quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

A pergunta persiste; O humano ou a arte?



Desenho: Felipe Stefani; Sem Titulo.
Pinturas: Ticiano; Ecco Homo. - John Constable; Boat and Stormy Sky

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Colaborações: O escritor Flávio Viegas Amoreira e um texto sobre Santiago, filme de João Salles.

‘’ SANTIAGO SEGUNDO JOÃO.’’

‘’Santiago’’ ‘sou eu, mas também é muita gente’.
João Salles, cineasta.


‘’ João Salles é nobre gênio da Alma, feito Ozu filmando Bachelard. Câmera, pincel ou pena : o mestre embaralha gêneros e suportes transfigurando a realidade crua naquilo denominamos Grande Arte. ‘’Santiago’’ é um épico da subjetividade: mais importante documentário brasileiro que tenha assistido; não sou hiperbólico: trata-se de um depoimento filmado que extrapola, excede o meramente registrado: a trajetória contada sem aparatos que não somente a memória e imagética duma existência profundamente sentida e pensada. O entusiasmo é reação ao reducionismo: ‘’Santiago’’ é tudo além daquilo que seria mera estória do mordomo de Walter Moreira Salles ou mimetização miniaturizada da relação ‘patrão’ e ‘criado’ : não é ato circense ou alvo pitoresco para sociólogos ou socialites, trata-se de perfeitamente inacabável experimento formal apartir dum personagem de conteúdo inenarrável. João Salles maturou 15 anos entre feitura e exibição da obra-prima: nesse interlúdio dirigiu contundente retrato da violência urbana (‘’Notícias de uma Guerra Particular’’), acompanhou modo revelador o vitorioso candidato Lula em 2002 (‘’Entreatos’ ) e levou às telas um reticente virtuose do piano (‘’Nelson Freire’’ ); sua marca é zona de sombra, os interstícios, as frestas da imagem, ritmo e sensibilidade: capta o que Walter Benjamin dizia ter-se perdido com a modernidade: o senso de ‘aura’. Santiago Badariotti Merlo é um protagonista de conto borgeano, ‘’Funes, o memorioso’’ discorrendo proustianamente sobre a História humana apartir do mundo detalhadamente encantado seja nos salões da Casa da Gávea ou no claustrofóbico cômodo-locação onde se desencadeia esse ‘making-off’ da existência. Sob a mirada instigante de João, Santiago discorre sobre absurdo da fugacidade, intermitências do coração, as epifanias como resistência ao frágil argumento de finalidade diante da perenitude do vazio ou do nada. Só a fenomenologia poética, a emulação sensorial é capaz de reter o saber que salva do esquecimento. Não há um feixo na revivência, no sonho, no enigma. A tela amplifica literariamente ‘’ santiagogramas’’: apontamentos sobre dinastias persas ou tribos dakotas, reflexões acerca de Dante, Lucrécia Borgia, dum cemitério genovês ou a corte dos Visconti; o monge nefelibata recita Lorca, dramatiza uma fala de Bergman, pontuando digressões gostosamente eruditas ao som de Bach e Beethoven que emolduravam sua Alma refletida em poética veemência, ademanes e Cultura como forma de sobrevivência ante crueza da impermanência: cultivo, não adorno. Intertextual e multicultural: passa das monarquias renascentistas às lendas de Hollywood, não dissocia tons ritualísticos: num flash louva madonas de Rafael noutro enternece com Fred Astaire dançando com Cyd Charise. Quando Santiago tenta expor o que seria mais íntimo, João percebe que toda essencialidade teria sido exposta estando sua ‘diferença’ contida na argúcia de sua intuição. Não resenho, transponho a percepção do impacto: a Grande Arte é essa simbiose entre motivo, expressão e participação do espectador num quadro ou espetáculo que se doa sem síntese: ‘’Santiago’’ ‘é’ João Salles, também sou eu e de qualquer atento, agudo interpretante. O comentário sobre um filme não é antecipá-lo : nem ‘só’ vendo ‘’Santiago’’ se estará identificando o plano metafísico em que se instala um homem rememorando, um diretor poetizando e a montagem tentando dar nexo ao que buscamos cotidianamente: resposta precária que seja ao que vivenciamos. Em época de elites em tropa, ‘enochatos’ e glamourização da burrice, ‘’Santiago’’ é um registro eterno da verdadeira aristocracia, a do espírito : que é de João e seus espelhos: o artista dá vida ao que nomeia quanto mais belo é o efeito ambíguo do que produz.’’

[Flávio Viegas Amoreira, escritor / crítico literário
Já lançou 5 livros pela 7 Letras, poeta, contista e romancista]

flavioamoreira@uol.com.br

A espiritualidade e a arte de percorrer as ondas.


