É recomendável o jornalista adotar alguns mantras para serem utilizados durante uma crise pesada de vaidade, como “sou jornalista, mas não sou foda” ou “quem tem o meu saldo bancário não pode se achar Deus”. Quando o estrelismo se apoderar de você, respire fundo e repita o mantra umas cem ou duzentas vezes. Até a crise passar.
A advertência “não mexe no meu texto” é igual a dizer “não bota a mãe no meio” das brigas de infância. Calma, não somos mais crianças, e alguém mexer no seu texto não precisa virar um conflito. Ok, tem muita gente que mexe no texto alheio só para estragar, mas também evoluímos com boas críticas e sugestões.
Procure, ao máximo, evitar o desejo de ser um novo Arnaldo Jabor. Você pode se machucar. Esta vaidade exacerbada só deve ser praticada por profissionais.
O crachá pendurado no pescoço tem para o jornalista a mesma significação que o falo tem pra neguinho machista, já explicou Freud. Ou Lacan, sei lá, um desses malucos aí. Bom você começar a refletir a respeito.
O abuso de expressões do tipo “como antecipou a Folha com exclusividade” é a prova de que a vaidade pode causar danos cruéis à saúde mental de um jornalista ou a um veículo de comunicação. Coisa mais decadente esta autopromoção. É de bom-tom evitá-la.
A vaidade do “eu acho que sei tudo” é uma das mais comuns a atacar os jornalistas. É emocionante ver um jornalista pesquisando, fuçando um dicionário, aprendendo.
Outro ótimo exercício para controlar a vaidade é ficar uma semana inteira, incluindo sábados, domingos e feriados, sem postar uma foto sua com um entrevistado famoso no Facebook.
Glamour é ter um trabalho digno, com um salário digno. Entendeu? Ok? Podemos passar para o próximo tópico?
Todo jornalista já ouviu em algum momento de sua vida o blá-blá-blá de que a imprensa é o quarto poder. E muitos insistem em acreditar nisso. Nós, jornalistas, temos, sim, o poder de lutar por um mundo melhor e mais justo e, para isso ser possível, não podemos nos sentir melhores, nem piores, que ninguém.
Humildade, aliás, é essencial em todos os momentos da vida de um jornalista. Grande merda se você é blogueira da Capricho.
Já comprou o livro do Duda Rangel? Conheça a loja aqui, curta, compartilhe. Frete grátis para todo o Brasil.
Curta a página do blog no Facebook aqui.
Mostrando postagens com marcador vaidade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador vaidade. Mostrar todas as postagens
quinta-feira, 8 de agosto de 2013
quarta-feira, 20 de julho de 2011
Exame de vista
Marcadores:
ego,
jornalismo,
jornalista,
repórter,
vaidade
sexta-feira, 15 de julho de 2011
Teste para jornalistas: qual o seu nível de vaidade?
Responda às questões e descubra. O resultado está no fim do post.
1) O que você faz quando tem uma matéria assinada na capa do jornal?
A) Mostra o jornal para a família, amigos, para a torcida do Flamengo.
B) Guarda o jornal e, vez ou outra ao longo do dia, dá uma paquerada na capa.
C) Não se ilude. Sabe que, no dia seguinte, aquele jornal vai enrolar peixe na feira.
2) Se alguém de outra área lhe diz que ser jornalista é o máximo do glamour, você...
A) Concorda que é um ser humano especial e pergunta se a pessoa não quer um autógrafo.
B) Agradece meio encabulado: “Nem tanto, nem tanto”.
C) Responde: “Dá uma olhada no meu extrato bancário e depois me diz o que é glamour”.
3) Como você gosta de se vestir na redação?
A) Super descolado e de acordo com as tendências da moda.
B) Sem exageros, mas sempre com a camisa e a calça passadinhas.
C) Tênis sujo, calça rasgada e camiseta do Seu Madruga de Che Guevara.
4) Você gostaria de ganhar um Prêmio Esso?
A) Lógico, eu vivo para isso.
B) Ficaria muito feliz.
C) Caguei para o Esso. Prefiro ganhar a Mega-Sena acumulada.
5) Se alguém lhe pergunta se foi difícil entrevistar o Rodrigo Santoro, você...
A) Diz que foi uma moleza, afinal você é amigão do Rô.
