O lobo recebe cada momento individualmente. E é isso que para nós é tão difícil. Para nós, cada momento é deferido interminavelmente. Cada momento tem um significado que depende da sua relação com outros momentos e um conteúdo que é irremediavelmente assombrado por esses outros momentos. Nós somos criaturas do tempo, os lobos são criaturas do momento. Os momentos para nós são transparentes. São aquilo que procuramos quando tentamos possuir coisas. São diáfanos. Para nós os momentos nunca são completamente reais. Não existem. Os momentos são fantasmas do passado e do futuro, os ecos e antecipações do que foi e do que poderá ser.
Mark Rowlands, in O Filósofo e o Lobo
Abrir os olhos à claridade das manhãs e descer depois as pálpebras para ordenar os pensamentos como quem conduz um rebanho encosta acima, colina abaixo, para o repouso no pasto verde da planície ao longo do regato que corre. Como aqueles desenhos da professora da escola primária, no quadro de xisto negro, como o conto suave de Trindade Coelho.
A idade pousa como um abutre sobre a cabeça, finca as garras entre as espáduas, anula o movimento dos braços e o resto do corpo passa a boneco desarticulado. É o caminho de todos os amimais do planeta, de um ou outro modo o fim é inexorável. Mas o animal-homem tem outra força, outras defesas, a razão que o elevou acima de todos os outros dá-lhe a mobilidade de escapar, não ao fim, mas à tragédia deste tipo de sofrimento. E os abutres afinal preferem as presas já inertes.
Afastar o zumbido das abelhas, deixar que a chuva nos encharque de braços abertos, correr para o regato, o rio, o lago, mergulhar na onda antes de quebrar na praia, apenas olhar o mar batendo nas rochas, tudo são caminhos a percorrer. Ficar parado é que não. Ficar à espera do predador revela pouca inteligência e o mais ínfimo animal sabe esconder-se. Se estiver atento. Se estiver à escuta. Se souber ouvir a natureza quando os próprios meios falham. Há sempre um grito, um piar, um voo, um galho seco no chão a avisar. A vida está sempre do nosso lado, deste lado, basta sentir, basta saber olhar.
Bem sei que é difícil lutar contra os mais fortes, principalmente se estão dentro da nossa casa, mas a união faz a força e deveríamos gritar bem alto as injustiças de que somos alvo. Não sei se a Europa é já uma família, mas se pretende sê-lo realmente, tem de assumir todas as responsabilidades, não pode haver filhos tratados com desigualdade na sociedade que se deseja e por que sempre lutámos. Afinal, parece que fomos regulados por igual quando se tratou de unir obrigações para erguer a banca que agora nos afunda sem remissão.
Há outros caminhos que é preciso abrir com as armas que temos e são valiosas. Há caminhos abertos há séculos e actualmente mal cuidados. Também duvido da expressão «dar emprego». Está provado à exaustão que ninguém dá nada a ninguém, parece que temos de viver da caridade dos outros. Por que não tentar olhar em volta de maneira diferente?