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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A primeira entrevista a família nunca esquece


CENA INTERNA
Estão todos na sala – a mãe, o pai, o irmão caçula, o avô, a tia estranha, a vizinha invejosa – para acompanhar a primeira entrevista da Paulinha na TV. Clima de final de Copa do Mundo.

A vizinha invejosa: deve ser meio chato trabalhar nesse tal Canal do Boi, né?

O pai: pior se ela trabalhasse no TV Fama.

A vizinha invejosa: pior nada, melhor. Ela estaria entrevistando artista e não boi.

A mãe: a Paulinha não entrevista boi. Ela vai entrevistar o...

O pai: veterinário.

A mãe: isso, o veterinário. Ele é doutor.

O irmão caçula: mãe, o vovô dormiu.

A mãe: pai, acorda. É a primeira entrevista da sua neta na TV.

O irmão caçula: o vovô não acorda fácil.

A mãe: paaaaaai!!!

O avô (acordando): já acabou?

O pai: vai começar.

A mãe: será que fizeram uma escova boa nela?

O pai: será que vai dar uma daquelas crises de pânico nela?

O avô: será que ela vai dizer que foi o avô que a incentivou a estudar jornalismo?

O pai: não, seu Jacinto, é uma entrevista com um veterinário. Não é arquivo confidencial do Faustão.

A mãe: silêncio, gente.

A vizinha invejosa: já tá começando a chover. Acho que a Sky vai sair do ar.

A mãe: que sair do ar, nada! Vira essa boca pra lá.

O irmão caçula: vô, abre o olho.

O avô: eu não tô dormindo, Pedrinho.

O pai: começou!

Silêncio.

A mãe: como ela tá linda.

A tia estranha: é sobre o que mesmo o assunto?

Todos: xiiiiiiiiii!

Um minuto e 17 segundos depois.

A vizinha invejosa: mas já acabou?

O pai: é assim mesmo. Hoje tá tudo muito moderno e rápido.

A mãe: ai, gente, que orgulho da Paulinha. Vocês viram como ela falou bonito, como ela segurava o microfone bonito?

O pai: e ela não teve nenhum branco.

A mãe: foi perfeita. Ai, gente, até chorei.

A vizinha invejosa: eu gostei do veterinário. Bonitão. Cara de safado também. Vai dar em cima da Paulinha, com certeza.

A tia estranha: alguém pode me responder sobre o que era o assunto?

O pai: tia Néia, sobre novas técnicas de inseminação para o gado nelore.

A tia estranha: credo.

A mãe: um dia essa menina ainda vai tá entrevistando presidente do Brasil na Globo!

O irmão caçula: agora o senhor já pode dormir, vô.

O avô: minha neta tava linda, como eu sempre sonhei.

A mãe: Pedrinho, vai lá na lavanderia e solta o Bonner.

O pai: você prendeu o Bonner na lavanderia? Que a Paulinha não saiba disso!

A mãe: amor, o Bonner ia ficar aqui latindo a entrevista inteira.

A vizinha invejosa: deixa eu voltar pra minha casa, gente, que já vai começar o TV Fama.

O clima ainda é de grande comoção na sala. A chuva aumenta. A Sky sai do ar.


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sexta-feira, 15 de junho de 2012

Entrevista exclusiva – Sem ser votada, PEC do diploma desabafa: “Tomo antidepressivo”


Em 2011, quando se completaram dois anos do fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista, o blog Desilusões perdidas teve uma emocionante conversa com o diploma, que falou de suas dificuldades, da tentativa de suicídio e até da amizade com o também marginalizado diploma de datilografia (releia a entrevista completa aqui). Agora, por ocasião do terceiro aniversário, a entrevista é com a PEC do diploma, que vive a dramática espera para ser votada no Congresso.

PEC, muitos jornalistas diplomados estão botando grande fé na sua aprovação, mas a coisa parece demorada. Dá para acreditar ainda num desfecho rápido para a história?

Naquele Congresso, você bem sabe, meu caro Duda, o povo não gosta muito de trabalhar. Aí, fica difícil ser votada. Assim como os jornalistas, eu também estou numa expectativa grande, mas o que eu posso fazer? Agora tem também essa CPI do Cachoeira, depois vem eleição, e é bem capaz que eu caia no esquecimento.

Você sente apoio total dos jornalistas?

Em alguns momentos, me sinto desprestigiada por parte deles. Tem uns aí que nem sabem que eu existo. Outros nem sabem o que é uma PEC. É mole? Vou te falar: esse povo do jornalismo quer ter direito a um monte de coisa, mas é lerdo. Pouca iniciativa, sabe?

O que pretende fazer de sua vida após a aprovação, caso ela realmente ocorra?

Vou descansar um pouco, porque essa coisa de ficar parada, ociosa, também cansa. Sei lá, de repente vou badalar em algum cruzeiro. Meu sonho é ver o Roberto Carlos no navio.

Sei que você tem uma relação bastante próxima com o diploma. É verdade que ele recusou um convite para participar de A Fazenda 5?

Houve, sim, um convite da TV Record que ele recusou, por não se considerar uma subcelebridade. O diploma acredita ter ainda um protagonismo. O que o deixa triste são as mentiras publicadas por aí. Pela própria imprensa, o mais lamentável. Chegaram a escrever que o diploma estava gravando uma ponta num filme pornô.

A amizade entre ele e o diploma de datilografia acabou mesmo?

Este é outro absurdo que disseram. A relação deles está maravilhosa. E mais: outros diplomas marginalizados, como o diploma do curso de leitura dinâmica e o diploma de médico brasileiro formado na Bolívia, também fazem parte do grupo agora. Aquilo virou uma grande família.

Para encerrar: como você lida com a demora em ser votada?

