quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Colaborações: Maiara Gouveia

É com grande prazer que apresentamos dois poemas desta poeta (ou poetisa, como ela preferir) de versos crepusculares, fortes como uma travessia.
Maiara não é uma promessa, mas uma realidade poética. Seu blog (http://maiaragouveia.blogspot.com/) está entre os nossos favoritos, e recomendo deveras para uma visão mais ampla de sua obra.
André Setti



Besta Faminta

Corpo masculino: besta faminta.
Devora o milagre.
O néctar que derrama não sacia
a pele ávida.
Um anjo sente náusea.
Enquanto sugo o membro rijo: coluna sagrada.
A nudez agressiva esfola e esfola
e apanho na cara.
Gozo muito. No desespero de salvar a carne.
Sei que ressuscito. E sinto mágoa.

Maiara Gouveia






Virá o Dilúvio

Homens impotentes compram preservativos para o PC.
Mulheres de resina exibem os seios na propaganda.
Casas hialóides abrigam celebridades instantâneas.
Estabilizantes com açúcar alimentam a população.
Poetas são cães de lata. Não cantam. Mas sabem rosnar.
O campus fornece a ração de óleo contra ferrugem.
Sofrer é coisa (que se trata no divã).

A via de acesso ao mito está repleta de entulho.
Por isso os antigos seres vão desabar sem anúncio
nesse campo miserável do império do capital.

Maiara Gouveia

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

O filme Brokeback Mountain, pelo escritor Flávio Viegas Amoreira.

A China não é o Paraíso: é capitalismo de Estado e nada de democracia. América não inventou o Imperialismo e ainda é grande laboratório de liberdades. Macarthismo, Nixon, Bush, passam, o amor livre de Whitman perdura, floresce. Em 1948, Gore Vidal escreveu o clássico “A Cidade e o Pilar’’ onde fuzileiros mantêm longo caso amoroso. Vidal é o último iconoclasta da era de Capote, Tennessee Williams, Ginsberg, os profetas de “Brokebak Mountain’’. América engendra nas entranhas puritanas, contestação, contradiscurso, desconstrução do seu enunciado de coerção socialitária. Sou libertário e nada anti-americano: os beatniks, hippies, ‘Frisco’, o Village, Stonewall, são experimentos que levaram vitalidade as vanguardas européias. Não se trata mais de mudar o mundo, mas recriar neo-subjetividades: o pós-estruturalismo e pós-conceito levarão ao cerne: o Amor que nunca será Pós-Nada, é referente que autojustifica. O filme de Ang Lee re-inova a quebra de esteriótipos, inversão de arquétipos e subversão de valores brutalmente instituídos; o ‘establishment’ careta assiste atenta e respeitosamente o Amor entre dois homens. A Filosofia da Diferença reforça duas causas crescentes: pluralidade e singularidade. Não se quer alternância individualismo-universalidade, mas a ‘singularização’ resistindo a significados unívocos. Lutam silentes os amantes que desbravam Oeste da sensação: o ser amado é reconhecido pelo sujeito como ‘atopos’ , de uma originalidade indescritível. Barthes/ Deleuze solicitam a Vida como experimentação do Amor e Linguagem revolucionados. “Brokeback Mountain’’ é conto e fita provocando dobras na epistemologia da resistência. Ouvi ecos de Diadorim, “Folhas da Relva”, Gide, Foucault retornando num Éden intimíssimo, a Heterotopia: “contralocal onde se contesta/inverte representação da realidade através da utopia.’’ Virilidade e afeição são atributos em jogo, embaralhados na implosão dos catálogos-rótulos: compartimentalização versus ‘Eu’ livre, autônomo. Culturalmente a América é vislumbre que empurra o Ocidente da Razão até as pradarias do homem instigado, essencializado pelo desejo. O Amor é Oeste da Alma: desarrazoado, substantivo, discordante de funções e finalidades: seco por indizível. Amor de conteúdo amorfo que amolda-se à formas arbitrárias diante dos corpos-significantes. Muito tempo não via nas telas tanta dignidade estóica ante o irremediável (quase sempre desejado): paixão adulta e amadurecimento existencial sem nenhuma concessão ao conformismo ou militância embandeirada. O ‘Eu-mutante’ é o não subjetivado por fora. Mudança e sofrimento são im-partilháveis: o personagem Ennis del Mar (nome-poema) dá a deixa ao que virá ao ‘ganhar’ o amor perdido: “Eu prometo...’’ a jura é mutação dele e do caminho à trilhar. Que apaga alumia. ‘’Brokeback Mountain’’ é lamento sem Deus, canto à libertação, romance da solitude. O western do Ser vale mais que 1 milhão na Paulista: é tudo menos ‘gay’, a Dor não finge. As montanhas não mais serão refúgio: o Amor é um des-território amplo soando vento.



