...Deu no único jornal da cidade, entre os classificados e o resultado da loteria: "Palhaço Paçoquinha finalmente consegue". Isso porque não era a primeira vez que tentava. Nem a segunda ou terceira, diga-se de passagem. A mais notória, sem dúvida, fora a décima quarta mirabolante tentativa, no verão de 85, que mobilizou todo o corpo de bombeiros e o guincho do Seu Zackarias no resgate do fusca no pântano. Mas outras também acabaram tornando-se lendárias, principalmente pela criatividade e variedade de métodos, dignos do artista que era.
...Acontece que, como nas armadilhas dos vilões americanos, faltava-lhe objetividade e, justamente por conta disso, jamais fora bem sucedido em seu propósito. A torta envenenada na cara causou-lhe apenas um incontrolável soluço que o atormentou por uma semana, além de uma diarréia dos infernos. Sobreviveu também ao choque da torradeira na banheira, mas o patinho de borracha não teve a mesma sorte. Da velha pistola d'água nem se fala. Certa vez tentou, ainda, intoxicar-se com o hélio dos balões, e acabou permanentemente com a voz esganiçada, o que atribuia-lhe efeito cômico mesmo nos momentos mais embaraçosos e inoportunos que vivesse.
...Mas Agenor Ladeira, o nosso ilustre palhaço, não fora sempre este incorrigível e deprimido suicida. Já tivera próspera carreira no circo. Respeitado por todos, era casado com a mulher barbada Marilu. Certo dia, porém, pedalando sua mini-bicicleta do trabalho para casa, pegou-a no flagra aos beijos com o barbeiro, com quem fugiu dias depois. Afogado em mágoas e dívidas de engraxate, Agenor nunca mais foi o mesmo. Desde então, decidido a dar cabo da própria vida, aprimorou-se nas entradas triunfais e saídas estratégicas. E, quando percebia a deixa do destino, não hesitava em concluir a piada. Mas nunca ria por último, coitado. Quando pulou da ponte José Pergolato Filho, ficou pendurado durante 5 longas horas, preso pelo cadarço desamarrado. Quando se jogava na frente dos carros, todos sempre paravam, confundindo o seu nariz com o semáforo.
...Enquanto isso, o palhaço Paçoquinha precisava continuar trabalhando. E lá ia ele, montado na sua bicicletinha, alegrar a festa de todas as crianças da cidade. E elas nunca se divertiram tanto, apesar dos pais acharem estranho o palhaço que modelava forcas e guilhotinas em balões coloridos e espirrava lágrimas pelas flores de lapela. Acontece que Paçoquinha era um palhaço nato, mesmo que não quisesse. E nunca foi tão aplaudido ou provocou tantas gargalhadas como quando engasgou naquele pedaço de marmelada, mudou de cor, abanou os braços, deu duas cambalhotas desengonçadas e estatelou-se no
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chão.