Gosto muito de ficar acessando o site do Senado para saber se vou entrar na pauta de votação ou não. Muito doido isso. Sou ansiosa desde a infância. Minha mãe queria me levar ao psicólogo, mas meu pai achava bobagem. Essa nossa PECzinha ainda vai crescer com problema na cabeça, ela dizia pro meu pai. Agora, para segurar a barra só com remédio mesmo. Tomo antidepressivo todos os dias. Às vezes, uns florais.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Entrevista: Euclides da Cunha, o corno, o mito


Ele podia ser um jornalista e escritor ilustre apenas por sua grande obra, “Os Sertões”, mas Euclides da Cunha ainda é muito lembrado por ter sido corno. Um dos cornos mais famosos da imprensa brasileira. Morto pelo próprio Ricardão no duelo por sua honra, Euclides calou-se. Um século e muitas piadinhas depois, ele resolveu romper o silêncio. O blog Desilusões perdidas, que adora polêmica e sensacionalismo, conseguiu esta exclusiva com Euclides, com a ajuda, claro, de um médium.

Euclides, como é carregar esta fama de jornalista traído por um século?

Duda, meu caro, em primeiro lugar, quero agradecer a oportunidade que você está me dando de falar sobre o assunto. É um tema muito espinhoso para mim, mas chegou a hora de me abrir. Apesar de toda minha contribuição ao jornalismo, à literatura, as pessoas ainda preferem dar um peso maior à futricagem, às maledicências. Há pouco, acompanhei a minissérie Desejo e o que vi foi degradante.

Você assistiu à minissérie? Como?

Desde que aquele gaúcho, o Werner Schünemann, assumiu o Ministério da Comunicação aqui no nosso lar, o acesso às tecnologias de comunicação ficou muito maior. Temos notebook, internet, 3G, wireless, TV a cabo. Note que minha linguagem está moderna. Incorporei até algumas gírias. Não vi Desejo em sua exibição original, apenas a reprise no Canal Viva.

E por que achou degradante?

Justamente pelo grande enfoque dado à minha cornitude. Não valorizam o meu trabalho. “Os Sertões” é sucesso internacional. A obra foi traduzida para vários idiomas. Isso muito antes de Paulo Coelho. E tem outra: a produção da minissérie ainda foi muito generosa com a minha ex-mulher. Vera Fischer? Tá maluco? Anna Emília sempre foi muito nota 3, nota 4. Se ela fosse um mulherão, eu teria me preocupado mais com ela. Sempre saí de viagem sossegado, porque sabia que ninguém cobiçaria a minha mulher nota 4. Mas cobiçaram. Neguinho não perdoa.

O trabalho árduo e as longas viagens são a principal razão da vulnerabilidade dos jornalistas?

Sem dúvida. Mas, hoje, pelo que tenho acompanhado, os jornalistas estão mais protegidos.

Mais protegidos? Como assim?

Mais protegidos. Veja o caso daquele repórter da Globo que foi para a Líbia, o carequinha...

Marcos Uchôa.

Esse mesmo. Marcos Uchôa. Note que aquele capacete que ele usa é especial para proteger os cornos. Isso dá segurança ao jornalista que tem de viajar para uma grande cobertura. O cara até levou uma bronca do Bonner quando estava sem o capacete.

Mas a cornitude é um problema ainda comum na imprensa brasileira.

O que mudou muito é a questão da aceitação. Hoje, os jornalistas aceitam mais a cornitude. Na minha época, a gente chamava para o duelo, tinha aquela coisa de limpar a honra. Hoje, o sujeito leva um chifre e faz o quê? Vai pro terapeuta? Faz um swing com o Ricardão? No meu tempo, havia um engajamento muito mais forte da imprensa contra o chifre.

Eu também fui vítima deste problema e, embora não tenha chamado o Ricardão para o duelo, não aceitei a minha cornitude numa boa. Sei que é uma questão bem complexa. Mas, hoje, consegui superar o chifre. Imagino que você, Euclides, também já superou este trauma, não?

Meu caso é mais difícil, porque tem sempre gente lembrando. Aqui mesmo no nosso lar, neguinho ainda me sacaneia. Tô na fila da reencarnação há mais de 50 anos, mas a minha senha ainda não foi chamada. Acho que só assim para o meu pesadelo acabar.

Quando reencarnar, toparia voltar como jornalista?

Fica complicado voltar como jornalista nos dias de hoje porque as grandes matérias que eu gostava de fazer não existem mais. Seria um retrocesso. E a proposta da reencarnação é a evolução.

Que dicas daria aos jornalistas para evitar o chifre?

Por mais que uma grande dedicação ao trabalho seja necessária, nunca esqueça de dar atenção à sua mulher, mesmo que ela não seja uma Vera Fischer. Uma Vera Fischer no auge, digo. Ligar para casa antes de chegar também é de bom-tom. Mas não adianta ligar quando já está chegando. Pelo menos, uma meia hora antes. O que os olhos não vêem a testa não sente. Outra coisa: caso a sua mulher não seja jornalista, não fique falando o tempo todo de trabalho com ela, porque isso, Duda, com o perdão da palavra, é chato pra cacete.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Diploma, dois anos na marginalidade


Há dois anos o diploma de jornalismo perdeu o seu valor. Caiu na bebida, tentou o suicídio. Acabou na gaiola do passarinho. Agora, ele reaparece para esta entrevista polêmica e cheia de sensacionalismo, concedida com exclusividade ao blog Desilusões perdidas.


Como tem sido sua vida nesses últimos dois anos?

É difícil você ser valorizado por décadas e, de uma hora pra outra, descobrir que não serve mais. Se não for numa redação, onde eu vou trabalhar com dignidade? Vou confessar pra você que passei necessidade. Muito amigo sumiu, inclusive gente de sindicato.

O que faz para sobreviver?

Nem eu sei como sobrevivo, ainda mais com quatro bacuris lá em casa pra criar. Faço bico, de toalha plastificada de mesa, forro gaiola de passarinho. Mas é complicado. Você sabe o que é ficar todo sujo de bosta de calopsita?

Algum rancor do doutor Gilmar Mendes?

Como bom cidadão, eu respeito qualquer decisão da Justiça, mas não vou negar que esse filho-da-p### fod## a minha vida. Vamos falar a verdade. Meu amigo, se hoje estou na marginalidade, bebendo pra cara###, a culpa é desse filho-da-p###.

É verdade que você tentou o suicídio?

