sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

VIVÊNCIAS



Aquele fim de tarde pardacento, foi acordado pelo troar das rodas de madeira do carro puxado por uma junta de bois, comandado pelo Sr. Bernardino, figura pitoresca proprietário de um longo e farfalhudo bigode, patilhas alongadas, de cigarro ao canto da boca, vestia uma samarra, a cabeça fazia-se proteger, por um chapéu de palha, de largas abas.

Parecia pregar o empedrado irregular, do caminho tosco e íngreme, onde morava a Zulmirinha leiteira.

Era como se marcasse a cadência de uma vida, retalhada nas mãos cristalizadas pelas agruras, de um destino, entregue as sortes dos deuses.

Ela, havia chegado da ordenha das vacas, para de seguida, dar corpo à tarefa de encher de leite, os canados de diferentes medidas das freguesas, que de véspera sempre lhe deixavam, era um ritual já costumeiro.

Devidamente alinhados e identificados, com marcas de cunho pessoal na pega, para fácil identificação, já que o analfabetismo, era praga dos tempos.

Em contrapasso, ouvia-se o troar do sino, que o vento, se encarregava de replicar, aos quatro cantos da aldeia a sua voz, convidando para a reza do terço.

 

Zulmirinha!

Está na hora do senhor!

 

Vamos.

Ó João, pensa os animais e tens o caldo com um naco de carne na panela, para comeres tu e o rapaz!

O pão, está no forno, ainda está quente cozi de tarde.

Ouviste!

 

Não sou surdo.

 

De aventais, e xailes desfraldados ao vento, lá iam as mulheres, de rostos encarquilhados pelas marcas da total entrega e dedicação ao amor do seio familiar.

Dos seus olhos, brotava um misto de amargura e docilidade.

Estas guerreiras, chamavam a si a árdua responsabilidade, da lida caseira, amanho da terra, tratar dos animais e ainda, tinham de inventar tempo para serem Mães, Avós e esposas.

Agora lá iam, levando nas mãos devotas o terço, fazendo preces e orações de proteção as suas famílias, e pedir abundância nas colheitas.

Os animais lá seguiam a sua marcha indiferentes aos olhares, por vezes reprobatórios, pelo cheiro nauseabundo, proveniente da bosta que deixavam para traz.

Limitavam-se a obedecer as ordens déspotas do seu dono.

 

Hei!

Anda boi!

Ou!

Quieto!

 

Arfavam em sinal de cansaço, do dia de trabalho que carregavam, regando a terra com o seu suor.

Pareciam fazerem a guarda de honra, ao serpentearem o velho casario da aldeia.

A canga, que transportavam ao pescoço, para se manterem emparelhados, era um colar de esforço, fruto de mais um dia de jorna.

Atribuíam-lhe outra função, era talhar uma maleita de nome trasorelho, que provocava um inchaço anormal do pescoço, com essa mesma canga.

Que o diga o neto da glória costureira o Augusto, que padeceu de tal enfermidade.

Os velhos de rostos encortiçados, pela mão do tempo implacável, não se faziam rogados a saudação, que familiariza aquela gente rude mas vestida de pureza e verdade.

 

Boa tarde Ti Bernardino!

 

Boa tarde!

 

Vai a janta?

 

Tem de ser!
A barriga toca a perna!

 

São os inequívocos trejeitos dos quais não abdicam.

Hospitalidade, solidariedade e palavra.

Tudo se resume à honra, virtude intocável por estas paragens.

Bebem na fonte dos dias a coragem e a determinação, de uma vida dura, fertilizada por suor e lágrimas, muitas vezes, lavradas pelo desespero.

Carregavam aos ombros, histórias e tradições feitas heranças do tempo, transformados em autênticos monumentos vivos.

São orgulhosas enciclopédias de sabedoria, pela experiência colhida ao longo dos anos, lecionados na universidade da vida, onde o mestre é o tempo.

 

 

DIOGO_MAR

sábado, 21 de fevereiro de 2015

GRITO



É na cálida noite, inundada por ventos mestiços, com o perfume a áfrica, que dou por mim, na encruzilhada de uma selva obscura, emparcelada na terra estéril do nada.

Sustento todos que de mim se servem, sobrando eu, transformado em restolho.

Ó chão entapetado pelas cinzas que rastejam sem norte.

Calcorreio, este penoso caminho, dos dias lúgubres vestidos de falsas ilusões, relegando-me, para um labirinto existencial.

Estou perdido.

Sufoco dentro do meu peito trucidado, o ser que não sou.

Digo sim ao não.

Digo não ao sim.

Resta-me ficar, confinado a uma ínfima partícula, da minha essência, nas estrias melancólicas da memória.

Adultero os atos e as palavras, imponho um garrote à vontade, hipoteco o presente, algemo o futuro.

No desfiar dos dias e anos, tudo mais longe e impessoal se torna.

Procuro-me nesta selva moribunda, onde não me encontro, transportado nas asas de uma monção, de Desejos e ambições.

Retrocedo no tempo ao encontro de momentos longínquos onde matei a cede de mim.

Metade loucura, metade racional, mas era eu!

O quanto anseio, por cobro a esta guerra fria, corrosiva e desesperante, num adiamento sem prazo.

