Tuesday, August 31, 2010
Beleza na feiúra
Você acha que é bonito ser feio? – Dizia o humorista na televisão.
Fiquei pensando com meus botões, tentando achar graça na frase. E achei.
E aí, pus-me a lembrar do quão irônico, pode ser tudo isto, num esquema maior das coisas. Encontra-se beleza na feiúra, sim. Basta prestar atenção.
A pessoa pode ter belos joelhos.
O branco dos seus olhos ser, imaculadamente branco.
O ruim é quando é o contrário.
Existem pessoas lindíssimas, que se acham feias.
Existem pessoas felizes, que teimam em ser infelizes.
Pessoas que fazem dilúvios em copo d’água, quando deveriam guardar a cara de preocupação e o medo, para quando os tempos difíceis se apresentarem.
Estes que adoram transformar, como se tivessem uma anti-varinha de condão que “dispara” tiros de magia cinzenta pela culatra, seus dias de mormaço em épicas tempestades. Acordei meio filosófico, hoje.
Vinha dirigindo para o trabalho, um dia tipicamente londrino, plúmbeo, um congestionamento exacerbante na Rota 24, meu carro tangido junto com os demais, devagar, quase parando, quando vi, dois belíssimos bluejays fazendo malabarismos num galho de uma árvore de folhagem rosada, à beira da estrada.
Sempre me interessei por passarinhos, desde menino.
Gostava (e gosto!) de vê-los livres, ao contrário de meu irmão caçula, que criava e negociava canarinhos e curiós com outros aficionados tão tontos quanto ele.
Vez por outra, eu soltava seus bichinhos, sorrateiramente.
Tomava umas cervejas na rua , chegava em casa, de madrugada e me enchia de coragem.
Lugar de passarinho é na copa das árvores, nos telhados, nas cercas e muros, e no ar.
Sorri pra mim mesmo, com a imagem dos dois bluejays, essa manhã. Um bom presságio, quero crer. E com ele a lembrança de meu irmão.
No Brasil não existem bluejays, aves ciganas de plumagem azul e muito comuns no centro e norte dos Estados Unidos.
É um passarinho lindo, como os cuitelinhos, os tucanos, os cardeais, as saíras (uma maravilha de sete cores), as ararinhas azuis ou vermelhas e os azulões.
Todas as manhãs, quando me levanto, sento-me na varanda da casa para o primeiro cigarro da manhã, a caneca de café fumegando da mão, e fico ali, tentando identificar os cânticos e seus respectivos donos.
Descobri um ninho de pica-paus numa cerejeira do quintal do vizinho, converso com cardeais e bluejays, que fazem ponto por ali, todas as manhãs. Converso com eles, como se tivesse vocação para um São Francisco que certamente não sou.
Mas eu falava de minha filosofia barata, e da necessidade de achar beleza na feiúra, grandeza nas coisas menores, e na responsabilidade que nos é atribuída quando nascemos: buscar sempre a felicidade. É nossa obrigação encontrarmos essa felicidade, disse-o Friedrich Nietzsche, o seu Zaratustra, ou um amigo bebendo uma caipirinha num balcão de bar, não me lembro bem.
Nascemos, todos, com a obrigação de sermos felizes.
E com essa obrigação vem a necessidade de mantermos nossos cinco sentidos abertos. E, se preciso, desenvolvermos um sexto, um sétimo e quantos mais sentidos se fizerem necessários, nessa nossa jornada em busca desse, às vezes, elusivo estado de espírito.
Felicidade não é, ao meu sentir, apenas o contrário da infelicidade.
Ela é uma espécie de “conjunto da obra”, um ajuntamento de pequenas e grandes coisas que, reunidas, dão-nos aquela sensação de bem-estar.
E, nessa nossa caminhada, aprender a eliminar no nosso cotidiano as picuinhas. Perdermos essa vocação para o caos.
É essencial que nos libertemos de nossos redemoinhos de bolso, deixar na gaveta os camafeus de tufão, os brincos de terremoto, os abismos portáteis, os tsunamis em drágeas.
Afinal, mesmo nos dias cinzentos e feios, como o de hoje, podemos encontrar algum detalhe de beleza, capaz de nos fazer sorrir.
A Música Que Toca Sem Parar:
da trilha sonora do filme The Pledge, que teve a direção de Sean Penn e Jack Nicholson no papel principal, surrupiei Nwahulwana, da Orchestra Marrabenta Star, de Moçambique.