Num momento de muita fragilidade eu quase fiz uma bobagem, sim. Pensei em pegar uma tesoura e me picar todinho. Eu já tinha perdido quase toda a minha fé. Foi quando eu encontrei alguém muito especial, que está iluminando o meu caminho, alguém que eu já tenho no coração.

Você encontrou Jesus?

Não, não foi Jesus, eu encontrei o diploma de datilografia. Anos atrás, o cara ficou na pior pela mesma razão, a barra pesou pra ele. Mas aprendeu a lidar com o vazio existencial. E está me ensinando muita coisa bacana. Camarada mesmo.

Alguns grupos ambientalistas pedem a entidades de ensino superior do Brasil que comecem a emitir o diploma de jornalismo em papel semente para que o graduado possa plantá-lo tão logo se forme. O que acha dessa idéia?

Acho legal ser responsável com a natureza, mas não pro meu lado. Essa coisa de virar plantinha seria mais uma humilhação pra mim. Esses ambientalistas deviam se preocupar com assuntos mais importantes, como o peido da vaca.

Você tem acompanhado a sua PEC no Congresso?

Estou meio desanimado com essa minha PEC. Meu lobby no Congresso tá mais fraco do que carro 1.0 subindo a ladeira.

Como mudar isso?

Sem o apoio da mídia, é impossível ter alguma perspectiva boa. É por isso que eu agradeço muito a oportunidade desta entrevista. Tenho batalhado também alguma coisa com as produções da Sônia Abrão e da Luciana Gimenez. Se eu puder expor meu drama no Superpop, acredito que muita gente possa me ajudar.

Uma mensagem final, por favor.

O diploma de datilografia sempre me diz que nessa vida tem espaço pra todo mundo. Eu acho que eu ainda posso dar muito de mim para o jornalismo e peço aos jovens estudantes que não me abandonem. Tá cheio de diploma por aí pagando de bonitinho, outros se prostituindo por qualquer curso de dois anos, mas a minha proposta ainda é séria, tá certo? Isso é importante ficar claro. E... eu também queria... eu... bom, acho que é isso... desculpa, gente... eu prometi pra mim mesmo que não ia chorar, mas... Sério, gente, desculpa...

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

10 dicas para uma boa cobertura de carnaval


1. Seja na avenida, num baile de salão ou atrás de um trio elétrico, tente fugir das perguntas óbvias quando for entrevistar um folião. Pelo amor de Deus, nada de “muita emoção?” ou “curtindo o carnaval?” ou ainda “e essa energia tem hora pra acabar?”.

2. Evite os personagens manjados, como o gari que samba feliz; o rapaz que sofre para empurrar o carro alegórico, mas faz isso pelo amor à escola de samba; ou a tiazinha gorda na arquibancada do sambódromo que não perde o pique apesar da chuva.

3. Entrevistar um carnavalesco não é missão fácil. Para se ter uma dimensão da encrenca, esse povo tem o ego maior do que o de nós, jornalistas. Seja cauteloso nas perguntas para não magoá-lo e correr o risco de presenciar um dos maiores pitis de sua vida.

4. Se for entrevistar (sub)celebridades em bailes, na concentração ou em camarotes de cervejaria, cheque o nome da pessoa antes de entrar ao vivo na TV. E fale apenas com gente interessante. Não caia naquela lorota dos “projetos artísticos sigilosos”.

5. Não se revolte se esbarrar numa Carla Perez trabalhando como repórter ao seu lado. Pensamentos ruins, como “nosso diploma não vale nada mesmo” ou “poderia ter gastado a grana da faculdade numa lipo”, vão atrapalhar a sua concentração.

6. É fundamental ter cuidados com a voz. Fazer perguntas gritando, em meio ao barulho, deixa qualquer um rouco. Neste caso, não é considerada prática antiética levar a boca para bem perto da orelha do entrevistado. Mas sem enfiar a língua, ok?

7. Prepare-se para todo tipo de adversidade – chuva, sol, altos decibéis de música sem parar, cheiro insuportável de mijo nas ruas, cantadas de baixo nível e, claro, piadinhas como “aí, jornalista, trabalhando no carnaval! Se fodeu, hein?”.

8. No dia da apuração do bloco especial, é conveniente trabalhar com protetores de cabeça e maxilar (como os de pugilistas). Apuração é sempre aquela briga e tumulto de repórteres querendo falar com o presidente da escola campeã ou rebaixada.

9. Se você odeia samba ou axé, cobrir o carnaval ouvindo rock no MP3 player é uma ótima dica. Só não esqueça de tirar os fones do ouvido na hora de uma entrevista. Uma desintoxicação pós-festa (não ouvir Ivete Sangalo durante a quaresma) também é uma boa.

10. Se você é casado e terá de trabalhar os quatro dias, nada de ficar ligando pra casa a todo o momento pra saber se sua mulher ou seu marido está se comportando. Relaxe! E por que não prestar atenção naquela diabinha safada ou no bombeiro musculoso? Afinal é carnaval.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Todo mundo virou jornalista!


Com o fim da obrigatoriedade do diploma de jornalista, muita gente de outras áreas passou a exercer a profissão, sem qualquer qualificação. Clássicas técnicas de entrevista, por exemplo, têm sido substituídas por métodos nada ortodoxos de busca pela informação. O blog denuncia alguns casos mais assustadores.

A moça do telemarketing

- Eu gostaria muito de poder estar entrevistando o senhor. O senhor teria um minutinho para poder estar respondendo algumas perguntas?

- É rápida essa entrevista, querida? É que eu tô no trânsito.

- Super-rápida, senhor. Para a sua segurança e para a minha também, gostaria de estar informando que a entrevista estará sendo gravada. Tudo bem?

O médico

- Você vai me desculpar, mas o que as cirurgias que eu já fiz ou os casos de hipertensão arterial na minha família têm a ver com a minha trajetória artística, musical? Você pediu para fazer o meu perfil profissional ou uma anamnese?

- Fica calmo, são só perguntinhas de rotina. Fumante?