Livro escrito pelo avesso, de enganos e mentiras, capítulo inacabado, história segredada de mim e para mim, rascunho sincopado, no esboço que só eu sei decifrar.

Sobra uma substância envenenada de crueldade, em erupção asfixiante e reprobatória, ostentando uma carapaça de valores, normas e regras padronizadas e acusatórias, onde a tradição bolorenta é a máscara dos imbecis.

Quem Ousa chamar-me de louco?

Despe a covardia, e logo encontrarás, um ser acorrentado as imposições, das doutrinas aglutinadoras.

Onde mora a felicidade?

Exausto, sinto-me uma amálgama a flanquear a saudade moribunda e órfã a perder-se, pelas ameias do desencanto.

 

DIOGO_MAR

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

LIXO INTELECTUAL



Para os arautos da sabedoria, e do conhecimento, aqueles que se acham os gladiadores da razão absoluta, venho mostrar o meu desdém por tão ignóbeis seres.

Opinam sobre tudo e todos.

Acham-se profundos conhecedores de todas as matérias, revelando ir reisadas aptidões circenses.

Diariamente, vou constatando a frustração ressabiada, que um pouco por todo o lado existe retratada, em tempo de antena falada e escrita, que lhes é concedida, para de forma aproada virem defecar lavercas avulsas e vazias, de tanta futilidade e banalidade.

É apanágio destes papagaios.

São evidentes pregadores de falsos moralismos, na repulsa por situações que esbarram nas limitações de conhecimento, e de aceitação pelo semelhante, na sua verdadeira plenitude.

Assentam os seus alicerces em demagogias baratas, e argumentos de algibeira.

Vestem pele de cordeiro, por sobre uma carcaça, podre e empedernida de preconceito.

Justificam-se com valores carunchosos e bacocos, chamando a isso tradições.

Depois acasalam-nas com a religião, coabitando no olimpo de falsos profetas, envergando um jacobinismo atroz.

Elevam-se, à categoria de mestres com retóricas bolorentas sustentadas em raízes de intransigência.

Justificam o seu pragmatismo, dizendo:

Se sempre foi assim, porque há de agora ser diferente?

Padecem de cegueira intelectual, com fome de protagonismo para se embriagarem em conceitos retrógrados onde definham de tanta ignorância.

Não podia deixar de estar em total acordo com Albert Einstein ao dizer que:

 

(A tradição é a personalidade dos imbecis.

Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito).

 

 

Diogo_Mar

sábado, 7 de fevereiro de 2015

O SIM E O NÃO



Há uns anos a esta parte, o não, foi infelizmente quase banido dos moldes educacionais das nossas crianças e jovens.

O facilitismo exacerbado, agregado a libertinagem confundida com liberdade, que lhes foi concedida, pelos seus progenitores, desembocou neste labirinto anarca e pantanoso onde se encontram.

Os filhos, deixaram-se de educar, passando a serem comprados.

Tudo se circunscreve a um materialismo doentio.

Mas afinal vamos lá saber qual é a importância do não.

Pois bem:

O sim, ou o não, são traves mestras na educação do individuo.

Todas as afirmações sejam elas positivas, ou negativas, devem ser bem fundamentadas, para servirem de aprendizagem e de estímulo.

Respostas de, não porque não, ou sim, porque sim, revestem-se de um carater evasivo e de ambiguidade, semeando relutância em as aceitar.

O não tem um efeito tão pedagógico como o sim.

Esta ultima, deve servir de estímulo e responsabilização, para um voto de confiança que encerra.

Quanto ao não, deve ser interpretado como penalização ou constrangimento a algo, mas transmitir sempre de forma implícita a mensagem de alavancamento para a correção e merecimento.

Ambas as afirmações, fazem parte de um processo de amadurecimento, e são um veículo de amor.

O não contundente, ou sim categórico, nunca deve ser ziguezagueante, para nunca abrir um precedente grave, que é a dualidade de critérios que em circunstância alguma abona em favor de padrões de educação sólidos e justos.

Agora digo-vos sim, volto um destes dias.

Quanto ao não, fico por aqui para o post não ficar muito extenso.

De acordo?

Sim, ou não?

 

DIOGO_MAR

domingo, 1 de fevereiro de 2015

A CURVA DOS DIAS



Debruamos os dias com as linhas da esperança, que não é mais, que um empréstimo contraído a felicidade.

Acalentamos um mundo justo e solidário, para de seguida a realidade chegar, nua e crua, sacrificando-nos a esta verdade dantesca.

É-nos imposto um guião, para representarmos neste palco, onde não nos revemos.

Somos flagelados, pela angústia e frustração, a nossa vivência submerge, numa torrente lúgubre e infindável, onde só cabe o desespero implacável.

Quedamo-nos num calvário de sofrimento, onde somos crucificados, despojados de todas as espectativas que alicerçamos.

Esta aldeia global, vive uma espiral de egocentrismo, deleitado alarvemente a mesa do materialismo, sob o jugo da intolerância.

Tudo se tornou, tão volátil, tão artificial, tão efémero.

Assassinaram a cartilha dos mais elementares valores que deviam nortear o Homem.

Cuidado, estamos a pisar areias altamente movediças!

Por onde vais HOMEM?

 

 

DIOGO_MAR