Você sabe que eu fico sempre à espreita. Aguardando, pretensiosa, sua correspondência diária selada com um beijo, seu sorriso em envelope lacrado. Procuro por você em livros, jornais, revistas, entrevistas, letras de músicas, cartas, poemas, pôsteres, portais, outdoors, Outlook, Orkut, Facebook, MSN, Twitter, Google, blogs, em todos os papéis e spams.
Você sabe que meus desejos, literalmente sem escrúpulos, subordinam sua liberdade de expressão. Eu atravesso seus canais de comunicação. Ilicitamente, visito seus amigos, vasculho sua agenda, seus contratos, seu currículo, sua ficha catalográfica.
Você percebe que eu reviro seu vocabulário, sabe que violo seus capítulos, rasgo o verbo que dialoga com a primeira pessoa da sua antologia. Abro mão da ética e, sem habilidade, manipulo suas frases feitas e deixo minhas impressões digitadas em suas páginas.
Você releva minha incompetência prosaica, a superficialidade do meu discurso, a desclassificação dos meus gêneros textuais, meu impetuoso hábito de tirar seu foco narrativo do meu ponto de vista.
Você sabe que suas locuções intransitivas e transitórias produzem orações intransigentes e excitam minha inquisição sintática. Por isso, contesto o contexto dos seus vícios de linguagem, cometo plágio, imito seu estilo e reordeno seus predicados. Eu arquiteto planos para seus projetos e me protejo em seus rascunhos.
Mas você conhece a limitação da minha verve. Sabe que eu me inspiro em você, aspiro as ideias que você defende, depois conspiro e, sozinha, piro. Então, eu conjeturo estruturas poeticamente viáveis para sua insegurança estilística e engravido das palavras que você cria. Seus neologismos apenas acentuam as intrigas que você compila.
Eu reconsidero sua narrativa e gero minhas próprias expectativas. Busco, nos seus argumentos, o lugar-comum em que eu caiba sem legendas nem tradução. Incorporo eruditos clichês e me adapto ao seu roteiro original. Figuro entre seus devaneios coadjuvantes, enceno a megera que extirpa sua imagem de herói. Represento a fada inconsequente do seu storyboard. Eu reinvento nossos dramas.
Você sabe que minha falta de imaginação não condiz com o desenlace desse romance. Eu me intrometo em todas as interrogações do happy end que você excluiu. O parágrafo em que o felizes-para-sempre é tangível mesmo que não haja mais história. Mas você finge não entender minha proposição e profere o inexorável ponto-final.
No entanto, eu resgato as lembranças empoeiradas das entrelinhas que se demoraram em silêncio e reescrevo a versão mais bem-sucedida do nosso epílogo. A enunciação de uma cumplicidade que planeja desfechos mais plausíveis para essa novela.
Você sabe que eu edito suas emoções, corto da epígrafe fragmentos que você publica para uma anônima musa, sem dedicatória. Meu ciúme capitular ultrapassa as margens da sua folha de rosto e eu me embaraço nos traços das personagens boçais que você esboça. Eu ressuscito fantasmas da sua biografia. Subverto a moral da sua fábula... Perco a noção do tempo e estabeleço outras demoras fora de hora.
Você sabe que me enredo no enredo que você tece. Engendro episódios surreais para as mil e tantas cenas de suspense dos contos que você fantasia. Misturo o vermelho da minha veia poética ao negrume do seu filme de terror, e você até sente o arrepio que me tira a concentração enquanto acordada eu sonho estar no primeiro ato da tragédia que você anuncia.
Você sabe que eu sempre volto e retorno ao círculo vicioso do nosso duelo pré-textual e, com sorte, viro o jogo e roubo-lhe o mote. E discorro sobre sua textura bruta, a pedra implacável que você guarda com cuidado no subterfúgio do seu narrador inconsciente.
Você sabe que eu censuro os termos chulos do seu ensaio. Julgo seus sujeitos mal conjugados e condeno a inverossimilhança dos seus atos. Por fim, me prostro diante dos sentidos subliminares da sua alegoria.