A prostituta

- Alô, Sharon? Tá a fim de um frila bom? Mas, escuta, desta vez é cobertura completa, ok? Apuração, redação, texto final, fotos e até legenda de fotos. Topa?

- (mascando chiclete). Claro que topo, editor. Só que a completa, você sabe, é mais cara.

O jogador de futebol

- Você foi convocado pra reforçar a editoria de política nas eleições. Bem-vindo!

- Obrigado, professor, quer dizer, editor. A gente tá vindo pra somar e a editoria tá unida e espera fazer uma grande cobertura.

- Ah, serão 64 dias de trabalho na redação. Sem folga.

- Sem folga? Sério que rola concentração aqui também?

O assaltante

- Vai passando a informação, vai passando a informação! Rápido, porra! Eu quero o lead inteiro, vai! O que, quem, quando, onde, como e por quê! Tá demorando!

- O “como” e o “por quê” eu não tenho.

- Como não tem?

- Não tenho. Eu juro!

- Qué morrê? Passa logo o lead inteiro, porra!


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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Entrevista


A lembrança da briga com o namorado vem à cabeça, mas ela logo esquece. O assessor de imprensa ao lado parece não existir. É atenção total no entrevistado. Que fala e fala e fala. Quase sem pontos, quase sem vírgulas. A repórter faz anotações no velho bloquinho, com espiral que insiste em fugir pelos cantos. Mão agitada. Letra miúda que cresce. Rasteja. Da esquerda pra direita, de cima pra baixo, em linhas imaginárias. Riscos, rabiscos. Registros cifrados. Palavras que morrem pela metade. Ai, meu Deus, que garrancho! Enche uma página. Vira pra outra. E mais outra. Com dedos ágeis. Olha pro entrevistado. Pro bloquinho. Pro entrevistado. Pro bloquinho. Ã-hã! Hmmm hum... A caneta falha. Droga! Vai me deixar na mão bem agora? Bic azul, quase seca, de tampa amolecida a dentadas. Mais perguntas. Copo de água gelada. O senhor tem uma caneta pra me emprestar? Mico. Jeito sério, pra impor respeito. Sei, compreendo, perfeito, claro, lógico. Não é “pra mim fazer”. É “pra eu fazer”. Agora o entrevistado fala de um assunto desconexo. Ela tem um olhar fixo e perdido pros lábios dele. O assessor continua lá, invisível, empalhado. A repórter dá uma viajada. Lembra vagamente do namorado safado. Acorda. Vasculha o roteiro de perguntas. Essa já foi. Essa também. Morde a unha. Será que vai dar tempo de fazer mais uma? Tem que dar tempo! Ainda falta a melhor, aquela certeira, de tocar na ferida, de quebrar a perna de entrevistado.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

A vaidade do entrevistado


Janice estava ansiosa para saber se tinha ficado bem na foto. Morria de medo de parecer feia, velha, gorda. O texto não importava tanto, mas a foto era essencial. Deveria ligar ou não? Se ligasse, poderia bancar a chata. E detestava ser desagradável. Não, não ligaria. Mas, analisando por um outro lado, se ligasse, sossegaria o espírito. Pegou o celular.

- Oi, Pablo, tudo bem? É a Janice.

- Janice?

- É, Janice. Nos falamos anteontem. Lembra?

- Na Rua Augusta? Sim, você é a menina da minissaia dourada, coxa grossa...

- Nããão! Eu sou a fisioterapeuta. Fui indicada pela minha amiga Andréa, que trabalha com você. Você me entrevistou para a matéria sobre mulheres que, após o fim do casamento, recorrem à companhia de animais de estimação para superar o trauma.

Pablo ficou constrangido com a confusão, mas logo retomou a conversa.

- Sim, sim, Janice, claro, a que conversa com os cinco poodles que tem no apartamento.

- Exatamente, Pablo! Todas as tardes. Eles são os meus queridos!

- Em que posso ajudá-la, Janice?

- Então, eu sei que devo parecer chata, mas eu queria saber quando vai ser publicada a reportagem. Eu comprei o jornal de ontem, o de hoje e notei que não saiu nada.

- Janice, deixa eu te explicar uma coisa: jornal é meio maluco. A gente nunca sabe quando algumas matérias vão sair, principalmente as matérias frias.

Pablo aconselhou Janice a comprar as edições dos dias seguintes até encontrar a matéria e tratou logo de encerrar o papo.

Janice não gostou da conversa. Sentiu-se uma idiota. Não devia mesmo ter ligado. Ficou ainda mais ansiosa. E, além de tudo, foi confundida com uma puta brega da Augusta. E essa história de comprar o jornal todo dia? É estratégia de marketing, com certeza. Esses caras fazem de tudo para vender jornal.

Mesmo indignada com a imprensa escrota que ilude pessoas de bem como ela só para comprarem jornal por toda a eternidade, Janice garantiu a edição do dia seguinte e dos dias seguintes ao seguinte. E nada. Sentia-se um lixo. A foto dela deveria ter ficado uma merda. Sim, eles resolveram jogar a matéria no lixo porque a foto ficou uma merda. Foi exatamente um dia antes de ela retocar a marroquina. Deveria ligar para o jornal e oferecer uma imagem de seus álbuns particulares? Poderia escolher a melhor de todas, uma bem bonitona, com cabelos escovados, em alta resolução. Sim, mandaria a foto da viagem que fez para Serra Negra, com um dos poodles. Mas depois mudou de idéia. Pareceria ainda mais idiota. Era melhor esquecer essa bobagem toda.

Justamente na manhã seguinte, em que não correu feito louca até a banca, acordou com uma mensagem em sua secretária eletrônica. Era uma amiga, perguntando se a Janice de Souza que apareceu na matéria do jornal era ela mesma. Claro que era ela. Será que ficou tão irreconhecível assim na foto? Apressou-se em chegar ao jornaleiro. Lá, pegou um exemplar em exposição, procurou o caderno, a página, a matéria. Jogou o resto no chão.