[Flávio Viegas Amoreira, escritor / crítico literárioJá lançou 5 livros pela 7 Letras, poeta, contista e romancista]


flavioamoreira@uol.com.br

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Poemas de Felipe Stefani no Cronópios.

Poemas de Felipe Stefani no site Cronópios. Mais uma vez seus poemas são publicados nesse site. Confiram: http://www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=2978

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Colaborações: Escultura e Texto de Megumi Yuasa.

Megumi Yuasa, considerado um dos maiores escultores e ceramistas do Brasil, tem como elemento recorrente em suas esculturas a árvore que, segundo ele, é a arvore da sua infância, mas pode ser também, qualquer outra árvore. Mais recentemente, alguns elementos, também recorrentes em sua obra, vêm se fundindo em um único objeto, em simbiose. Este é o caso desta escultura, “Árvore de Ratos” (foto). O texto, que acompanha a foto, também busca integrar-se á obra, em um envolvimento poético, onde um e outro se completam.

Felipe Stefani.

Fotos: Felipe Stefani.



IMPROVÁVEL CONSTELAÇÃO


Eles estavam lá.
miríades, agressivos, irresistíveis,
impertinentes, obsessivos, espaçosos,
gigantescos, ensandecidos
mas sem desespero,
exibindo impudentes
sua ansiedade indefinida.
Indo ou vindo,
subindo e descendo pela árvore,
tronco, galhos, folhagens,
habituados com o ritmo, alucinante
nos labirintos do desejo.
Querem habitar alturas como pássaros?
se é isso logo se arrependem.
Ascendem, descendem
nada os satisfaz.
Não há pássaros que queiram pousar
na árvore com ferozes guardiões,
invasores do território conquistado.
Assim como
noite, desígnio, presságio, jogo,
edifícios, alvo, olhos, viagem,
incertezas, desvario, pedra, cidades,
memória, boca, nuvens, sono,
altura, ondas, mensagem, corda,
imagens, osso, cores, cabeça,
sede, criança, troco, mistérios,
rios, sonhos, loja, poesia,
cortinas, orvalho, ternura, paisagem,
luas, saudade, fogo, serpentes,
beira, trabalho, janelas, fim,
trilha, dor, cheiros, espelho,
água, abutres, cama, dedos,
vozes, sandália, letra, enigma,
metal, rua, sentido, ponte,
lenços, esquina, réstia, traça,
joelhos, sorte, angustia, portas,
luz, queda, mesas, vontade,
mito, ar, ritmo, montanhas,
bruma, tempo, estrelas, flor,
areia, máscara, palavra, chuva,
eles comungam com a árvore
na seara de inesperadas relações.
Num átimo reconhecem o contorno-limite
horizonte de seu novo habitat,
não toleram invasões.
Constelação passageira
que emerge e desaparece
sem nexo, ao acaso
em desequilíbrio e estranheza
como duvidas da memória,
gostaria de estar simples observador
em tempos imprevistos
ou mero participante do cenário
cabalmente aceito pelos deserdados.
Os ratos ignoram a perturbação
e apelam para o invisível
em busca de mudança e reequilíbrio
porque o que vêm não conforta,
confunde,
é uma desilusão.