B) Diz que foi difícil, mas que sua boa relação com o assessor do ator ajudou.
C) Confessa que as declarações foram dadas numa entrevista coletiva, com outros 37 jornalistas.
6) Você é um apresentador de TV. Ao sair uma noite para jantar, não é reconhecido por ninguém no restaurante. O que você faz ao chegar em casa?
A) Se entope de Prozac para não cometer suicídio.
B) Acredita que só não foi reconhecido por estar de óculos e boina.
C) Descobre o lado bom do anonimato: pôde jantar sem ninguém enchendo o saco.
7) Ao entrar na área VIP de uma festa, ao lado de celebridades, você...
A) Cumprimenta a Gisele Bündchen (“Gi”) como se fossem íntimos há 20 anos.
B) Faz fotos da festa com seu celular pré-pago para colocar no Facebook.
C) Acha tudo aquilo muito chato e sente saudade do boteco ao lado da redação.
8) Como você reage a uma crítica negativa ao seu texto?
A) Fica puto da vida, afinal como podem falar mal de um texto tão perfeito?
B) Finge que aceitou as críticas e não admite para si que o texto está ruim.
C) Reconhece que o texto ficou mesmo uma merda.
9) Quando algum entrevistado elogia publicamente sua pergunta em uma coletiva de imprensa, você...
A) Faz que não ouviu o elogio e pede para ele repetir o que disse em voz mais alta.
B) Se imagina mais tarde na redação contando o elogio para o chefe.
C) Preferiria ter recebido uma resposta interessante à sua pergunta.
10) Se você é demitido do jornal porque fez uma cagada, você diz aos amigos que...
A) Pediu um ano sabático ao editor para se reciclar. Talvez uma viagem para Viena.
B) Foi vítima do processo de downsizing da redação.
C) Revela que matou Itamar Franco três dias antes da morte oficial.
RESULTADOS
Se a maior parte de suas respostas foi a letra “A”: O seu nível de vaidade é comparável ao de publicitários loucos para ganhar um Leão de Ouro em Cannes. Você tem certeza que é o fodão, o semideus, praticamente um Arnaldo Jabor. Se liga, mané!
Se a maior parte de suas respostas foi a letra “B”: Você é vaidoso, sim, mas ainda dentro de um padrão de normalidade. Não é o caso de você ser encaminhado ao consultório de um psiquiatra. Só tome cuidado para não pular para a letra “A”, ok?
Se a maior parte de suas respostas foi a letra “C”: Você é o jornalista-Amélia, aquele que não tem a menor vaidade. É um tipo raríssimo, mais difícil de ser encontrado do que jornalista que não reclama ou jornalista que ganha bem.
Já comprou o livro do Duda Rangel? Conheça a loja aqui, curta, compartilhe. Frete grátis para todo o Brasil.
1) O que você faz quando tem uma matéria assinada na capa do jornal?
A) Mostra o jornal para a família, amigos, para a torcida do Flamengo.
B) Guarda o jornal e, vez ou outra ao longo do dia, dá uma paquerada na capa.
C) Não se ilude. Sabe que, no dia seguinte, aquele jornal vai enrolar peixe na feira.
2) Se alguém de outra área lhe diz que ser jornalista é o máximo do glamour, você...
A) Concorda que é um ser humano especial e pergunta se a pessoa não quer um autógrafo.
B) Agradece meio encabulado: “Nem tanto, nem tanto”.
C) Responde: “Dá uma olhada no meu extrato bancário e depois me diz o que é glamour”.
3) Como você gosta de se vestir na redação?
A) Super descolado e de acordo com as tendências da moda.
B) Sem exageros, mas sempre com a camisa e a calça passadinhas.
C) Tênis sujo, calça rasgada e camiseta do Seu Madruga de Che Guevara.
4) Você gostaria de ganhar um Prêmio Esso?
A) Lógico, eu vivo para isso.
B) Ficaria muito feliz.
C) Caguei para o Esso. Prefiro ganhar a Mega-Sena acumulada.
5) Se alguém lhe pergunta se foi difícil entrevistar o Rodrigo Santoro, você...
A) Diz que foi uma moleza, afinal você é amigão do Rô.
B) Diz que foi difícil, mas que sua boa relação com o assessor do ator ajudou.