Cadê a foto? À “fisioterapeuta Janice de Souza, 44 anos” – “43, porra!” – foram reservadas poucas linhas. E nenhuma foto. Havia fotos de outras duas personagens, uma loira gostosona com um golden retriever e uma morena gostosona com um gato siamês. Mas nenhuma dela. Soltou o resto do jornal que estava em suas mãos no chão e foi embora, chorando. Naquela tarde, não conversou com os poodles.


Leia também: "A mentira que a vaidade do jornalista quer"

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Entrevistados


Não gosto dos entrevistados escorregadios. Dos que respondem a uma pergunta com outra pergunta. Dos que adoram mudar o rumo da prosa. Dos mal-humorados. Dos mal-educados. Dos enrolados. Dos que precisam urgentemente de um media training. Dos que ligam para o editor para pedir a cabeça de um repórter. Dos que desejam intimidar com ameaças baratas. Dos que tentam seduzir com presentes caros. Dos que pedem para aprovar um texto antes da publicação. Dos que ficam perguntando quando vai sair a matéria. Dos que pedem para colocar uma foto bem bonita deles na capa. Dos que insistem em guiar a entrevista. Dos que seguram o microfone na mão do repórter. Dos que me dão chá de cadeira. Dos que agendam um encontro e não aparecem. Dos que me atendem em movimento. Dos que vivem com a agenda lotada. Dos que vivem com o celular na caixa postal. Dos que estão sempre numa reunião importante quando os procuro por telefone. Dos que me brindam com uma informação bombástica e, depois, me pedem off. Dos que mentem. Dos que nunca me dizem o que eu realmente quero ouvir. Dos que falam menos que o seu assessor de imprensa. Dos que não falam. Dos que falam muito, mas não dizem nada.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Foi bom pra você?


Relato de um jovem a Duda Rangel.

Chega o tão sonhado dia. Minha primeira vez, aos 22 anos. Não posso falhar. Esperei tanto por isso. A mulher ao meu lado, com o dobro da minha idade, esbanja experiência. Sorridente, segura. Estou ansioso. Que puta frio na barriga! E se eu travar na hora H?

– Faltam três minutos, grita o produtor.

Meu primeiro link. A entrada ao vivo na TV é um desafio radical para um repórter iniciante. Leio minhas anotações no papel. Arrumo o nó da gravata pela décima vez. A entrevistada percebe a minha apreensão. Tenta me acalmar. Não estou tenso, estou muito tenso. Quero dizer, estou cagando de medo. E se eu engasgar quando falar? E se me der um branco? Revejo minhas anotações. Repasso as perguntas que farei para ela. Bate uma vontade louca de ir ao banheiro. Não tenho mais tempo.

– Faltam dois minutos, grita o produtor.

O ambiente também está carregado. O sinal da transmissão oscila. Pode cair a qualquer momento. Testo o som com o estúdio. O retorno está fraco. Por que não fui trabalhar em jornal impresso? A mulher ao meu lado continua sorridente. Já deu muitas entrevistas ao vivo. É só um telejornal regional, penso. Não vou pagar mico para o Brasil inteiro. Com um pequeno espelho, dou uma última olhada no meu visual. Encontro um pelinho tentando fugir do nariz. Desgraçado! Com o dedo molhado em saliva, o coloco para dentro de novo. Aproveito para despachar algumas caspas do meu terno.

– Falta um minuto, grita o produtor.

Meu momento está chegando. Torço para que nenhum engraçadinho passe atrás de mim para aparecer na TV. Concentração total. Acerto a gravata pela décima primeira vez. O retorno melhora. Me posiciono ao lado da entrevistada. É preciso relaxar, apesar da vontade louca de ir ao banheiro.

– Faltam 30 segundos, grita o produtor.

Não há mais tempo para angústia. Agora vai. O sinal está OK. Dou aquela tossidinha básica para mostrar que estou pronto. Conto até 10. O apresentador me chama. Hora de entrar em cena. A entrevista é rápida, rola numa boa. Sem brancos, sem falhas na hora H. Fora do ar, a mulher elogia meu desempenho. Me sinto o fodão do pedaço. Imagino até que estou fumando um cigarrinho ao lado dela depois do link. Foi bom pra você?

sexta-feira, 26 de março de 2010

Manual de etiqueta para jornalistas em coletivas de imprensa


1) Quando chegar atrasado a uma coletiva, não encha o saco dos colegas para saber o que já aconteceu de interessante. Você vai ficar com fama de mala. Da próxima vez, acerte melhor o relógio suíço que você comprou no camelô por cinco Reais.

2) Em coletivas pela manhã, mesmo que você esteja morrendo de fome, nunca ataque a mesa do brunch antes do final da entrevista. Se não resistir, seja sutil: maloque um croissant por baixo da mesa, segurando-o em um guardanapo.

3) Se for rolar almoço e você descobrir que o cardápio é filé mignon ao molho madeira, cuidado para não soltar um “Caralho, filé mignon ao molho madeira de novo?”. É uma indelicadeza. Saiba que esta pode ser a principal (ou até mesmo a única) refeição do seu dia.

4) Se cada jornalista tiver o direito de fazer apenas uma pergunta, não tente dar uma de malandro e emendar cinco questões em uma só. Até porque o entrevistado não vai se lembrar das abobrinhas que você falou no começo da pergunta.

5) Se não tiver porra nenhuma de relevante para perguntar, fique de boca fechada. Sente lá no fundão e faça cara de conteúdo.

6) Se a coletiva for longa e bater aquele puta sono, não durma. Tente se distrair de alguma forma, brincando de tetris no celular ou, no caso dos homens, olhando para a bunda das meninas que trabalham em TV.

7) Se a coletiva for com algum famosão, tipo estrela do cinema ou de uma banda de rock, controle-se para não parecer mais um fã do que um jornalista. Nem pense em pedir um autógrafo para depois rifá-lo entre os amigos de redação e descolar uma grana.

8) Lembre-se de que jornalistas gestantes, idosos, sem carteira assinada ou que ganham o piso de cinco horas NÃO têm preferência na hora de fazer a pergunta.

9) Quando acabar a coletiva, não embarque no empurra-empurra de repórteres que querem se aproximar do entrevistado para fazer uma pergunta exclusiva. É mais fácil você tomar uma microfonada na orelha do que conseguir um furo numa coletiva.

