E quando agora levantar os olhos deste livro,
nada será estranho, tudo grande.
Aí fora existe o que vivo dentro de mim
e aqui e mais além nada tem fronteiras;
apenas me entreteço mais ainda com ele
quando o meu olhar se adapta às coisas
e à grave simplicidade das multidões, —
então a terra cresce acima de si mesma.
E parece que abarca todo o céu:
a primeira estrela é como a última casa.
nada será estranho, tudo grande.
Aí fora existe o que vivo dentro de mim
e aqui e mais além nada tem fronteiras;
apenas me entreteço mais ainda com ele
quando o meu olhar se adapta às coisas
e à grave simplicidade das multidões, —
então a terra cresce acima de si mesma.
E parece que abarca todo o céu:
a primeira estrela é como a última casa.
Rainer Maria Rilke, in "O Livro das Imagens"
Tradução de Maria João Costa Pereira
Acordo na escuridão e os sentidos são atraídos, cegados pela brancura, o brilho, as pétalas frágeis desvirginando a noite, acendendo desejos e cansaços de séculos. Corre a mansidão da brisa, depois da chuva no dia morno a lembrar outras latitudes.
Falta a terra húmida mais quente, logo o odor a evolar-se dela e a encher-nos as narinas, como ascende aos bichos na chana seca a adivinharem a estação das chuvas que traz a água benfazeja. No possível entremear de silêncios, ouço leves sons na corrente breve que acordou no fundo do valado, quem sabe de regozijo, quem sabe de lamento, chamamento do outro que se foi no levar da corrente.
Quase o som das rãs.
Quase o som dos noitibós.
Não, muito longe disso. Não há olhos a brilhar nem esvoaçar de pássaros.
Quando muito um quase crocitar quando os carros se esquecem de passar, um leve coro de relas talvez, uma brisa mais forte a provocar a resposta das ramadas de eucalipto, dos choupos junto à ribeira além.
É uma hora de paz. Sem jornais, telejornais, debates, maledicências, rostos de sorriso falso, cansado, forçado, beijos(?), abraços(?)apertos de mão sem ver de quem.
Tenho de ir votar neste fim-de-semana, o meu sentido cívico a isso me obriga, ainda que desta vez os dados já estejam lançados, quem for governo terá de cumprir o que já está decidido.
Mas não calo a minha voz de protesto. Nenhum governo faz aquilo que só a nós cabe fazer, nós, portugueses de lei, nós os que queremos um Portugal melhor, mais são, menos oportunista, menos corrupto, mais educado, mais modesto no ter, mais orgulhoso no ser da sua grandeza.