Não é difícil ver o Surf como uma atividade espiritualizada, porem, como qualquer outra atividade que possa ser tomada como tal, pode ser entendida e também praticada, apenas na superficialidade.
Vários outros esportes e atividades artísticas, já foram utilizados, em diversas religiões, como um ponto de partida para um caminho de iluminação. O arco e flecha no Zen Budismo, por exemplo. Na antiga Índia, cada individuo, desempenhava um papel na sociedade, segundo sua aptidão, seja um artista ou um guerreiro, por exemplo, e então, desenvolvendo essa sua aptidão terrena, ele começava a percorrer um caminho de iluminação, depois de iluminado, através desse processo iniciatico, ele voltava a desenvolver seu papel segundo sua aptidão mais terrena, e assim se encaixava toda sociedade.
Por isso, acho que não é a atividade em si que pode garantir a espiritualidade, e sim, a forma como ela é encarada e vivida.
O Surf, que no Havaí, já foi uma atividade religiosa, é hoje apenas um esporte comum, mas pode ser muito mais que isso. Acho que é um esporte estético, e estética, na minha concepção, é espiritualidade.
Cada onda exige uma seqüência de movimentos diferentes, um trajeto diferente, e esse trajeto, tem de ser feito como movimentos harmoniosos, belos e fluidos (o estilo). Não é isso que é a arte, o maximo de eficiência, num espaço estético, não necessariamente predeterminado pelo artista? Beleza e eficiência.
Alem disso, esse esporte tem uma relação direta com a natureza, e mais que isso, com os movimentos cósmicos, é como se o surfista se diluísse nas ondas e ao mesmo tempo, ele as completa, com seus movimentos humanos e estéticos (beleza, arte).
Acho que isso, na mão de um grande sábio, poderia ser usado no processo de iniciação, como na Índia Antiga. Infelizmente, não sou um sábio e nem sei onde encontrá-los hoje em dia. Eles ainda existem?



Felipe Stefani

domingo, 16 de dezembro de 2007

Veredas Modernas

Diego Velázquez; Retrato do Poeta de Luiz de Góngora y Argote
Frans Hals; Retrato de Pieter van den Broecke; 1633

Uma forma de entender a historia da arte é como, depois do Renascimento, com maior liberdade para criação, aos poucos os artistas foram criando formas mais abstratas. Nessa pintura de Velázquez, Retrato do Poeta de Luiz de Góngora y Argote, a abstração geométrica que veio a tona no modernismo do séc. XX. Na pintura de Frans Hals, o tipo de destorção, de uma abstração parecida com a o impressionismo do séc.IX.
Na Idade Media, a arte era concebida principalmente como representação da simbologia religiosa, tinha muito menos aspectos antropocêntricos, como aconteceu depois do Renascimento.
Vejo uma analogia parecida entre a arte egípcia, com suas formas simples e chapadas, e a arte helênica, mais abstrata, com um nível de entretenimento intelectual bem maior, típico do antropocentrismo.
É só uma maneira de conceber a historia da arte, que também não é uma historia linear, mas com certeza, mudaria muita coisa na visão contemporânea, se começássemos a perceber um pouco mais desse movimento cíclico, entre tradição e antropocentrismo.



Felipe Stefani.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Colaborações: Marcelo Ariel e um texto sobre os 150 anos de Flores do Mal



150 QUIMERAS SONDAM O JARDIM DO ANJO-BÁRBARO.

Uma pequena e confusa abordagem do legado de Baudelaire nos 150 anos de AS FLORES DO MAL.

Por Marcelo Ariel.


