25 de ago. de 2014

19 de ago. de 2014

de uma história que está começando

Filha, eu estou lendo, e quem quer sorvete é você. É só ir até lá e pedir pro moço! 
Talvez seja meio-dia, o sol é o dono da praia e estou sentada na areia, a dois passos dos pés da minha mãe. Tenho seis anos e tudo o que mais quero é um picolé de chocolate. As três meninas continuam ali, de pé, ao lado do sorveteiro, conversam sem parar, palitos pingando chuva sabor limão, quem sabe abacaxi, na areia quente. Estão hospedadas no mesmo hotel que eu -- já estavam lá quando chegamos. Então não. Pego a pazinha vermelha, cavoco a areia com força e faço um buraco enorme querendo me enterrar com a minha timidez (…).

18 de ago. de 2014

dicionário imaginário

--> Ansiedade (s.f.): é o que acontece quando o tic não consegue esperar e quase atropela a vez do tac.

6 de ago. de 2014

o passado

no portarretrato: a infância do filho e a presença da mãe: era um domingo e eu não sabia que estava fotografando a saudade.

4 de ago. de 2014

bom dia

uma manhã de verão no meio do inverno, um sorriso abrindo com a porta do elevador, uma ideia pra continuar o conto que comecei a escrever: um dia com tudo pra ser bom.

28 de jul. de 2014

inverno

é como um toque de recolher: os dias vão embora mais cedo, encolhidos de frio, e a vida lá fora fica mais quieta pedindo pra gente escutar as palavras de dentro.

23 de jul. de 2014

escrever

É como mobiliar uma casa vazia.
Às vezes começo colocando um sofá e tapetes na sala. De vez em quando, os primeiros móveis vão direto para o quarto, e é lá que fico morando um tempão, esquecida dos outros espaços da casa.
Habitar um novo texto: cada vez acontece de um jeito, mas uma história só termina quando a casa está completa, com roupas dentro do armário, cheiro de bolo assando no forno, portarretratos e objetos espalhando lembranças por todos os cantos.
Enquanto moro nesse lugar, muitas vezes mudo a decoração, hospedo pessoas que vão e vem, aprendo a conviver com quem vai ficando. No final, quase sempre é difícil abandonar essa morada, tudo em volta já se tornou querido e familiar demais. A hora de ir embora sempre é um pouco triste, mas não só: também fico feliz vendo a casa finalmente pronta pra receber visitas.
Depois disso, passo um tempo perambulando pela cidade, me atrevo por bairros desconhecidos, descubro ruas simpáticas e, em algum momento, me interesso por outro endereço. Nos primeiros dias, estranho os barulhos da vizinhança, a cara do jornaleiro, a distância até a padaria. Mesmo assim, decido ficar, vou me instalando aos poucos e penduro os primeiros quadros nas paredes brancas, com o cheiro da tinta fresca anunciando uma história novinha em folha.

21 de jul. de 2014

11 de jul. de 2014

era uma vez outra Cinderela

… e a história termina assim:

A festa de casamento foi magnífica e os primeiros dias no castelo pareciam um sonho. Tanto que a princesa precisava se beliscar a todo instante para ter certeza de que não estava delirando. Mesmo assim, depois que anoitecia, Cinderela ia entrando em pânico, com medo de que tudo se desmanchasse por encanto, à meia-noite. Como não via a hora de ser feliz para sempre, o príncipe ordenou que todos os relógios do reino fossem destruídos. Nunca mais se ouviu nenhuma badalada e, aos poucos, a princesa sossegou. Mas não muito. Acontece que o Tempo é poderoso e não para nem mesmo sob as ordens de um príncipe. Ao final de cada dia, continuava escurecendo e, perto da hora H, o coração da princesa disparava como um alarme. Então o casal pensou e pensou até descobrir um outro jeito pra continuar sendo feliz: todas as noites, ouvindo o tic-tac do coração da Cinderela, eles trocam juras de amor eterno até a meia-noite seguinte. 
Por enquanto, está dando certo. 

