No lugar onde vivo, esta é a mais inequívoca comida de Janeiro. É a época em que as folhas dos nabos se transformam em grelos. Muito verdes e muito suculentos. Daqui a um mês, esse verde suculento já não será possível. Por isso, o espírito é mesmo o de aproveitar e o de viver este verde quanto antes. Antes que se nos escape.
Esta é a minha interpretação intuitiva dessa comida de Janeiro que junta grelos, chouriça, batatas e ovos. Dei a volta aos procedimentos habituais, nesta comida para dias frios. Por vezes, basta isso: dar a volta aos hábitos. Pode não correr sempre bem, mas neste caso, sim. Muito. Sistematicamente. Por isso é que tinha mesmo de vir para aqui. E sim, enquanto ainda é Janeiro.
A minha intuição contrariava as instruções das mulheres que me foram ensinando coisas, nisto da comida e dizia-me que não fazia sentido cozer os ingredientes todos juntos. Pela contaminação de sabores, muito especialmente. A chouriça e os grelos têm esse efeito, ao serem fervidos. Por isso é que eu achei que a chouriça devia ser salteada em azeite e em alhos esmagados e que os grelos deveriam ser acrescentados perto do momento de servir, para preservarem aquele verde lindo. É assim que mais gosto deste verde de Janeiro. Associado a coisas muito simples, que me parecem sempre tão bonitas, enquanto as preparo. As batatas. A suculência dos grelos. A intensidade da chouriça. E a suavidade final dos ovos escalfados.
Esta é uma das minhas comidas mais gostadas. Enquanto cada um dos pratos é colocado na mesa, aquela felicidade a adivinhar-se, à espera de abrir uma fenda no ovo escalfado e deixar que a magia aconteça por si. É agora que deve ser partilhada, associada a um vinho portentoso, cheio de alma. Um daqueles vinhos que deixa lágrima no copo, de denso. Zambujeiro, 2009.
Versão intuitiva de chouriça com grelos
NB1: Esta comida ficará arruinada se se usar uma chouriça embalada, de supermercado. Os bons talhos costumam ter produção própria de enchidos. Não é mais caro, não dá mais trabalho e é infinitamente melhor do que qualquer selo gourmet.
NB2: É importante só usar sal no final (e muito pouco), porque a chouriça já tem esse sal e será libertado, enquanto for salteada.
10 batatas (pequenas, brancas e com a casca) + 1 chouriça + 1 molho (médio) de grelos de nabo + 1 colher (de sopa) de massa de pimentão + meio copo de vinho branco + 3 dentes de alho (esmagados e com um pouco da casca) + 1 folha de louro (sem a nervura do meio) + 1 ovo por cada pessoa à mesa + azeite, flor-de-sal e pimenta preta moída na hora.
Primeiro, corta-se as batatas ao meio e leva-se a cozer (em água sem sal). Numa caçarola separada, coze-se os grelos (também sem sal na água). Entretanto, parte-se a chouriça em pedaços meio grosseiros e leva-se ao lume numa sertã larga, juntamente com a folha de louro, os dentes de alho e um fio de azeite. Deixa-se estar cerca de três minutos e acrescenta-se o vinho branco, deixando-se evaporar. Assim que os grelos e as batatas estiverem prontos, retira-se do lume e transfere-se para um escorredor, de acordo com esta sequência: primeiro os grelos e depois as batatas, que devem ficar por cima. Isto poupa tempo, loiça e procedimentos redundantes.
Junta-se as batatas ao salteado e, logo a seguir, a colher de massa de pimentão. Envolve-se bem, acrescenta-se mais um fio de azeite, se necessário e deixa-se estar uns dois minutos. No fim, junta-se os grelos (se formos servir no seguimento, caso contrário, é melhor mantê-los no escorredor e acrescentar quando for a hora certa). Quando se acrescentar os grelos, salpica-se com um pouco de flor-de-sal, um fio de azeite e envolve-se, com a ajuda de duas colheres de pau.