Charles Baudelaire foi o Dante de seu tempo e podemos nos arriscar a dizer que 150 anos após a publicação de seu AS FLORES DO MAL , ele ainda ocupa o posto mais alto entre os poetas
no Cânone Ocidental.
Rimbaud , Valéry, Lautréamont, Os surrealistas, T. S. Eliot, Ponge
e outros, inclusive muitos dos nossos contemporâneos devem muito a ele.
Baudelaire de um modo insuspeito para sua época inaugurou
a visualidade deambulatória como um vetor para o texto poético escrito em prosa no seu O SPLEEN DE PARIS e nisto ele atinge como um meteoro nossa atualidade , porque o século 21
será o século dos sentidos em movimento fantasmagórico
ou seja em deambulação constante entre um signo e outro.
O que é a internet senão uma grande caminhada
Em um não- lugar que está ANY WHERE OUT OF THE WORLD ?
Walter Benjamin foi um dos primeiros a apontar Baudelaire
como um dos criadores que refundam a cidade enquanto metáfora de seus próprios fragmentos. Ver seu monumental hiper-ensaio PASSAGENS.
Baudelaire é também o poeta que recupera o conceito latino da filia como centro de sua obra, através de sua ligação profundamente crítica e complementar com o escritor americano Edgar Alan Poe
e esta amizade é ela mesma uma Obra de arte
no sentido mais elevado do termo e só encontrará paralelo na convergências entre Eliot & Pound e nos BEATS )
Seria oportuno se alguma editora brasileira ousasse editar o ensaio de Suzanne Bernard Lê pòeme em Prose - de Baudelaire jusqu` à nos jours,
se possível traduzido por Ivo Barroso ou Leda Tenório da Mota.
Voltando ao centro desta nossa `confusa´ abordagem ,
o que mais chama a atenção, quando examinamos atentamente
a similitude que o próprio Baudelaire estabeleceu entre sua vida
e obra é o fato de que para ele o poeta não deveria jamais ser inofensivo , se descontarmos um certo dândismo irônico
latente em alguns de seus textos e ações e nos lembrarmos
do processo judicial movído na época contra o autor de As Flores do Mal pelo mesmo juiz que havia processado Flaubert
por Madame Bovary,poderemos concluir
que talvez ele tenha sido o último lírico realmente perigoso
ou seja o um dos poucos a assumir o risco por escolhas éticas apenas delineadas no pensamento estético esboçado em seus textos, a saber:
Opção pelo elogio da exclusão e da diferença, crítica do proselitismo e da hipocrisia da Igreja e elogio da alteridade.
O que naquele momento significava se tornar inimigo do Estado
e dos Bons costumes, mas não um inimigo da burguesia européia, que via em Baudelaire,uma espécie de Momo-Culto. ( É fácil notar que mais tarde essa mesma burguesia cultivará uma visão reducionista e preconceituosa de Antonin Artaud,mas devemos ressaltar que o que é transcendência da degradação burguesa
em Baudelaire, se tornará a transcendência provisória da loucura
em Artaud, que tentou realizar em seu próprio corpo um encontro entre a obra de Baudelaire e a de Van Gogh.
Talvez incentivado por um conhecimento excepcional do que está proposto como um esboço de projeto estético em Baudelaire,
sobre isso seria interessante uma possível leitura do TEATRO DO SERAFIM de Baudelaire dentro do TEATRO DA CRUELDADE de Artaud, mas isto fica aqui apenas como uma sugestão.
Para encerrar este falso ensaio, vamos ao fato inquietante :
Perguntei ao meu amigo, crítico-literário e livreiro José Roberto quantos exemplares de AS FLORES DO MAL ele havia vendido em mais de 20 anos no ramo e ele me respondeu:
` Precisamente dez ou doze`
Por que considero isto um fato inquietante?
Ora, estes dados subjetivos, talvez não sirvam para traçar um perfil editorial da carreira do livro de Baudelaire, no BRASIL, mas nos mostram que a influência da quimera econômica ainda ofusca o poder das musas.


Marcelo Ariel-Escritor & performer, autor de ME ENTERREM COM A MINHA AR 15 ( Dulcinéia Catadora) e O TRATADO DOS ANJOS AFOGADOS (No prelo pela LetraSelvagem)

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Singela Homenagem.


Morreu recentemente, em Novembro deste ano, o bailarino e coreógrafo francês, Maurice Béjart (1927 – 2007).
Infelizmente, não entendo o suficiente de dança, para fazer um comentário mais profundo de sua obra, mas o que vi, me agradou demais. Suas coreografias são fortes, marcantes e impressionistas.
Uma coisa que gostei, foi que ele foi bastante inovador, sem abrir mão do clássico.
Era culto e lia muito, religião e literatura. Acho que de certa maneira, foi um marco da arte no séc. XX.
Pena eu nunca ter visto um espetáculo seu.
Se alguém tiver uma dica, de alguma reinterpretação de sua obra, me avise.


Felipe Stefani

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

2005, Noite, Avenida Paulista...


Nos idos de 2005, andando na Avenida Paulista, de madrugada, com um amigo que acompanhava este poeta-turista... enfim, surgiu o poema que ora transcrevo.


VIOLENTAS MEMÓRIAS

Somos vulto
na cidade onde o tempo
perde-se em dor entre brumas.

Os passos se dispersam,
a cidade compõe
sua plena música.

Andamos violentas memórias
nas primaveras impróprias,
a Lua a nos dizer das distâncias.

E esquecemos as virtudes, às vezes,
na música dos passos,
até nos perdermos, inspirados.

Ribeiro Eiras