Tuesday, August 17, 2010
Devemos Cuidar Dos Nossos Enquanto Ainda Estão Vivos
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Vinícius de Moraes é promovido pós-morte a embaixador
Em uma cerimônia, nesta segunda-feira (16), com parentes e amigos de Vinícius de Moraes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva promoveu o poeta e diplomata ao cargo de embaixador pós-morte, ocorrida em 1980.
Ao discursar, Lula afirmou que essa reparação poderia ter sido feita antes e criticou a aposentadoria compulsória do poeta ocorrida no período da ditadura militar após ele ter atuado por 26 anos na diplomacia brasileira.
“As pessoas que tiveram a atitude de um dia propor a cassação de Vinícius de Moraes certamente não serão lembradas pela história. Amanhã ninguém está ou estará sentindo a falta dessa gente”, disse Lula.
Em 1968, Vinícius de Moraes foi aposentado compulsoriamente por meio do Ato Institucional Nº 5 (AI-5) sob alegação de que seu comportamento boêmio não condizia com a carreira pública. Vinícius atuou na diplomacia brasileira, em geral em atividades burocráticas, servindo em Los Angeles (Estados Unidos), Paris (França) e Roma (Itália).
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou que essa é uma das mais pesadas heranças que ficou da ditadura. “Quando puseram a assinatura na cassação de Vinícius era uma autocassação do Itamaraty que se diminui diante do mundo. Isso tudo hoje demonstra que a força do humanismo é maior do que a força da arma, que a força das ideias pré-concebidas”.
A aposentadoria de Vinícius foi publicada quando ele fazia um espetáculo em Lisboa (Portugal) com Chico Buarque de Hollanda e Nara Leão.
(Fonte: Agência Estado)
A Música que Toca Sem Parar:
Vinícius de Moraes, nosso eterno poetinha, recitando seu Soneto da Despedida.
Uma lua no céu apareceu
Cheia e branca; foi quando, emocionada
A mulher a meu lado estremeceu
E se entregou sem que eu dissesse nada.
Larguei-as pela jovem madrugada
Ambas cheias e brancas e sem véu
Perdida uma, a outra abandonada
Uma nua na terra, outra no céu.
Mas não partira delas; a mais louca
Apaixonou-me o pensamento; dei-o
Feliz - eu de amor pouco e vida pouca
Mas que tinha deixado em meu enleio
Um sorriso de carne em sua boca
Uma gota de leite no seu seio
Vinícius de Moraes é promovido pós-morte a embaixador
Em uma cerimônia, nesta segunda-feira (16), com parentes e amigos de Vinícius de Moraes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva promoveu o poeta e diplomata ao cargo de embaixador pós-morte, ocorrida em 1980.
Ao discursar, Lula afirmou que essa reparação poderia ter sido feita antes e criticou a aposentadoria compulsória do poeta ocorrida no período da ditadura militar após ele ter atuado por 26 anos na diplomacia brasileira.
“As pessoas que tiveram a atitude de um dia propor a cassação de Vinícius de Moraes certamente não serão lembradas pela história. Amanhã ninguém está ou estará sentindo a falta dessa gente”, disse Lula.
Em 1968, Vinícius de Moraes foi aposentado compulsoriamente por meio do Ato Institucional Nº 5 (AI-5) sob alegação de que seu comportamento boêmio não condizia com a carreira pública. Vinícius atuou na diplomacia brasileira, em geral em atividades burocráticas, servindo em Los Angeles (Estados Unidos), Paris (França) e Roma (Itália).
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou que essa é uma das mais pesadas heranças que ficou da ditadura. “Quando puseram a assinatura na cassação de Vinícius era uma autocassação do Itamaraty que se diminui diante do mundo. Isso tudo hoje demonstra que a força do humanismo é maior do que a força da arma, que a força das ideias pré-concebidas”.
A aposentadoria de Vinícius foi publicada quando ele fazia um espetáculo em Lisboa (Portugal) com Chico Buarque de Hollanda e Nara Leão.
(Fonte: Agência Estado)
A Música que Toca Sem Parar:
Vinícius de Moraes, nosso eterno poetinha, recitando seu Soneto da Despedida.
Uma lua no céu apareceu
Cheia e branca; foi quando, emocionada
A mulher a meu lado estremeceu
E se entregou sem que eu dissesse nada.
Larguei-as pela jovem madrugada
Ambas cheias e brancas e sem véu
Perdida uma, a outra abandonada
Uma nua na terra, outra no céu.
