações sobre as plantas medicinais foram feitas após as análises de estudos e revisões bibliográficas com participação de pesquisadores em universidades e ainda por consulta popular.
Para selecionar as plantas, foram levados em conta a citação de eficácia das espécies em livros e publicações científicas (pelo menos três), inclusive de prefeituras e institutos (como a Fundação Oswaldo Cruz), que mantêm hortas comunitárias e farmácias vivas. E ainda material da biblioteca da própria Anvisa. Nenhuma das plantas relacionadas foi testada em laboratório.
Crianças só podem tomar a partir dos 3 anosUma preocupação da Anvisa é a posologia. A agência explica, por exemplo, como a droga vegetal deve ser consumida, se criança pode tomar. É preciso ficar atento porque as plantas só devem ser usadas a partir de 3 anos. Inexistem estudos em crianças abaixo desta faixa etária.
- O grupo de 3 anos a 7 anos só pode usar 25% da dose de um adulto. A faixa de 7 anos a 12 anos pode tomar a metade da dose indicada aos adultos; o mesmo vale para idosos acima de 75 anos. Muitos consumidores desconhecem isso e abusam. Há mães que oferecem uma mamadeira inteira de chás - diz Cecília.
A Anvisa chama a atenção ainda para as plantas com histórico de complicações, quando mal usadas, como a quebra-pedra. E reforça que as espécies citadas servem apenas de auxílio contra males sem gravidade.
" Grande parte das plantas medicinais de uso corrente e que está nessa nova lista da Anvisa tem um nível de segurança muito bom. A toxicidade é baixa, inferior a de medicamentos de venda livre como analgésicos em geral. "
O médico Alex Botsaris, diretor do Instituto Brasileiro de Plantas Medicinais (IBPM) e da equipe do Programa Estadual de Plantas Medicinais (SES/RJ), aprova a resolução. Ele cita um estudo da década de 90, feito pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz), mostrando que, de cada dez amostras de chás e plantas medicinais no comércio, sete apresentavam algum problema sério de qualidade. Os principais foram: fezes de animais, ovos de vermes, pedaços de insetos, contaminação por bactérias e fungos e troca da espécie vegetal (o que era vendido não correspondia ao rótulo).
Num outro estudo com espinheira-santa (Maytenus ilicifolia), mais de 65% das amostras coletadas no comércio eram de outra espécie. A maioria era Sorocea bomplandi, planta com toxicidade significativa que pode causar hepatite.
- Grande parte das plantas medicinais de uso corrente e que está nessa nova lista da Anvisa tem um nível de segurança muito bom. A toxicidade é baixa, inferior a de medicamentos de venda livre como analgésicos em geral. Entretanto, se não houver ética, técnica adequada e cuidados no preparo, os riscos aparecem - alerta Botsaris.
Por exemplo, o guaco (Mikania glomerata) é excelente para bronquite e seria seguro até em bebês, segundo Botsaris. Porém, se a pessoa deixa o guaco se contaminar com fungos, eles causam reação na molécula cumarina, formando dicumarol, um potente anticoagulante. E há casos de crianças que tomaram produtos de guaco feitos com a erva contaminada e tiveram sangramento espontâneo pelo nariz e por vias digestivas.
- Esse problema ainda ocorre. Com a nova resolução da Anvisa, é possível que comece a acabar - afirma. - É um primeiro passo para buscarmos produtos com maior qualidade e segurança.
Risco é baixo, mas podem ocorrer sérios danosBotsaris afirma ainda que as pessoas pensam que planta medicinal não faz mal. Isso ocorre porque na maioria dos casos elas têm segurança boa, ou seja, a quantidade tóxica é muito superior à dose terapêutica. Para ilustrar, a dose tóxica da carqueja é cerca de 40 vezes superior à terapêutica, e mesmo assim ela vai causar apenas náuseas, vômitos e diarreia. E se o mesmo acontecer com fármaco convencional, isso provavelmente será fatal.
Mas nem sempre as plantas medicinais possuem esse nível de segurança, alerta o médico. O confrei (Simphytum officinale) - muito conhecido - contém alcalóides tóxicos. É aplicada como cicatrizante, e um dia alguém inventou que ela também cicatrizava as artérias, prevenindo assim doença cardíaca. O uso indiscriminado para proteger o coração provocou vários casos de doença no fígado:
- Até o Ministério da Saúde proibiu o uso interno de confrei, mas até hoje há pessoas que a utilizam dessa forma - Outro problema é que os médicos possuem um nível baixo de informação sobre os fitoterápicos e não estudam as plantas medicinais na faculdade, como devia ser.