Friday, June 17, 2022

Presente de turco


(Para o Jailton, que partiu)



O que é o Orkut?

Ou, melhor, o que foi o Orkut?

Explico para a filha adolescente, que tenta me educar sobre o TikTok.

Ela franze as sobrancelhas com a minha rasa explicação.

- Invenção turca? Pai do Facebook?  Como assim?

Conto que fui arrastado para lá. 

E de lá para o Facebook, onde agonizo nos dias de hoje.

Para as minhas filhas, o Facebook é coisa de um passado distante, ambiente frequentado por pessoas defasadas e decadentes como eu.

- Tem coisa muito melhor, pai!

Elas tentam me atrair para uma nova cilada, mas aviso que, para o TikTok, eu não vou nem amarrado. Estou muito velho para mostrar o ‘corpitcho’ e não sei fazer dancinhas.

E fim de papo.

Redes sociais: terá existido vida antes delas?

Um pouco antes dessa conversa com Clarice, eu tentava achar uma explicação para o fato de ter aberto obscuros perfis no Twitter e no Instagram.

Não decolaram. Tenho menos seguidores do que dedos.

Para que servem essas redes invisíveis e seus seguidores? – pergunto ao que me resta de discernimento.

E os influencers?

Para que servem esses ‘profissionais’? 

Onde estudaram para exercer esse ofício tão importante e lucrativo dos dias de hoje?

Influenciadores... Quem diria?!

Naquilo que eu crescia - na segunda metade do século passado -, Papai orientava para eu tomar cuidado com as influências.

Foi tudo em vão.

Li em algum lugar que amigo de Facebook é como dinheiro de Banco Imobiliário: não serve para nada.

Não é bem assim. Mas que o Facebook é uma espécie de xangrilá, isso é. 

A plataforma de Mark Zuckerberg é um aquário transparente, onde a gente vê – como um menino que romantiza o doce do outro lado da vitrine da padaria – uma legião de pessoas felizes participando de um comercial de margarina.

Mas como toda regra tem exceção, já saí desesperado, tentando socorrer - via telefonia - algum náufrago pedindo socorro. 

Num destes episódios, quase me afoguei junto. C’est la vie!

Inflamado pela lembrança da frase, abro o Facebook e vou direto à lista de amigos. Vou disposto a fazer uma faxina e jogar na lata de lixo todas as pessoas com quem jamais troquei uma palavra.

Observo que dezenas de moças com a idade das minhas filhas me pediram em “amizade” e eu aceitei.

Ôxi! 

Apago uma por uma.

“É cilada, Pedro”, diria o Bino de Carga Pesada.

Apago o perfil de uma moça que posa ao lado de um carro importado.

E outra mais, em trajes menores.

- Como essa morena veio parar aqui, meu Deus? Está quase nua...

Mais de uma dúzia de indianos e tailandeses vão para o saco.

- E esse russo aqui? O cara está com um fuzil Kalashnikov!

Eu e a minha mania de aceitar a todos, indiscriminadamente. Mas algo parece ter mudado em mim nesse exato momento.

Deleto pelo menos cinco dúzias de perfis de sujeitos fazendo “arminha”. 

- “Deus acima de todos e fazendo arminha?” - Haja paciência!

Pow!

Ao todo, apaguei mais de 900 perfis, baseado em critérios que não sei dizer. Parei com a faxina, porque notei que mais de 30 pessoas, com quem realmente interagi ou conheci pessoalmente, já não estão mais aqui.

E não me refiro ao Facebook.

O último a sair da linha do tempo foi o Jailton Pereira, um flamenguista que adorava Pat Metheny e estava desgostoso com a situação do Brasil, e que vi pela última vez numa livraria no Rio de Janeiro em 2019.

Foi levado por um infarto fulminante. O coração se cansou de bater em vão.

Ele se foi, mas persiste aqui, em meu peito, como o querido Marcus Mourão Pontes, outro que não atualizou mais a sua Timeline. 

Marquinho foi mais que um amigo. 

Fomos juntos ao show de celebração dos 25 anos da Atlantic Records, no Madison Square Garden. Vimos, naquela noite, a reunião do Led Zeppelin e, noutras noites e dias, tantas outras noites e dias, compartilhamos coisas bonitas que ficaram e ficarão. 

Sinto muita falta dele.

Assim como sinto do Roniton, o eterno Neném, um conterrâneo com quem dividi um porão na Hensler Street, e de quem ainda carrego na orelha esquerda, o par do brinco com que ele foi enterrado.

Tem gente que não morre nunca.

Aqui, dentro desta carcaça carcomida pelo tempo, corre o Geraldo Corredor da Paz, de quem joguei as cinzas em sete praias de New Jersey no mês passado.

Nesse minifúndio de lembranças e saudades, Vander Lee ainda dedilha os primeiros acordes de Esperando Aviões.

Moraes Moreira canta Preta Pretinha.

É onde eu escuto a respiração do poeta Wander Porto, um cara muito boa praça que não cheguei a ver e para quem fiquei devendo um abraço.

A lista é grande e decidi que não apago mais o nome de ninguém. Vão ficar aqui para sempre.

Se Deus quiser, ele que me ‘hackeie’. 

Ou aperte a tecla delete.