Quando for a tal hora certa, escalfa-se os ovos. Faço-os assim: numa caçarola com água quente, em lume brando, durante dois minutos. Nem mais nem menos. Deve ter-se o cuidado de partir o ovo para um prato pequeno, para não correr o risco de quebrar a gema, ao partir directamente para a água quente. Quando chegar a hora, o ovo desliza para a água e basta contar dois minutos.
E Deftones. Por ouvir há tanto tempo. Por cada um dos concertos deles em que me diluía na multidão.
Boa noite, Mar.
ResponderEliminarHoje estamos em sintonia. É noite e eu adoro os ingredientes desta receita:, principalmente ovos, grelos, batatas e pão que espreita numa das fotos. De certeza que vou aproveitar o tempo dos grelos e deliciar-me com esta receita, de fazer crescer água na boca. As fotos fazem esbugalhar os olhos de tão apelativas.
Uma noite reconfortante.
Bjs
Ana
Olá Ana,
EliminarQue bom dizer-lhe "boa noite" e ser realmente de noite:) Foi-me bem difícil escrever sobre esta comida, porque é tão especial. Tenho memórias tão boas, associadas a esta mistura de ingredientes. E não são coisas abstractas nem nada. É imediato, porque sabe mesmo bem. E sim, com fatias de pão. Imprescindíveis.
Se fizer esta comida, que lhe saiba tão bem como a mim e às minhas pessoas, aqui em casa.
Uma noite reconfortante para si também. Obrigada.
Um abraço.
Mar
Olá Mar,
ResponderEliminarEngraçado que o seu post anterior fale de tempo. Por falta dele é que tenho passado por aqui sem deixar rasto. Hoje, finalmente, sim.
E também é engraçado que diga no texto "no sítio onde vivo". Por aqui, os hábitos alimentares são diferentes (já disse o mesmo no blogue da Babette).
Mas, a partilha virtual também serve para divulgar e aprender estas coisas.
Tem um aspecto fantástico! Acho que o adjectivo adequado é reconfortante.
De facto, a comida da Mar é comida de mãe.
E com ovos caseiros. E o vinho tinto.
Não é preciso muito pois não?
Por tudo isto, hei-de experimentar fazer esta comida do Norte, aqui no Sul.
Um beijo do Algarve, com frio
Sandra Martins
PS - Felizmente é 6ª feira. A semana foi daquelas cansativas. Um excelente fim - de -semana!
Olá Sandra,
EliminarAcabamos todos por sofrer do mesmo mal, nisso do tempo e da falta que nos faz. Mas estou particularmente feliz por ser fim-de-semana. Acabei de fazer o bolo de aniversário da minha mãe e o jantar já está num fogão a lenha que vai fazer magia numa mesa cheia da minha família:) Um dos traços da comida de Inverno, por aqui. O uso reiterado destes fogões que dão à comida um carácter e uma densidade bem especiais.
Comida de mãe parece-me bem. Obrigada por isso. E sim, a matéria-prima faz sempre uma diferença enorme. Creio que tenho sorte, nesse departamento. Posso não ter noutros aspectos, mas tenho a sorte de ter sempre ingredientes honestos. Quando é assim, não é preciso muito. As coisas brilham por si.
Um bom fim-de-semana para si. E um beijo.
Mar
Já nem sei como vim cá parar porque perdi-me a andar para trás.
ResponderEliminarEste cantinho é uma delícia, fiquei encantada!
É recíproco, então. Encantatório, o teu lugar. E és muito linda:) Bom, quando a beleza e a sensibilidade coincidem.
EliminarObrigada por gostares. E sim, é um cantinho. Adequada, essa formulação.
Inuitiva esta abordagem. Coisas certas misturadas na dose certa e acontece essa magia...
ResponderEliminarQue tenha sido lindo o jantar da mãe da Mar; )
Continuação de um bom fim-de-semana.
Babette
Creio que as minhas abordagens são quase todas intuitivas. Esta sabe-nos sempre bem e colhe muito o espírito deste mês.
EliminarCorreu bem, sim. Um jantar bem tranquilo, apesar da confusão boa de estarmos todos juntos.
