Sem mais e sem menos–Adão, me socorre aqui, aiiiii! Ai! Aiiiiii! Acorda! Aiiieeii! Uuuufff! Acordaaaaa! –Que está havendo Eva, algum bicho te mordeu? –Está tudo escuro, não vejo nada. Acende a luz! –Que luz? –A da fogueira, ué, aiiiii! Andaaaa! –Minha nossa, espera aí que vou colocar mais lenha. –Agora sim, com o fogo aumentado me sinto mais tranquila, aaaaaaaaaaaaaiiii! Dá uma olhada nas minhas coxas, nas minhas partes, eu acho que vai sair... –Sair o quê, outra vez, Eva? –Adão, seu atolado, esqueceu que tem um cainzinho que está para ser cuspido... vem para cá, fica comigo, me dá as mãos, me segura. Não! Me levanta aqui, tenho que ficar agachada, de cócoras! A cuspida vai ser mais fácil, eu sinto que está descendo mais rápido que o Caim, e ainda assim dói, dói menos, parece, respiro melhor, porque prá baixo todo santo ajuda. –Que santo é este que não sei, não estou vendo ninguém aqui, não conheço, você fala cada uma. –Maneira de dizer, isto é, ainda vai ser inventada, mas eu já começo a usar, aaiiiiiiiiii, uiiiii! –Você tem pegar o cainzinho. –Eu? –É! Não! Peraí, bota a mão não, deixa que ele vai saindo lentamente, vai encostar a cabeça na palha! Preciso que vc me segure, me dê apoio, porque se eu cair de costas vai ser uma barra, ele vai ser espirrado muito rápido e se cair de frente eu amasso ele. –Tá! Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, oh vida, oh céus, viu, estou falando meio estranho igual a você –Vai se acostumando Adão que tempos duros virão pela frente, aaiiiiiiii! Uiiiiii! Tá descendo, Adão, está saindo. Virgem, não dá nem para olhar, este barrigão tapa tudo. Pronto! Escapuliu todo, que alívio! Agora me solta e me ajuda a sentar devagar que aquela coisa que saiu depois no outro parto vai sair também agora. Estou sentindo as contrações, viu, não falei? Da outra vez pensei que fosse uma bolota, mas agora dá para ver que é redonda e chata. –Temos que dar um nome a isto, porque pelo visto vai ter um filhote atrás do outro. –É verdade, Adão! Pensando bem, por parecer um bolo chato que em grego é, placous, vamos adiantar a modernidade e chegar ao hoje, aqui e agora. Chegamos ao nome placenta e pronto! Placenta! Tenho que cortar este cordão que liga ao cainzinho, vou meter os dentes e fazer como da outra vez. –Não tem um jeito mais avançado, mais moderno de fazer isso, Eva? –Tem... morde você! –Tá louca? Onde já se viu uma coisa destas? Morder coisa de mulher, isto é uma nojeira, morro, mas não boto minha boca nisto aí. –Tá bem, deixa isto comigo! Pronto, não sou uma coitadinha da silva! E tem mais, vi muitas fêmeas de animais, incluindo macacas, comendo estas placentas, acho que é porque são muito nutritivas e dá forças para a mãe nutrir o filhote e não vou ficar atrás, vou comer esta placenta. –Faça isto não Eva! –Me dá isto... dá aí! Não! Espera um pouco, antes deixa eu lamber este menino, ele tem que ficar limpinho se não vai se encher de formigas. –Cruzes, Eva! Está demais para o meu estômago. Dá licença que vou vomitar ali! “–Bicho fraco este tal de bicho homem! Fazer o quê? Acho que por sido feito de barro há uma certa fragilidade nele para com estas coisas corporais, e eu por ter vindo do corpo dele, de seu osso e músculos, sem passar pela fragilidade do barro, estou mais calejada. Ele passou muito tempo a dormir e comer frutas, ter sombra e água fresca; disto tive pouco, fomos logo expulsos do paraíso; fui logo para o batente e acabo sendo mais forte, afinal sou fruto de uma cirurgia para ninguém botar defeito, sou bela, melhor acabada, refinada que ele e ainda capaz de enfrentar estes entraves. Mãos à obra que a placenta deve estar quentinha ainda! –Crau! Arghhhhhhhhh, que coisa ruim! Acho que fui feita para cortar o cordão umbilical e só, e olhe lá, enquanto está tudo no frigir dos ovos, ainda quente. Esfriada ficou com um gosto nauseabundo, começa a virar carniça, isto é ofício só para as macacas e outros que cachorros e hienas comam o que saiu de você. Afinal não vamos alimentar estes bichos com carnes do seu corpo não é verdade? –Concordo meu Adão querido e idolatrado. Começamos assim o costume de enterrar nossos mortos. –Tudo muito bem, Eva! Enterrei um seu pedaço ou o pedaço dele, saber de quem fica para depois e agora pergunto, vínhamos falando estas luas todas que ia nascer um cainzinho. Era cainzinho prá lá e prá cá. Mas este vai ter que ter um nome diferente para quando ele estiver falando e entendendo as coisas, e quando um nós chamar por Caim não termos os dois respondendo ao mesmo tempo. –Adão, não sei se você vai compreender, mas a mulher será dotada de intuição, que é uma sutil capacidade de adivinhar certas coisas; como primeira mulher já sou assim, algo me diz que este menino terá vida curta, será vítima de alguma maldade, não sei de quem. A palavra abel significa vapor ou fôlego, duas coisas de tempo curto de vida, de pouca duração. Mesmo assim, e como todos nós entraremos para a história, que seu nome seja Abel. –Assim seja Evita!
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