1 de jul. de 2014

dois

o mesmo vento
envolve
dois pensamentos

a mesma tarde quieta
acolhe
duas bicicletas

no mesmo segundo
giram
dois mundos

e a ilustração é da Maria Eugenia.

18 de jun. de 2014

esboços

Meu nome é Preto Pretinho Tom Domenico Xavier Ogato Péricles-da-Silvia.
Não costumo me apresentar assim e nunca fui chamado desse jeito, quer dizer, com tudo junto ao mesmo tempo. Mas já que resolvi escrever um livro sobre as minhas sete vidas vocês precisam saber que tenho – ou melhor: tive -- todos esses nomes. Um de cada vez, claro.
Fora os apelidos. Pipo, por exemplo, virou uma espécie de sobrenome na época em que me chamavam de Ogato. Já o detestável Ronrom praticamente substituía o nome oficial da quinta vida: “XAVIER” só era mencionado (assim mesmo, em voz maiúscula) nas horas mais... Como dizer? Bem... Tensas. Em compensação, também tive o prazer de ser tratado por Dom na maior parte do tempo em que me batizaram de Domenico. Dom é adorável, não acham? Simplesinho e, ao mesmo tempo, tão elegante! Cá entre nós, se tivessem pedido a minha opinião, bem que eu gostaria de ter sido sempre e apenas Dom, não só durante a quarta vida, por sinal, uma das melhores (…)

em construção: um "começo de história" e um "estudo de gato" do Daniel Kondo, 

13 de jun. de 2014

chegou!

A ilustração de Maria Wernicke não só renovou o meu "Longe" como ampliou a narrativa no seu melhor tom. Estou feliz demais com essa parceria e com a edição primorosa da Salamadra.

11 de jun. de 2014

na cabeceira

"As palavras são objetos magros incapazes de conter o mundo."

Amando todas as palavras do último livro de Valter Hugo Mãe ("A Desumanização").

6 de jun. de 2014

gota de chuva

   dia cinza
      tinge    
      tudo
        de
     triste
   a xícara
  as ideias
   a gente
     nada
    resiste

22 de mai. de 2014

dia feliz

Acabo de saber que o "Como Começa"vai ser publicado na Suécia, pela Opal Bokforlaget, e na Turquia, pela Yapi Kredi Yayinlari. Alegria, alegria!

13 de mai. de 2014

era uma vez um gato (1)

(…) e as coisas continuaram embaçadas durante algum tempo. Confesso que não lembro de quase nada dessa época, dias e noites eram só aquele empurra-empurra, disputando o leite e o melhor lugar no colo quentinho de mamãe. Pouco a pouco, porém, meu espírito independente começou a se manifestar – assim que consegui me erguer sobre minhas quatro patas, comecei a explorar o mundo além da nossa casa-caixa. Fui o primeiro a me atrever pela superfície lisa e geladinha do lugar onde estávamos. É verdade que, no início, dei umas desequilibradas, mas logo peguei a manha da coisa e, cautelosamente, fui vasculhando canto por canto daquele espaço enorme. Avançava um bocadinho mais cada vez que saía de perto de mamãe, experimentando novos movimentos, descobrindo cheiros e sons diferentes, que faziam minhas orelhas empinarem por conta própria e minha cabeça girar ora pra cima, ora pra trás, de um lado, do outro, já atento e curioso, como eu continuaria sendo ao longo das minhas sete vidas.

8 de mai. de 2014

trecho

De uma história que está começando: 

(…) Não sei durante quanto tempo acreditei que esperança fosse um objeto que a gente podia guardar num armário e perder por aí, como um guarda-chuva. Ou quase: mesmo na minha imaginação de criança, a esperança já parecia bem mais valiosa, porque minha mãe vivia perdendo guarda-chuvas, mas nunca se chateava tanto por isso (…)  Anos depois, descobri que a esperança nem é tão diferente assim de um guarda-chuva: e o que mais pra nos proteger e ajudar a seguir em frente durante as tempestades?

4 de mai. de 2014