10) Se o entrevistado for grosseiro ao responder sua pergunta, não discuta com ele. Nem prometa pegá-lo na porrada na saída do evento ou publicar uma matéria caluniosa.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Clássico é clássico. E vice-versa


Se você é jornalista esportivo e um dia não puder, por falta de tempo ou de saco, entrevistar um jogador de futebol, não se preocupe. O blog preparou uma lista de frases feitas (e naturalmente idiotas) que sempre são ditas por jogadores. Use-as sem medo de errar! Em tempo: o título do post é uma homenagem ao ex-centroavante Jardel, grande pensador!

Quando o jogador perde um jogo
“O time inteiro se esforçou, todo mundo correu muito, mas, infelizmente, não deu para conseguir o resultado positivo hoje. O importante agora é levantar a cabeça, ver naonde (sic) a gente errou e seguir trabalhando duro nesta semana.”

Quando o jogador ganha um jogo
“O time inteiro se esforçou, todo mundo correu muito e, felizmente, conseguimos o resultado positivo, que são os três pontos. O grupo todo tá de parabéns! O importante agora é seguir trabalhando duro nesta semana.”

Quando o jogador é contratado por um novo clube
“A gente tá vindo para um grande clube naonde (sic) todo jogador sonha em jogar e a gente tá preparado para ajudar os companheiros a ganhar os títulos. A minha principal característica? Tenho muita raça e prometo dar o máximo de si (sic) e muitas alegrias para essa torcida maravilhosa.”

Quando o jogador se concentra para um clássico
“O time tá bem preparado, focado no jogo de domingo e vai buscar o resultado positivo, que são os três pontos. São dois grandes times, dois excelentes treinadores, respeitamos o adversário e é aquela velha história: em clássico, não tem favorito.”

Quando o jogador perde no início da temporada
“O time sentiu muito este início de temporada. A equipe tá sem ritmo de jogo, porque quase não jogamos ainda. E o preparo físico tá bem abaixo do ideal.”

Quando o jogador perde no fim da temporada
“O time sentiu muito este fim de temporada. O time tá num ritmo de jogo muito forte, cansado, jogamos muitas partidas este ano.”

Quando o jogador é expulso
“Eu não fiz absolutamente nada. Vocês viram. O adversário que colocou a cara no meu cotovelo. Mas eu conheço esse juiz, ele é mal-intencionado. E o pior é que a gente não pode xingar esse filho-da-puta, porque acaba sendo prejudicado no tribunal.”

Quando o jogador ganha um título
“Acho que esse título é para calar a boca de muita gente que não acreditava na nossa equipe. Falaram muita merda o ano inteiro, que o time tava desunido, sem vontade de jogar. Tá aí a nossa resposta. O grupo todo tá de parabéns, o professor, que sempre motivou a gente, também. Agora é seguir trabalhando, quer dizer, agora é descansar um pouco.”

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Entrevista com o Doutor – parte final


Para quem ainda não leu a primeira parte, é só clicar aqui.

A Felizarda seguiu com o Doutor para uma sala da redação reservada a entrevistas, reuniões de pauta e eventuais barracos a portas fechadas. O problema é que a sala era toda de vidro e ficava fácil para as mulheres do lado de fora bisbilhotarem a dupla. Mal havia começado a entrevista e a Invejosa já havia tomado uns três cafés ali perto do vidro. O que mais irritou a Felizarda, contudo, foram as invasões da sala. A Recepcionista ("que vadia!") interrompeu a entrevista por duas vezes, a primeira para oferecer água e a segunda para oferecer chá ao Doutor. A Casada entrou outras duas vezes, a primeira para saber se estava tudo bem por lá e a segunda também para saber se estava tudo bem por lá.

Fora estes pequenos aborrecimentos, a entrevista transcorreu sem grandes problemas. A Felizarda ligou o gravador e o deixou bem pertinho do Doutor. Queria qualidade máxima naquela voz. A noite na banheira prometia. Como a Felizarda acumulou um vasto conhecimento sobre o tema (ah, quantas horas de pesquisa!), fez perguntas interessantes. A conversa teve fluidez e impressionou o Doutor, que elogiou o nível de informação da Felizarda. Ela fingiu um sorriso encabulado e convenceu-se de que a estratégia adotada (decote sem pudor + conhecimento) estava dando certo.

Era quase início da noite da sexta-feira quando a entrevista acabou. A Felizarda acreditava que a redação já estivesse vazia, mas ninguém havia arredado o pé de lá até o momento, principalmente a Invejosa, colada ao vidro e com seu oitavo ou novo copo de café nas mãos. O Doutor levantou-se, deixou seu cartão com a Felizarda e preparou a despedida.

- Ficou alguma dúvida?, perguntou ele.

- Nenhuma! Tudo compreendido!, respondeu a Felizarda.

- Que pena! Eu iria me colocar à sua disposição para solucionar qualquer dúvida. Se quisesse ligar depois para checar alguma informação...

- Bom, a gente sempre tem dúvida, né? Quem não tem dúvida? Posso não ter dúvida agora, mas com certeza vou ter dúvida depois, quando eu estiver ouvindo a fita na minha ban..., na minha bancada do escritório!

- Então, vou esperar você ter sua dúvida. Pode ligar mesmo no sábado, viu? Estarei em São Paulo neste fim de semana, sozinho.

A Felizarda acompanhou o Doutor até a saída da redação com um andar triunfante. Cruzou o ambiente sem medo, desprezando aquela mulherada que parecia fazer um corredor polonês. Tinha agora outra certeza: perguntas inteligentes numa entrevista podem não render uma promoção ou um aumento de salário; elas podem render muito mais!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Entrevista com o Doutor


Parecia que a redação pegaria fogo naquela tarde. Algo sensacional estava para acontecer e não era aumento de salário. A revista sobre medicina e saúde, que tinha uma equipe formada basicamente por mulheres, esperava pela chegada do Doutor, um homem respeitadíssimo em sua área de atuação, charmoso, elegante (médico de terno e gravata é tudo de bom, diziam elas), solteiro e, principalmente, heterossexual. Ele tinha uma entrevista com uma repórter, a Felizarda, para a matéria de capa da edição seguinte. O Doutor, consultor da revista, era simpático e fazia questão de ir à redação para a entrevista.