Mas não partira delas; a mais louca
Apaixonou-me o pensamento; dei-o
Feliz - eu de amor pouco e vida pouca
Mas que tinha deixado em meu enleio
Um sorriso de carne em sua boca
Uma gota de leite no seu seio
Saturday, August 14, 2010
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Um Banquete Animal
Célio Dimas Cordeiro da Silva: esse é o nome impresso na certidão de nascimento.
Nasceu em Governador Valadares, e por lá deve estar vivendo.
Para sua mãe ele era Célio Dimas, e parecia sempre prestes a lhe passar um cerimonioso sabão:
- Célio Dimas, quem soltou o canário?
- Isto lá são horas de chegar em casa, Célio Dimas?
- Célio Dimas, você bebeu outra vez?
Para a turma na rua, no entanto, ele era Celim, um dos sujeitos mais divertidos que essa vida já produziu.
Ficamos amigos no início dos oitenta, jovens e ingênuos. Nosso encontro era religiosamente dominical e, como tal, era chamado de missa.
- Te vejo na missa, domingo que vem.
- Combinado, o outro respondia.
O padre eu não sei quem era. Mas os santos de nossa devoção eram São Rafael, e São João da Barra, aquele "milagroso".
Eu era um dos viajantes na maionese de um certo Varal de Poesias, que acontecia todos os domingos na Feira Hippie da cidade.
Celim, por sua vez, vendia umas ‘tabuínhas’ em que desenhava a pirógrafo, motivos infantis e nomes de crianças.
Nós gritávamos "Óia o Varal"; ele respondia "Óia a ‘talbinha’".
Na saída, talbinhas (ou seria tabuínhas?) e varais saiam para beber cerveja.
E ficava-se ali no Bar Pedrão, as pernas esticadas na calçada, comendo pipoca com queijo ralado, olhando as moças, as horas definhando na preguiça da tarde.
A medida que o tempo passava, a cerveja minguava nos copos, e apenas a incerteza de melhores dias transbordava das conversações. Muito injusto, aquele Brasil.
E aquele moço tinha muito talento.
Desenhava maravilhosamente bem.
Era mestre da caricatura e do cartum, e criava personagens que dava pra montar uma Disneylândia só dele.
Ficávamos espantados com a firmeza de seus traços, levando em conta que ele tremia muito, como se sofresse do Mal de Parkinson. Excesso, talvez, da cachaça.
- Bom dia Mohamed Ali!
E ele ria.
E tremia.
Celim não tinha um único osso maldoso em seu corpo.
Vim para os Estados Unidos e ele ficou por lá assinando uma charge no Diário do Rio Doce, diagramando textos e propagandas numa agência de publicidade. Aos domingos, continuava vendendo ‘talbinhas’ na feira da Praça Serra Lima.
Anos depois recebi uma carta dele aqui em New Jersey. Estava vivendo na Califórnia, trabalhando com chicanos numa fábrica de fios de cobre.
Mandei uma resposta falando que queria fundar um jornal brasileiro. Dois meses depois ele apareceria por aqui, sócio da empresa, trazendo à tiracolo um esdrúxulo guarda-roupas, uma coleção de óculos de grau comprada num brechó e vinte e tantos bonés de beisebol.
Com a turma da República do Babujo vivemos dias e noites inesquecíveis, numa época em que esbanjávamos saúde e nossos fígados ainda resistiam.
Era o período do Scorpio’s, do grupo Brazilian Energy e dos shows de MPB na cidade. Fomos em todos eles: Gonzaguinha, Gilberto Gil, Alceu Valença, Sá & Guarabyra, Elba Ramalho, Fagner, Beto Guedes, Zé Ramalho... nossos ídolos.
Celim, como sempre, protagonizou estórias engraçadas, várias delas antológicas e nem sempre publicáveis, hoje temas de retóricas animadíssimas, toda vez que dois ou mais pensionistas do Babujo se encontram pela vida.
Era hilário vê-lo "traduzindo os diálogos da televisão americana para brasucas recém-chegados.
Ele, que não sabia nadinha de inglês, sentia-se na obrigação de traduzir a língua para os neófitos. E a todos enganava com seu sotaque estranho e palavras que inventava com bom-humor.
Recordo-me de que certa noite ele não estava conosco no bar onde costumávamos nos encontrar para beber. Havia ficado em casa dormindo.
Duas da manhã resolvemos retornar e, quando entramos na cozinha, o encontramos com uma cara sonolenta, de pijama e debruçado vorazmente sobre um prato contendo uma gororoba esquisita.
Sabedores de sua total inabilidade para cozinhar, tratamos de desvendar o que ele comia com uma boca tão boa.
