150 QUIMERAS SONDAM O JARDIM DO ANJO-BÁRBARO.
Uma pequena e confusa abordagem do legado de Baudelaire nos 150 anos de AS FLORES DO MAL.
Por Marcelo Ariel.
Charles Baudelaire foi o Dante de seu tempo e podemos nos arriscar a dizer que 150 anos após a publicação de seu AS FLORES DO MAL , ele ainda ocupa o posto mais alto entre os poetas
no Cânone Ocidental.
Rimbaud , Valéry, Lautréamont, Os surrealistas, T. S. Eliot, Ponge
e outros, inclusive muitos dos nossos contemporâneos devem muito a ele.
Baudelaire de um modo insuspeito para sua época inaugurou
a visualidade deambulatória como um vetor para o texto poético escrito em prosa no seu O SPLEEN DE PARIS e nisto ele atinge como um meteoro nossa atualidade , porque o século 21
será o século dos sentidos em movimento fantasmagórico
ou seja em deambulação constante entre um signo e outro.
O que é a internet senão uma grande caminhada
Em um não- lugar que está ANY WHERE OUT OF THE WORLD ?
Walter Benjamin foi um dos primeiros a apontar Baudelaire
como um dos criadores que refundam a cidade enquanto metáfora de seus próprios fragmentos. Ver seu monumental hiper-ensaio PASSAGENS.
Baudelaire é também o poeta que recupera o conceito latino da filia como centro de sua obra, através de sua ligação profundamente crítica e complementar com o escritor americano Edgar Alan Poe
e esta amizade é ela mesma uma Obra de arte
no sentido mais elevado do termo e só encontrará paralelo na convergências entre Eliot & Pound e nos BEATS )
Seria oportuno se alguma editora brasileira ousasse editar o ensaio de Suzanne Bernard Lê pòeme em Prose - de Baudelaire jusqu` à nos jours,
se possível traduzido por Ivo Barroso ou Leda Tenório da Mota.
Voltando ao centro desta nossa `confusa´ abordagem ,
o que mais chama a atenção, quando examinamos atentamente
a similitude que o próprio Baudelaire estabeleceu entre sua vida
e obra é o fato de que para ele o poeta não deveria jamais ser inofensivo , se descontarmos um certo dândismo irônico
latente em alguns de seus textos e ações e nos lembrarmos
do processo judicial movído na época contra o autor de As Flores do Mal pelo mesmo juiz que havia processado Flaubert
por Madame Bovary,poderemos concluir
que talvez ele tenha sido o último lírico realmente perigoso
ou seja o um dos poucos a assumir o risco por escolhas éticas apenas delineadas no pensamento estético esboçado em seus textos, a saber:
Opção pelo elogio da exclusão e da diferença, crítica do proselitismo e da hipocrisia da Igreja e elogio da alteridade.
O que naquele momento significava se tornar inimigo do Estado
e dos Bons costumes, mas não um inimigo da burguesia européia, que via em Baudelaire,uma espécie de Momo-Culto. ( É fácil notar que mais tarde essa mesma burguesia cultivará uma visão reducionista e preconceituosa de Antonin Artaud,mas devemos ressaltar que o que é transcendência da degradação burguesa
em Baudelaire, se tornará a transcendência provisória da loucura
em Artaud, que tentou realizar em seu próprio corpo um encontro entre a obra de Baudelaire e a de Van Gogh.
Talvez incentivado por um conhecimento excepcional do que está proposto como um esboço de projeto estético em Baudelaire,
sobre isso seria interessante uma possível leitura do TEATRO DO SERAFIM de Baudelaire dentro do TEATRO DA CRUELDADE de Artaud, mas isto fica aqui apenas como uma sugestão.
Para encerrar este falso ensaio, vamos ao fato inquietante :
Perguntei ao meu amigo, crítico-literário e livreiro José Roberto quantos exemplares de AS FLORES DO MAL ele havia vendido em mais de 20 anos no ramo e ele me respondeu:
` Precisamente dez ou doze`
Por que considero isto um fato inquietante?
Ora, estes dados subjetivos, talvez não sirvam para traçar um perfil editorial da carreira do livro de Baudelaire, no BRASIL, mas nos mostram que a influência da quimera econômica ainda ofusca o poder das musas.
Marcelo Ariel-Escritor & performer, autor de ME ENTERREM COM A MINHA AR 15 ( Dulcinéia Catadora) e O TRATADO DOS ANJOS AFOGADOS (No prelo pela LetraSelvagem)