A Felizarda, também solteira, colocou a melhor roupa (de decote nada sutil), o melhor perfume e rascunhou as perguntas mais inteligentes sobre o tema da entrevista (ah, quantas horas de pesquisa!). A Casada, editora da revista, era também só luxo e despudor naquela tarde, afinal era outra apaixonada pelo Doutor, homem bem mais atraente do que aquilo que ela tinha em casa. A única pessoa que não estava feliz era a Invejosa, também repórter, que fez de tudo para ficar com a pauta, mas não conseguiu. Quando a Felizarda disse que o Doutor parecia o José Mayer, a Invejosa retrucou na hora, justificando que o José Mayer estava um velho decadente. A Felizarda explicou então que não se referia ao José Mayer de hoje, mas ao de uma novela antiga, quando ele fazia o papel do médico gostosão.

As mulheres daquela redação, quase todas solteiras ou separadas, estavam encalhadas e suspiravam pelo Doutor. Mereciam a sorte grande! Não entendiam por que a vida era tão ingrata com elas. Eram jornalistas maduras, inteligentes, descoladas, sem preconceitos na cama, evoluídas espiritualmente (todas faziam meditação) e preocupadas com uma alimentação natureba e com a beleza. O único homem por perto era o Estagiário que respondia aos e-mails dos leitores, bonitinho até, com certeza tinha um pau bem duro (o que é muito importante, é claro), mas usava o dia inteiro aquele maldito boné. Jornalistas maduras, inteligentes e descoladas não trepam com garotos de boné, acreditavam todas.

A Felizarda costumava fazer as entrevistas com um bloquinho de anotações (tinha uma mão ágil), mas para a entrevista com o Doutor ressuscitou o velho gravador. Imaginou-se decupando a fita naquela mesma noite, deitada na minúscula banheira de seu apê, com sais de banho franceses e velas ao redor. A voz do Doutor era sedutora, mesmo falando de “procedimentos” e outros jargões médicos. A fita acabaria e ela continuaria na banheira (com os sais, as velas e a sua mão ágil com dedos ainda mais ágeis), ouvindo a voz do Doutor e fantasiando que ele lhe proporia outros procedimentos, nada médicos.

Os delírios da Felizarda foram interrompidos pela entrada triunfal do Doutor na redação, conduzido pela Recepcionista, a jovem gostosinha que representava uma grande ameaça a todas aquelas jornalistas maduras, inteligentes e descoladas. A Recepcionista era, logo, uma vadia! A única pessoa que não se abalou com a chegada do Doutor foi o Estagiário que, com seu boné, não tirou os olhos da tela do computador. A Casada logo se levantou da cadeira para dar as boas-vindas ao Doutor. A Invejosa rangeu os dentes de raiva e a Felizarda abriu um sorriso, com uma única certeza: o Doutor estava mais do que nunca a cara do José Mayer, o da novela antiga, quando ele fazia o papel do médico gostosão.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Clô e os sonhos para 2010


Cercado por jornalistas em Brasília, o então deputado federal Clodovil Hernandes procura justificar sua declaração de dias antes de que a também deputada Cida Diogo jamais poderia trabalhar como prostituta por sua ausência de beleza. “Eu tenho culpa que ela nasceu feia, gente?”

Por estas e outras, Clô, mesmo já tendo passado desta para uma pior, foi o grande vencedor de nossa última enquete – Qual o entrevistado perfeito para uma matéria bem polêmica? – com 36% dos votos, superando fortes rivais como Caetano Veloso e FHC, que acabaram empatados com apenas 12% cada um.

Imaginei como seria uma entrevista psicografada com o Clodovil. Logo na primeira pergunta – Como está sua vida após a morte? –, já rolaria uma declaração polêmica: “Meu amor, estou odiando isso aqui. Muita gente sem educação, exagerada, gente que não sabe arder no fogo sem gritar. E como tem gente picareta também, está pior que o Congresso Nacional. Também não gostei do anfitrião, um sujeito de péssimo gosto. Ninguém mais usa aquele tridente cafona, nem em baile de carnaval de subúrbio. E o calor? Aqui, eles não sabem o que é ar-condicionado! Ai, meu amor, que saudade do vento fresco de Ubatuba...”

A próxima enquete já está em ritmo de Ano Novo. Como dizem que sonhar não custa nada, sonhemos. O que você, como jornalista, espera de 2010? Bons sonhos!

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Obrigado, meu povo!


Uma combinação de admiração pelos meus textos e piedade (aliás, mais piedade) foi a resposta do público à questão Você compraria um livro com as histórias do Duda Rangel?, tema da última enquete. As alternativas "Sim, por que não dar uma chance a um pobre jornalista desempregado?" (50%) e "É claro, será um novo clássico da literatura mundial" (46%) quase emplacaram uma vitória unânime do "sim". Com os olhos lacrimijantes, queria agradecer a meus leitores o apoio!

Terminada a pesquisa, um amigo já me perguntou: “E aí, Duda, o que é mais fácil: você publicar o seu livro ou a moça da Uniban sair pelada na Playboy?”. Respondi que, se a oferta financeira da Playboy à moça for razoável (não precisa ser nem boa nem ótima), a segunda opção tem mais chance de virar realidade. Mas confio também no meu taco. Agora, com o apoio popular, sinto-me mais forte para contar minhas aventuras em livro.

Já vou começar a trabalhar duro para lançar o livro em 2010. Prometo não decepcioná-los e prometo também brigar para que a editora (será que alguma vai se interessar pelo meu projeto?) cobre um preço bem popular, afinal o público-alvo é formado basicamente por jornalistas. De repente, posso até pensar numa promoção, do tipo “Compre um livro do Duda e ganhe outros dez para distribuir para os amigos”.