Encontramos a resposta no cesto do lixo: uma lata da Purina.
Celim tinha esquentatado a comida de Rocky, o pastor alemão que meu irmão Toninho criava no quintal. Fomos ao delírio.
Para não comprometer o rebolado, Celim - que não perdia o amigo e nem a piada -, continuou jantando.
Ato contínuo, passou o que sobrou da noite sentado no parapeito da janela da casa e bebendo cerveja. Entre um gole e outro de budweiser, latia e uivava para a lua.
Latia e uivava para a lua...
A Música Que Toca Sem Parar:
Celso Fonseca canta, dele e de Ronaldo Bastos, O Tempo Não Passou.
Vou te escrever pra falar de new york
Não vim aqui esperar pelo fim do mundo
Estou feliz no postal de new york
E tudo mais e a saudade cortando o fundo
Quando acordo lá pra as três da madrugada
Sinto um anjo vir rondar meu cobertor
Colo a boca sobre a pele da vidraça
Sinto as mutações do tempo a meu favor
Não sou ninguém sem voçê em liverpool
Ou numa ilha dos mares do sul
Olho o relógio e as horas não passam por mim
Num cartão postal o tempo estacionou
Parou seu carro no drive-in
Pra nós o tempo não passou!
Um Banquete Animal
Célio Dimas Cordeiro da Silva: esse é o nome impresso na certidão de nascimento.
Nasceu em Governador Valadares, e por lá deve estar vivendo.
Para sua mãe ele era Célio Dimas, e parecia sempre prestes a lhe passar um cerimonioso sabão:
- Célio Dimas, quem soltou o canário?
- Isto lá são horas de chegar em casa, Célio Dimas?
- Célio Dimas, você bebeu outra vez?
Para a turma na rua, no entanto, ele era Celim, um dos sujeitos mais divertidos que essa vida já produziu.
Ficamos amigos no início dos oitenta, jovens e ingênuos. Nosso encontro era religiosamente dominical e, como tal, era chamado de missa.
- Te vejo na missa, domingo que vem.
- Combinado, o outro respondia.
O padre eu não sei quem era. Mas os santos de nossa devoção eram São Rafael, e São João da Barra, aquele "milagroso".
Eu era um dos viajantes na maionese de um certo Varal de Poesias, que acontecia todos os domingos na Feira Hippie da cidade.
Celim, por sua vez, vendia umas ‘tabuínhas’ em que desenhava a pirógrafo, motivos infantis e nomes de crianças.
Nós gritávamos "Óia o Varal"; ele respondia "Óia a ‘talbinha’".
Na saída, talbinhas (ou seria tabuínhas?) e varais saiam para beber cerveja.
E ficava-se ali no Bar Pedrão, as pernas esticadas na calçada, comendo pipoca com queijo ralado, olhando as moças, as horas definhando na preguiça da tarde.
A medida que o tempo passava, a cerveja minguava nos copos, e apenas a incerteza de melhores dias transbordava das conversações. Muito injusto, aquele Brasil.
E aquele moço tinha muito talento.
Desenhava maravilhosamente bem.
Era mestre da caricatura e do cartum, e criava personagens que dava pra montar uma Disneylândia só dele.
Ficávamos espantados com a firmeza de seus traços, levando em conta que ele tremia muito, como se sofresse do Mal de Parkinson. Excesso, talvez, da cachaça.
- Bom dia Mohamed Ali!
E ele ria.
E tremia.
Celim não tinha um único osso maldoso em seu corpo.
Vim para os Estados Unidos e ele ficou por lá assinando uma charge no Diário do Rio Doce, diagramando textos e propagandas numa agência de publicidade. Aos domingos, continuava vendendo ‘talbinhas’ na feira da Praça Serra Lima.
Anos depois recebi uma carta dele aqui em New Jersey. Estava vivendo na Califórnia, trabalhando com chicanos numa fábrica de fios de cobre.
Mandei uma resposta falando que queria fundar um jornal brasileiro. Dois meses depois ele apareceria por aqui, sócio da empresa, trazendo à tiracolo um esdrúxulo guarda-roupas, uma coleção de óculos de grau comprada num brechó e vinte e tantos bonés de beisebol.
Com a turma da República do Babujo vivemos dias e noites inesquecíveis, numa época em que esbanjávamos saúde e nossos fígados ainda resistiam.
Era o período do Scorpio’s, do grupo Brazilian Energy e dos shows de MPB na cidade. Fomos em todos eles: Gonzaguinha, Gilberto Gil, Alceu Valença, Sá & Guarabyra, Elba Ramalho, Fagner, Beto Guedes, Zé Ramalho... nossos ídolos.