Uma benção quentinha e muito de casa, este fim-de-semana. Que esteja a ser feliz, o vosso. Vou voltar para o sofá, para junto deles. Compacto de "Mentes Criminosas" e de "Teoria do Big Bang". E as minhas pipocas com caramelo. De vez em quando, a felicidade é tão fácil:)
Um beijo.
Mar
Cá em casa, o abrir fendas em ovos, sejam escalfados ou estrelados, também é sempre um momento de felicidade. O Manel comia ovos todos os dias, se o deixasse. Até me anda a pedir para termos galinhas, vê lá tu :) Se não fosse o pai, um bocadinho mais racional do que a mãe e o filho, seria a nossa próxima aventura ;)
ResponderEliminarGostei muito deste post, desta homenagem à vossa comida de janeiro. A primeira imagem é tentadora :)
Continuação de um bom domingo.
Um beijo,
Ilídia
Eu acho que era uma boa, que vocês tivessem galinhas:) O vosso filho tem toda a razão. Lembrei-me de uma das minhas irmãs, ao ler o teu comentário. A minha irmã Catarina, absolutamente viciada em ovos, durante a adolescência. Passou-lhe, mas fartou-se de consumir ovos:)
EliminarÉ mesmo comida deste mês, por aqui. Quando acabar esta verdura, é sinal de que estamos a iniciar outro ciclo. Gosto muito dessas cadências. Obrigada por teres gostado.
Boa semana para ti. E um beijo.
Mar
Olá Mar,
ResponderEliminarEm primeiro lugar os meus parabéns para a sua mãe! Que tenha sido muito bonito esse jantar de comemoração. Acho que são sempre, quando se reúne a família e há carinho.
Achei engraçado que tenha referido na sua resposta o forno de lenha.
Até ter casado, eu vivia numa zona que é um postal do Algarve. Nas noticias é sempre mencionado, até porque fica ao lado da famosíssima Vilamoura.
Quando casei, fui morar para o interior algarvio, em plena Serra do Caldeirão.
Estou a 30/40 minutos da praia mas, aqui, há hábitos que eu desconhecia por completo.
Tenho lareira em casa, como determinados alimentos que não conhecia, cozinho de forma diferente e aqui também usam os fornos de lenha.
Na nossa casa, que é antiga e foi restaurada, dava para ter posto um mas, lá está, eu era menina de praia, não de campo.
Tolices originadas pela falta de experiência.
Vale-me ir comprar o pão a uma senhora que ainda amassa á mão e coze em forno de lenha. E, de vez em quando, também tenho ovos caseiros. Da vizinha da frente.
Hábitos de quem mora no "campo", numa terra pequena.
Se eu tiver alguma coisa para dar, também dou.
Um beijo do Algarve, num inicio de semana gelado
Sandra Martins
Olá Sandra,
EliminarObrigada pelos parabéns. Foi uma celebração carinhosa e ruidosa:) A minha mãe gosta assim, que expressemos ruidosamente o nosso amor.
O fogão a lenha faz-me lembrar exactamente a minha mãe e cada uma destas nossas celebrações. É em casa dos meus pais, não aqui. Eu não domino a arte de manter aquele fogo no ponto ideal, de acordo com os momentos da comida. E é de uma arte, que se trata. A minha mãe sim. Gosto da maneira como ela fala, a propósito do fogo. Deste e do das lareiras. Diz que estes fogos controlados precisam de companhia. Que se extinguem rapidamente, se forem deixados sozinhos, se não forem mexidos.
E essas diferenças são boas. É como se fôssemos construindo mundos diversos, em nós. E o que não falta aí, é bom pão. Como eu gosto do pão do Algarve.
As terras pequenas têm muitas coisas boas. Muitas. Essas que mencionou são só uma pequena parte. Sei do que falo, que tenho uma sorte enorme por poder usar ingredientes tão limpos e tão próximos da origem. Exactamente por viver num lugar pequenino:) Quando me apetece, vou aos outros lugares maiores.
Uma boa semana. Muito frio também aqui. Mas é bom. Está no tempo desse frio.
Um beijo.
Mar
Que receita deliciosa, com tudo o que apetece comer nestes dias cheios de frio.
ResponderEliminarVou fazer! :)