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A nova pesquisa quer saber quem é o entrevistado ideal para o jornalista que busca uma matéria polêmica. Para responder a esta pergunta, não vale pedir ajuda à produção do programa da Luciana Gimenez, hein? As opções vão de Caetano, especialista em tombos e declarações bombásticas, ao rei Pelé. Entende?

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Jogo rápido


Um pingue-pongue sobre vida profissional e pessoal com um colega do jornalismo diário.

Um sonho: Escrever a matéria da minha vida, digna de prêmio.
Uma alegria: Chegar em casa tarde e encontrar minha mulher sozinha na cama.
Um medo: Que o editor filho-da-puta cancele minha folga.
Não saberia viver sem: A máquina de café da redação.
Uma mania: Reescrever o título das matérias dez vezes.
O que mais te irrita: Ligação de assessor de imprensa na hora do fechamento.
Uma ambição: Pagar todas as contas até o final do mês.
Uma virtude: A paciência. Há anos espero pelo plano de carreira do jornal.
Um defeito: Às vezes escrevo demais.
Deus: O cara que criou o céu, a terra e as estagiárias.
Diabo: O cara que criou o pescoção.
Um filme: Corra que o passaralho vem aí 3.
Uma música: Forró do Diploma (Você não vale nada, mas eu gosto de você).
Um livro: A Imprensa Livre, do poeta maranhense José Sarney.
Um blog: Desilusões perdidas, do Duda Rangel.
Um ícone da imprensa: Tenho dois: Duda Rangel e Zé Bob.
Família: É a base de tudo, para quem eu sempre peço dinheiro emprestado.
Filhos: Ainda não tive tempo de fazê-los.
A viagem dos sonhos: A que o caderno de Turismo me mandar.
Uma noite inesquecível de sexo: Não me lembro agora.
Uma frase: Em redação de jornalista PJ, quem tem carteira assinada é rei.
Jornalista é: Um louco, apaixonado pela profissão.
Em sua lápide estará escrito: Morreu na merda. Mas feliz.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Entrevista com o Torresmão


Um amigo, competente repórter policial, chegou ao boteco especialmente eufórico naquela noite. No dia seguinte, faria uma entrevista exclusiva e inédita com o chefão do crime organizado, Wellington Pereira, o Torresmão. O bandidão era um excelente homem de negócios e famoso pela violência, o tipo clássico que, quando criança, teria sido capaz de matar os próprios pais só para ir ao baile dos órfãos. Talvez até tenha feito isso. O Torresmão era metido com o tráfico de drogas, armas, prostituição. Ah, e torcia pelo Corinthians.

O papo seria no QG do Torresmão, que ficava em algum lugar que ninguém conhecia. Foram meses e meses de negociação com o Silvinho de Assis, o Azeitona, bandido que acumulava a função de assessor de comunicação da organização. Em tempo: o Azeitona não tinha diploma de jornalista.

- Duda, vai estar todo mundo lá, disse o meu amigo. O Valdenir de Souza, o Cabeção, é o cérebro do grupo, o cara do planejamento, da logística e tal; o Paulo Cordeiro, o Paulinho Motoserra, é o responsável pelo departamento de execuções; o Gilbertinho Assunção, o Beringelão...

Ensaiei perguntar por que “Beringelão”, mas desisti.

A entrevista estava cercada de mistério. Meu amigo encontraria com membros do bando em uma estação de metrô. De lá, seguiria com os olhos vendados em um carro até o QG do Torresmão. Parecia até uma entrevista com o chefão de um daqueles grupos terroristas árabes que bombam por aí.

Antes de o papo começar, o Azeitona, eficiente assessor de comunicação, avisou que já havia levantado todas as informações pessoais do meu amigo. Sabia até onde sua filhinha estudava. A recomendação era para não vacilar. Apesar do tom ameaçador do início, a entrevista foi tranqüila. O Torresmão falou da estrutura empresarial de sua organização, das propinas que pagava aos policiais, filosofou, comentou futebol. Disse até que gostava dos jornalistas porque muitos eram seus clientes mais fiéis de pó.

Ao fim da entrevista, o Azeitona fez um sinal com a cabeça para o Torresmão, que anunciou então sua última exigência. Queria ler toda a matéria antes de ser publicada. Meu amigo, que em toda sua carreira jamais deixara alguém cometer tamanha afronta, ficou indignado. Se nem ministro de Estado interferiu em seu trabalho, não seria um bandido, um vagabundo daqueles que faria isso. Olhou o Torresmão nos olhos e disparou:

- Quer que eu mande por e-mail ou por fax?

segunda-feira, 23 de março de 2009

Quando o Márcio Garcia não é uma roubada


Fim de um dia exaustivo, você trabalhou como um camelo, várias pautas. Você só pensa em ir para casa, ficar jogadão no sofá, desencanado do mundo. Quer evitar qualquer esforço intelectual. Acha ótima a idéia de assistir à novela da Globo. Mas, quando você está deixando a redação, naturalmente à francesa, surge uma cruel pauta de última hora.

Rebelião no cadeião central, vários reféns, incêndio, a polícia toda mobilizada. Você recebe a missão de checar por telefone o que está rolando e, logo depois, dar um pulo no local da confusão para sentir o clima. Você tem vontade de mandar o seu chefe e todos aqueles criminosos inoportunos para o inferno. O pouco da noite que restava, a ser curtido no aconchego do lar, acabou, assim como o prazer (sim, o prazer!) de ver o Márcio Garcia.

A pesquisa (já encerrada) Qual das pautas é a maior roubada? prometia uma briga acirrada, que foi confirmada na prática. A opção “Pautas que surgem no fim do expediente, quando você já está indo para casa” venceu com apenas 32% dos votos, seguida por “Coletiva de imprensa de lançamento do novo álbum da cantora Kelly Key” (28%) e “Plantão de 12 horas (ócio total) em frente ao prédio do Lula em São Bernardo do Campo num sabadão de sol” (26%).

A nossa próxima enquete quer saber que tipo de entrevistado te deixa mais puto da vida. Sabe aquele cara chato, que cabulou a aula de media training? É deste sujeito mesmo que estamos falando. Bons votos!