C) Confessa que as declarações foram dadas numa entrevista coletiva, com outros 37 jornalistas.
6) Você é um apresentador de TV. Ao sair uma noite para jantar, não é reconhecido por ninguém no restaurante. O que você faz ao chegar em casa?
A) Se entope de Prozac para não cometer suicídio.
B) Acredita que só não foi reconhecido por estar de óculos e boina.
C) Descobre o lado bom do anonimato: pôde jantar sem ninguém enchendo o saco.
7) Ao entrar na área VIP de uma festa, ao lado de celebridades, você...
A) Cumprimenta a Gisele Bündchen (“Gi”) como se fossem íntimos há 20 anos.
B) Faz fotos da festa com seu celular pré-pago para colocar no Facebook.
C) Acha tudo aquilo muito chato e sente saudade do boteco ao lado da redação.
8) Como você reage a uma crítica negativa ao seu texto?
A) Fica puto da vida, afinal como podem falar mal de um texto tão perfeito?
B) Finge que aceitou as críticas e não admite para si que o texto está ruim.
C) Reconhece que o texto ficou mesmo uma merda.
9) Quando algum entrevistado elogia publicamente sua pergunta em uma coletiva de imprensa, você...
A) Faz que não ouviu o elogio e pede para ele repetir o que disse em voz mais alta.
B) Se imagina mais tarde na redação contando o elogio para o chefe.
C) Preferiria ter recebido uma resposta interessante à sua pergunta.
10) Se você é demitido do jornal porque fez uma cagada, você diz aos amigos que...
A) Pediu um ano sabático ao editor para se reciclar. Talvez uma viagem para Viena.
B) Foi vítima do processo de downsizing da redação.
C) Revela que matou Itamar Franco três dias antes da morte oficial.
RESULTADOS
Se a maior parte de suas respostas foi a letra “A”: O seu nível de vaidade é comparável ao de publicitários loucos para ganhar um Leão de Ouro em Cannes. Você tem certeza que é o fodão, o semideus, praticamente um Arnaldo Jabor. Se liga, mané!
Se a maior parte de suas respostas foi a letra “B”: Você é vaidoso, sim, mas ainda dentro de um padrão de normalidade. Não é o caso de você ser encaminhado ao consultório de um psiquiatra. Só tome cuidado para não pular para a letra “A”, ok?
Se a maior parte de suas respostas foi a letra “C”: Você é o jornalista-Amélia, aquele que não tem a menor vaidade. É um tipo raríssimo, mais difícil de ser encontrado do que jornalista que não reclama ou jornalista que ganha bem.
Já comprou o livro do Duda Rangel? Conheça a loja aqui, curta, compartilhe. Frete grátis para todo o Brasil.
Marcadores:
jornalista,
teste,
vaidade
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
O furo
Obsessão na vida do jornalista. Do foca ao colunista. Repórteres perseguem um furo ordinário mais até que aumento de salário.
Dar furo não paga as contas do mês, mas deixa o jornalista em estado de embriaguez. O ego fica gigante. Quem não gosta de se sentir importante? É ser o primeiro. O único. É ver o que ninguém viu, ouvir o que ninguém ouviu. É fuga, carnaval, esquecer que se trabalha muito e se ganha mal.
Furo sempre tem pai. Ou mãe. Registrado, assinado, com nome e sobrenome.
Tomar furo pode não ser caso de demissão, mas dá uma maldita aporrinhação. Tem coisa pior do que correr atrás do concorrente? Dói mais que dor de dente. É jogo perdido, pra ser esquecido. Jornalista furado fica todo ferrado. Coitado!
É duro conseguir um furo. Algo raro pra turma do impresso diário. Furo exige faro, meu caro. É boa apuração. Precisão. Ter fonte pra lá de porreta. Fazer pacto até com o capeta. Não tente um tiro no escuro, senão o furo vira furada. Barrigada.
O furo incomoda.
O furo é foda.
Dar furo não paga as contas do mês, mas deixa o jornalista em estado de embriaguez. O ego fica gigante. Quem não gosta de se sentir importante? É ser o primeiro. O único. É ver o que ninguém viu, ouvir o que ninguém ouviu. É fuga, carnaval, esquecer que se trabalha muito e se ganha mal.
Furo sempre tem pai. Ou mãe. Registrado, assinado, com nome e sobrenome.
