(Para o poeta Sérgio Xarepe, em Portugal)
Às vezes morremos pisoteados por multidões ensandecidas no sanatório das ruas de uma cidade em chamas.
Apagamo-nos, emudecidos, amordaçados por votos de silêncio, que são uma espécie de homilia lavrada de punho próprio.
É amarga a hóstia da culpa.
Somos asfixiados pelo laço da corda dos dogmas que adotamos, temos os joelhos dobrados, enquanto gangorreamos sobre um banquinho de fibra de vidro.
Tombamos ao som de buzinas, motores de aeronaves que fazem rasantes sobre nossas cabeças cansadas, no limite do enlouquecer.
Findamos com os pulmões negros e enfumaçados.
Caímos de cirrose e sífilis, o fígado em frangalhos, os rins deteriorados e o pâncreas em petição de miséria.
Carecemos de uma espinha dorsal de titânio e de uma pele mais grossa para resistir.
Às vezes, vamos murchando aos poucos, em conta-gotas, a desilusão diluindo no cadafalso dos dias.
Noutras, nos espatifamos rapidamente na curva de uma estrada perigosa ou desabamos no caos desenfreado de um leilão de misérias.
Finamo-nos dormindo, enfartados, sonhando com praias paradisíacas ou viagens num trem fantasma.
Às vezes nos matamos.
Suicidamos sem overdose, sem acionar o gatilho ou acender o rastilho.
Somos assassinos silenciosos de nós próprios.
Covardes, sem o grilhão do remorso, somos uma legião de fracassados andando em círculos, sem jamais sair do lugar.
Rastejamos.
Homens-répteis.
Tornamo-nos criaturas insones de olheiras profundas, tristes caricaturas daquilo que nunca conseguiremos ser.
Temos na mão o passaporte para o fracasso, o salvo-conduto da dor.
Órfãos de nós próprios, somos mortos-vivos perambulando no labirinto das horas.
Morremos de esquecimento. De covardia. De soberba ou arrogância.
Asfixiamo-nos de ganância, ignorância e pela ausência de virtudes.
Falimos.
Falhamos.
Somos interrompidos.
Desconectados.
Morremos.
Às vezes morremos.
Uns pelos outros.
Um para o outro.
Às vezes morremos os dois.
Morreremos sempre.
Nesse filme low budget fadado ao fracasso de bilheteria - que é a vida – não haverá final feliz.
Não, não haverá:
Nenhum de nós dois sorrirá no fim.