Referências:
a) texto “Revelação”
b) escultura “Árvore de Ratos”

Megumi Yuasa, 2005 – 2006 e fevereiro de 2007

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Poemas e Desenhos de Felipe Stefani.


Eu vi o escasso tempo de malabarismos juvenis
A estalar a seiva acidentada da tarde,
A aurora pura entrelaçada ao meu próprio sono
Nos instantes precários de um segredo vago.

Na obliqua solidez dos corpos
Abre-se a rosa inicial sem nome, turva e casta,
Impura como a brisa imaculada dos sonhos, da voz,
Em uma espécie de chamado.

Eu vi o estrondo de uma gloriosa infância,
A alegria que em mim eram crianças cintilantes,
Na tarde volúvel, onde o mar, em silencio maior,
Faz dos corpos uma presença errante.

Devo amar calado o triunfo crepuscular da juventude,
Seus beijos ao mar e sua oferenda de mistérios,
Na rosa oblíqua de um chamado puro,
Na vastidão precária dos instantes.

Eu vi tudo isso e amei, sendo eu mesmo uma oferenda eclusa
Aos mistérios juvenis, que desafiam os segredos do mar.





Não te deites com a volúpia presa aos dentes,
se pretendes despertar os lobos.

Madrugada,
o uivo sonda seus ossos.

Alquimia não consiste em acalentar o orgulho.
Os lobos sabem farejar as sombras,
violetas e asteróides,
não envolvem seus mundos.

Sutileza,
presa acidentada dos cálculos,
a cidade tem uma cegueira acelerada,
os lobos avançam,
teu quarto tem extremidades impossíveis.

A volúpia brota de ossos cegos,
onde a vida, com seus lábios violetas,
não penetra.

Tu, cadáver de si mesma,
volúpia acidentada,
não penetre a alquimia com asteróides cegos.

Os lobos te envolvem, no lado mais sutil do orgulho.

Madrugada
tem acordes turvos.
Deitas-te a cama,
o edifício encravado na cidade
não supõe seus lobos extremos.

Com volúpia, não calcule a cegueira,
sem supor seus uivos.

Brotam nas sombras,
brotam nas ruas,
em espaços turvos,
no sorriso das cifras.
Avançam a madrugada em que te deitas
cadavérica,
farejam e ao farejar te despertam,

tão inesperada como um asteróide.


***
Mais poemas do autor nesses links: http://www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=2443

http://www.revistazunai.com.br/poemas/felipe_stefani.htm

http://revistamalagueta.com/edanteriores/06/poemas/fs.html

http://www.meiotom.art.br/stefanipo.htm

Mais desenhos do autor nesse link: http://www.pbase.com/sodesenho/felipe_stefani

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

O PINTOR E AS MUSAS


Iniciamos os trabalhos de 2oo8 com um poema finalizado agora, há poucos minutos.


O PINTOR E AS MUSAS

Onde está o marinheiro?
Onde está Van Gogh?

Virgens declamam versos
E reclamam
Aos Deuses perversos
Do mundo.

O quadro onde Van Gogh
Enganou a loucura
Desperta as amantes,
Com harpas iluminadas.

Flechas sonoras atravessam as fêmeas,
Cantarolando.

É uma travessia brusca,
Espartana,
E o corpo lembra gestos antigos.

Há o poder dos ritos,
No quadro onde o mestre
Declamou a loucura,
Harpas iluminadas atravessam as fêmeas,
Cantarolando mundanas doçuras.

No entanto, rainhas devoram Van Gogh.
Onde está o marinheiro?

O quadro faz regressar o mistério.
Nele, o artista
Enganou o pudor e a loucura.

As musas vestem-se de luxuria,
Nada as fará regressar
Ao lento abismo
Dos corpos varados pelo mistério,
Retocam Van Gogh
Com pincéis alucinados,
As ninfas, donas dos homens,
Declamam perversas estrofes
Aos pintores do mundo.

Onde está o marinheiro, Van Gogh?
Mulheres atravessam o quadro e a loucura,
E o marinheiro não sonha decifrar.

André Setti