Tomar furo pode não ser caso de demissão, mas dá uma maldita aporrinhação. Tem coisa pior do que correr atrás do concorrente? Dói mais que dor de dente. É jogo perdido, pra ser esquecido. Jornalista furado fica todo ferrado. Coitado!
É duro conseguir um furo. Algo raro pra turma do impresso diário. Furo exige faro, meu caro. É boa apuração. Precisão. Ter fonte pra lá de porreta. Fazer pacto até com o capeta. Não tente um tiro no escuro, senão o furo vira furada. Barrigada.
O furo incomoda.
O furo é foda.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
A vaidade do entrevistado
Janice estava ansiosa para saber se tinha ficado bem na foto. Morria de medo de parecer feia, velha, gorda. O texto não importava tanto, mas a foto era essencial. Deveria ligar ou não? Se ligasse, poderia bancar a chata. E detestava ser desagradável. Não, não ligaria. Mas, analisando por um outro lado, se ligasse, sossegaria o espírito. Pegou o celular.
- Oi, Pablo, tudo bem? É a Janice.
- Janice?
- É, Janice. Nos falamos anteontem. Lembra?
- Na Rua Augusta? Sim, você é a menina da minissaia dourada, coxa grossa...
- Nããão! Eu sou a fisioterapeuta. Fui indicada pela minha amiga Andréa, que trabalha com você. Você me entrevistou para a matéria sobre mulheres que, após o fim do casamento, recorrem à companhia de animais de estimação para superar o trauma.
Pablo ficou constrangido com a confusão, mas logo retomou a conversa.
- Sim, sim, Janice, claro, a que conversa com os cinco poodles que tem no apartamento.
- Exatamente, Pablo! Todas as tardes. Eles são os meus queridos!
- Em que posso ajudá-la, Janice?
- Então, eu sei que devo parecer chata, mas eu queria saber quando vai ser publicada a reportagem. Eu comprei o jornal de ontem, o de hoje e notei que não saiu nada.
- Janice, deixa eu te explicar uma coisa: jornal é meio maluco. A gente nunca sabe quando algumas matérias vão sair, principalmente as matérias frias.
Pablo aconselhou Janice a comprar as edições dos dias seguintes até encontrar a matéria e tratou logo de encerrar o papo.
Janice não gostou da conversa. Sentiu-se uma idiota. Não devia mesmo ter ligado. Ficou ainda mais ansiosa. E, além de tudo, foi confundida com uma puta brega da Augusta. E essa história de comprar o jornal todo dia? É estratégia de marketing, com certeza. Esses caras fazem de tudo para vender jornal.
Mesmo indignada com a imprensa escrota que ilude pessoas de bem como ela só para comprarem jornal por toda a eternidade, Janice garantiu a edição do dia seguinte e dos dias seguintes ao seguinte. E nada. Sentia-se um lixo. A foto dela deveria ter ficado uma merda. Sim, eles resolveram jogar a matéria no lixo porque a foto ficou uma merda. Foi exatamente um dia antes de ela retocar a marroquina. Deveria ligar para o jornal e oferecer uma imagem de seus álbuns particulares? Poderia escolher a melhor de todas, uma bem bonitona, com cabelos escovados, em alta resolução. Sim, mandaria a foto da viagem que fez para Serra Negra, com um dos poodles. Mas depois mudou de idéia. Pareceria ainda mais idiota. Era melhor esquecer essa bobagem toda.
Justamente na manhã seguinte, em que não correu feito louca até a banca, acordou com uma mensagem em sua secretária eletrônica. Era uma amiga, perguntando se a Janice de Souza que apareceu na matéria do jornal era ela mesma. Claro que era ela. Será que ficou tão irreconhecível assim na foto? Apressou-se em chegar ao jornaleiro. Lá, pegou um exemplar em exposição, procurou o caderno, a página, a matéria. Jogou o resto no chão.
Cadê a foto? À “fisioterapeuta Janice de Souza, 44 anos” – “43, porra!” – foram reservadas poucas linhas. E nenhuma foto. Havia fotos de outras duas personagens, uma loira gostosona com um golden retriever e uma morena gostosona com um gato siamês. Mas nenhuma dela. Soltou o resto do jornal que estava em suas mãos no chão e foi embora, chorando. Naquela tarde, não conversou com os poodles.
