terça-feira, 28 de abril de 2009

Putas Assassinas, de Roberto Bolaño


A despeito do que o leitor possa imaginar antes de iniciar a leitura do artigo, Putas Assassinas não é um livro erótico escrito pelo comediante mexicano criador do Chaves. Trata-se aqui de uma singular literatura, escrita por um chileno exilado após o golpe de Pinochet, cujo nome também é (no) singular: Roberto Bolaño. Não é só um s ao fim do nome, contudo, que diferencia Bolaño de seu quase xará mais famoso. Enquanto o trabalho do mexicano tem sido exibido, com relativo sucesso, por décadas na TV brasileira, só agora o chileno se tem tornado um conhecido do leitor tupiniquim.

Putas assassinas é uma ficção auto-biográfica. Ou seria uma auto-biografia ficcional? O fato é que Bolaño parece brincar com o leitor, dando-lhe o míster de escolher o que, dentro das narrativas, é reminiscência e o que é invenção. De todo modo, a impressão que se tem é que os 13 contos que compõem o livro são sua vida de cidadão do mundo - nascido no Chile, viajado por México, França e radicado por fim na Espanha - fragmentada e contada como o que foi ou poderia ter sido. Não há dúvidas, portanto, de que a experiência pessoal foi a base para sua escrita fluida e cosmopolita. É dessa forma que os enredos de Putas assassinas revelam uma história de vida rica e intensa, mesmo para quem se deparou com a morte precoce aos 50 anos.

Em suas narrativas, Bolaño é o fotógrafo homossexual que presencia rituais macabros na Índia. É também o professor que não queria dirigir "uma oficina de literatura em nenhum povoado perdido do norte do México". É B (Bolaño?), um indivíduo recém-chegado a Barcelona que "assiste a uma festa de chilenos exilados na Europa", e é ele próprio na narrativa surreal que encerra o livro.

Toda a obra, ou boa parte dela, tem uma atmosfera nostálgica, em cujo ar encontram-se porções de conformismo e apatia diante de uma vida que, embora intensa, não significou êxito pleno. Isso porque Bolaño talvez tenha sido uma dessas pessoas, não sem razão, amargas e taciturnas, para quem o ato de escrever era catártico. As referências a poetas e à ditadura chilena (e seus subjacentes comentários ácidos) são temas constantes. Estes parecem ser duas das grandes decepções da sua vida, tendo o próprio afirmado que considerava-se poeta em essência e passou a escrever prosa apenas para conseguir legar algum dinheiro aos filhos. Também, intitulava-se um latino-americano, aparentando ter renegado o Chile enquanto pátria, de modo que suas alusões a tal país eram carregadas de ressentimentos.

Outras características, no entanto, podem ser assinaladas nesse excelente livro, que se desloca num fio cujas extremidades são o vulgar e o fantástico. Dado que Bolaño era um escritor que transcendia classificações, seu trabalho em Putas assassinas tem ares muito peculiares, resultado do encontro de uma redação cética, do ponto de vista existencial, e humor invejavelmente perspicaz. Dois contos merecem menção destacada: O retorno e Encontro com Enrique Lihn, que apontam passos pelo realismo mágico. O primeiro é de uma agudeza ímpar e repleto de passagens marcantes, das quais:

"O costureiro, para minha surpresa, gozou se esfregando na minha coxa. Nesse momento eu gostaria de ter fechado os olhos, mas não consegui. Experimentei sensações antagônicas: nojo pelo que via, agradecimento por não ter sido sodomizado, surpresa por Villeneuve ser quem era, raiva dos maqueiros por terem vendido ou alugado meu corpo e até vaidade por ser involuntariamente objeto de desejo de um dos homens mais famosos da França."

O segundo revela um escritor dotado de técnica, por trás da escrita econômica e objetiva. Bolaño aqui é o próprio protagonista, que vai, em sonho, ao encontro do seu contemporâneo e então falecido Enrique Lihn, uma narrativa de único parágrafo e bom exemplo do fluxo de consciência.

Putas assassinas é, além de uma viagem a paisagens estéreis ou tropicais do México, a um Chile imaginário, uma França não tão grandiosa e uma Barcelona "de senso comum", uma jornada pelo psicológico de um dos maiores escritores latinos dos últimos tempos.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

good bye, blue sky

Il suicidio di Lucrezia, Guido Reni

ontem me perguntaram
se eu não tinha opinião
se eu não fumava
se eu não gostava de futebol
se eu não apostava na loteria
se eu não ia à praia
se eu não traía minha mulher
se eu nunca havia enchido a cara
se eu nunca fiz um ménage
se eu nunca briguei na rua

ah, aqueles bastardos
tão resolutos e persuasivos
que esse poema é minha carta de suicídio


segunda-feira, 13 de abril de 2009