«[...] Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe, e depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão, e começa a formar um homem, primeiro membro a membro, e depois feição por feição, até a mais miúda: ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, (...), estende-lhe os braços, (...), lança-lhe os vestidos: aqui desprega, ali arruga, acolá reclama: e fica um homem perfeito, e talvez um santo, que se pode pôr no altar.»
Esta não é decididamente a escola que eu gostaria de legar aos filhos novos.
Como no final dos impérios, o laxismo e a incúria produzem doutores por extenso que ficariam mal se ombreados com simples detentores da instrução primária de há um século, no que toca ao conhecimento da língua portuguesa que me é tão cara.
A oralidade reduz-se ao mínimo por falta de tempo até para refeições comuns nas casas de família, o contacto com os amigos faz-se por códigos através das novas tecnologias e até um sorriso – um sorriso! – se traduz em meio parêntesis e dois pontos.
Na escola de hoje não se ensina meninos, espera-se que eles aprendam. Esquecem porém os novos mestres que os meninos só vão querer ir aos ninhos, se antes virem os pássaros voando e alguém lhes anunciar que há passarinhos novos.
Por quatro décadas participei de aprendizagens em mais do que uma disciplina, ao longo de todo o ensino secundário. Os olhos abrem-se-me de espanto hoje, com crianças que, no terceiro ano de escolaridade, ainda não conhecem bem as letras depois do tê; alunos que têm, como leitura suplementar do sexto ano, um pequeno livro de menos de meia dúzia de contos, cada um dos quais com menos de meia dezena de páginas em letras garrafais. Quem se interessa por pesquisas na Web se não domina o código da escrita no início da puberdade, quando outros interesses despertam já, de acesso tão mais fácil para além da leitura e da escrita?
A escola pública que temos não dá ferramentas para a vida, no tempo certo. As Novas Oportunidades são úteis e devem ser facultadas a quem precisa e, principalmente, quer. Não é, não deve ser, não pode ser, para filhos de família a quem o pai paga (quatrocentos euros!) para ir à escola e tem o despautério de atirar ao rosto de quem o recebe o motivo por que faz o favor de estar ali , e altivamente acrescenta que é esse facto que lhe proporciona o emprego que tem – para que conste, professor licenciado, pago a recibo verde, a menos de dez euros a hora de trabalho, ilíquido. – Não creio que muitos saibam que a escola pública não tem, actualmente, qualquer tipo de oferta para um adulto que queira iniciar uma língua estrangeira ou o que quer que seja, no domínio das Letras, das Artes ou das Ciências.
Não são só os professores que devem sair à rua. São os pais deste país. Os pais empobrecidos deste país que não podem pagar a escola privada, os pais que devem assumir as suas responsabilidades de progenitores e exigir uma escola que vá além de depósito de entretenimento e lazer. Estamos assim, por más razões, a empenhar o futuro.