Leia também: "A mentira que a vaidade do jornalista quer"
- Oi, Pablo, tudo bem? É a Janice.
- Janice?
- É, Janice. Nos falamos anteontem. Lembra?
- Na Rua Augusta? Sim, você é a menina da minissaia dourada, coxa grossa...
- Nããão! Eu sou a fisioterapeuta. Fui indicada pela minha amiga Andréa, que trabalha com você. Você me entrevistou para a matéria sobre mulheres que, após o fim do casamento, recorrem à companhia de animais de estimação para superar o trauma.
Pablo ficou constrangido com a confusão, mas logo retomou a conversa.
- Sim, sim, Janice, claro, a que conversa com os cinco poodles que tem no apartamento.
- Exatamente, Pablo! Todas as tardes. Eles são os meus queridos!
- Em que posso ajudá-la, Janice?
- Então, eu sei que devo parecer chata, mas eu queria saber quando vai ser publicada a reportagem. Eu comprei o jornal de ontem, o de hoje e notei que não saiu nada.
- Janice, deixa eu te explicar uma coisa: jornal é meio maluco. A gente nunca sabe quando algumas matérias vão sair, principalmente as matérias frias.
Pablo aconselhou Janice a comprar as edições dos dias seguintes até encontrar a matéria e tratou logo de encerrar o papo.
Janice não gostou da conversa. Sentiu-se uma idiota. Não devia mesmo ter ligado. Ficou ainda mais ansiosa. E, além de tudo, foi confundida com uma puta brega da Augusta. E essa história de comprar o jornal todo dia? É estratégia de marketing, com certeza. Esses caras fazem de tudo para vender jornal.
Mesmo indignada com a imprensa escrota que ilude pessoas de bem como ela só para comprarem jornal por toda a eternidade, Janice garantiu a edição do dia seguinte e dos dias seguintes ao seguinte. E nada. Sentia-se um lixo. A foto dela deveria ter ficado uma merda. Sim, eles resolveram jogar a matéria no lixo porque a foto ficou uma merda. Foi exatamente um dia antes de ela retocar a marroquina. Deveria ligar para o jornal e oferecer uma imagem de seus álbuns particulares? Poderia escolher a melhor de todas, uma bem bonitona, com cabelos escovados, em alta resolução. Sim, mandaria a foto da viagem que fez para Serra Negra, com um dos poodles. Mas depois mudou de idéia. Pareceria ainda mais idiota. Era melhor esquecer essa bobagem toda.
Justamente na manhã seguinte, em que não correu feito louca até a banca, acordou com uma mensagem em sua secretária eletrônica. Era uma amiga, perguntando se a Janice de Souza que apareceu na matéria do jornal era ela mesma. Claro que era ela. Será que ficou tão irreconhecível assim na foto? Apressou-se em chegar ao jornaleiro. Lá, pegou um exemplar em exposição, procurou o caderno, a página, a matéria. Jogou o resto no chão.
Cadê a foto? À “fisioterapeuta Janice de Souza, 44 anos” – “43, porra!” – foram reservadas poucas linhas. E nenhuma foto. Havia fotos de outras duas personagens, uma loira gostosona com um golden retriever e uma morena gostosona com um gato siamês. Mas nenhuma dela. Soltou o resto do jornal que estava em suas mãos no chão e foi embora, chorando. Naquela tarde, não conversou com os poodles.
Leia também: "A mentira que a vaidade do jornalista quer"
Marcadores:
entrevista,
entrevistado,
Jornal impresso,
vaidade
quarta-feira, 26 de maio de 2010
A mentira que a vaidade do jornalista quer
Era um Gol simples, sem qualquer charme e com alguns amassados na lataria, mas os adesivos nas portas e no vidro traseiro conferiam ao carro um outro status. Aliás, não eram exatamente os adesivos, mas aquela palavra de dez letras que estava nos adesivos: REPORTAGEM.
A primeira vez que entrei no carro do jornal e segui para uma pauta pelas ruas da cidade, me senti subitamente importante, nobre, cheio de deliciosas ilusões. Em nada eu lembrava o foca ainda sem contrato de trabalho que chegara à redação de trem.
O carro de reportagem desperta a vaidade do jornalista. O repórter senta-se no banco ao lado do motorista, coloca os óculos escuros – mesmo nos dias chuvosos e cinzentos –, faz um esforço danado para driblar a cifose e conseguir deixar a coluna ereta, abaixa o vidro e fuma com desenvoltura. Quando o carro pára no farol, ele começa a investigar as pessoas comuns a seu redor e tem a certeza de que elas estão olhando para ele e pensando: “Nossa, o cara é jornalista, deve ser importante. Será que é da Globo? Queria levar a vida que ele leva”.
Sempre atrasado para a pauta, o jornalista sugere ao motorista que desrespeite algumas leis de trânsito, como avançar o sinal vermelho ou os limites de velocidade, afinal está num carro de reportagem, que tudo pode. As leis valem apenas para as pessoas comuns, as mesmas que olham para o jornalista com inveja e encantamento. O motorista, que também se sente importante com seus óculos escuros – mesmo nos dias chuvosos e cinzentos –, concorda com o jornalista e pisa fundo no acelerador.
O carro de reportagem é amigo dos carros da polícia, que também são diferenciados. A rua está interditada por causa de um protesto de moradores um pouco mais à frente, mas o policial dá sinal verde para o carro de reportagem furar o bloqueio. Para chegar com mais facilidade à sua pauta, o carro do jornalista tem o privilégio de subir na calçada e ir além dos limites estabelecidos às pessoas comuns. O carro estaciona e o repórter desce com a empáfia escrota de um anônimo que se sente uma estrela pop.
Naquela minha primeira viagem no carro de reportagem do jornal, voltei à redação com a sensação de ser “o cara” e, mesmo após algum tempo em terra firme, continuei extasiado pelo poder mentiroso dos adesivos. Só me dei conta do quão ordinário eu era quando, voltando para casa naquele mesmo dia, olhei fixamente para um outro adesivo na porta de um outro carro: “Cuidado com o vão entre o trem e a plataforma”.
A primeira vez que entrei no carro do jornal e segui para uma pauta pelas ruas da cidade, me senti subitamente importante, nobre, cheio de deliciosas ilusões. Em nada eu lembrava o foca ainda sem contrato de trabalho que chegara à redação de trem.
O carro de reportagem desperta a vaidade do jornalista. O repórter senta-se no banco ao lado do motorista, coloca os óculos escuros – mesmo nos dias chuvosos e cinzentos –, faz um esforço danado para driblar a cifose e conseguir deixar a coluna ereta, abaixa o vidro e fuma com desenvoltura. Quando o carro pára no farol, ele começa a investigar as pessoas comuns a seu redor e tem a certeza de que elas estão olhando para ele e pensando: “Nossa, o cara é jornalista, deve ser importante. Será que é da Globo? Queria levar a vida que ele leva”.
Sempre atrasado para a pauta, o jornalista sugere ao motorista que desrespeite algumas leis de trânsito, como avançar o sinal vermelho ou os limites de velocidade, afinal está num carro de reportagem, que tudo pode. As leis valem apenas para as pessoas comuns, as mesmas que olham para o jornalista com inveja e encantamento. O motorista, que também se sente importante com seus óculos escuros – mesmo nos dias chuvosos e cinzentos –, concorda com o jornalista e pisa fundo no acelerador.
O carro de reportagem é amigo dos carros da polícia, que também são diferenciados. A rua está interditada por causa de um protesto de moradores um pouco mais à frente, mas o policial dá sinal verde para o carro de reportagem furar o bloqueio. Para chegar com mais facilidade à sua pauta, o carro do jornalista tem o privilégio de subir na calçada e ir além dos limites estabelecidos às pessoas comuns. O carro estaciona e o repórter desce com a empáfia escrota de um anônimo que se sente uma estrela pop.
Naquela minha primeira viagem no carro de reportagem do jornal, voltei à redação com a sensação de ser “o cara” e, mesmo após algum tempo em terra firme, continuei extasiado pelo poder mentiroso dos adesivos. Só me dei conta do quão ordinário eu era quando, voltando para casa naquele mesmo dia, olhei fixamente para um outro adesivo na porta de um outro carro: “Cuidado com o vão entre o trem e a plataforma”.
Marcadores:
ilusões,
jornalista,
mentiras,
reportagem,
vaidade
Assinar:
Postagens (Atom)