Celim, como sempre, protagonizou estórias engraçadas, várias delas antológicas e nem sempre publicáveis, hoje temas de retóricas animadíssimas, toda vez que dois ou mais pensionistas do Babujo se encontram pela vida.
Era hilário vê-lo "traduzindo os diálogos da televisão americana para brasucas recém-chegados.
Ele, que não sabia nadinha de inglês, sentia-se na obrigação de traduzir a língua para os neófitos. E a todos enganava com seu sotaque estranho e palavras que inventava com bom-humor.
Recordo-me de que certa noite ele não estava conosco no bar onde costumávamos nos encontrar para beber. Havia ficado em casa dormindo.
Duas da manhã resolvemos retornar e, quando entramos na cozinha, o encontramos com uma cara sonolenta, de pijama e debruçado vorazmente sobre um prato contendo uma gororoba esquisita.
Sabedores de sua total inabilidade para cozinhar, tratamos de desvendar o que ele comia com uma boca tão boa.
Encontramos a resposta no cesto do lixo: uma lata da Purina.
Celim tinha esquentatado a comida de Rocky, o pastor alemão que meu irmão Toninho criava no quintal. Fomos ao delírio.
Para não comprometer o rebolado, Celim - que não perdia o amigo e nem a piada -, continuou jantando.
Ato contínuo, passou o que sobrou da noite sentado no parapeito da janela da casa e bebendo cerveja. Entre um gole e outro de budweiser, latia e uivava para a lua.
Latia e uivava para a lua...
A Música Que Toca Sem Parar:
Celso Fonseca canta, dele e de Ronaldo Bastos, O Tempo Não Passou.
Vou te escrever pra falar de new york
Não vim aqui esperar pelo fim do mundo
Estou feliz no postal de new york
E tudo mais e a saudade cortando o fundo
Quando acordo lá pra as três da madrugada
Sinto um anjo vir rondar meu cobertor
Colo a boca sobre a pele da vidraça
Sinto as mutações do tempo a meu favor
Não sou ninguém sem voçê em liverpool
Ou numa ilha dos mares do sul
Olho o relógio e as horas não passam por mim
Num cartão postal o tempo estacionou
Parou seu carro no drive-in
Pra nós o tempo não passou!
Friday, August 13, 2010
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O escritor e contador de causos Tadeu Martins me mandou isto aqui. Compartilho:
Oliveira de Panelas, poeta e repentista pernambucano, certa vez se deparou com um desafio no mínimo inusitado:
Após consertar seu carro na oficina de um amigo e perguntar quanto havia custado o conserto, ouviu do Dono da Oficina, que o conserto ficaria de graça, caso ele fizesse um verso, falando sobre o seu “órgão sexual”.
Surpreso e ao mesmo tempo indignado, Oliveira resolveu brincar com o seu amigo dono da oficina e descreveu assim o “dito cujo”:
Na Porta do Cu do Dono
Essa rôla antigamente
Vivia caçando briga
Furando pé de barriga
Doidinha pra fazer gente
Mas hoje tá diferente
No mais profundo abandono
Dormindo um eterno sono
Não quer mais saber de nada
Com a cabeça encostada
Na porta do cu do dono
Já fez muita estripulia
Firme que só bambu
Mais parecia um tatu
Fuçava depois cuspia
Reinava na putaria
O priquito era seu trono
Trepava sem sentir sono
E sem precisar de escada
Mas hoje vive enfadada
Na porta do cu do dono
Nunca mais desvirginou
Uma mata vaginosa
Há muito tempo não goza
A noite de gala passou
Vive cheia de pudor
Sonolenta e sem abono
Faz da ceroula um quimono
E da cueca uma estufa
Vive hoje à cheirar bufa
Na porta do cu do dono
A Música Que Toca Sem Parar:
o repentista Oliveira de Panelas, Na gramática portuguesa quem sabe tudo sou eu.
O escritor e contador de causos Tadeu Martins me mandou isto aqui. Compartilho:
Oliveira de Panelas, poeta e repentista pernambucano, certa vez se deparou com um desafio no mínimo inusitado:
Após consertar seu carro na oficina de um amigo e perguntar quanto havia custado o conserto, ouviu do Dono da Oficina, que o conserto ficaria de graça, caso ele fizesse um verso, falando sobre o seu “órgão sexual”.
Surpreso e ao mesmo tempo indignado, Oliveira resolveu brincar com o seu amigo dono da oficina e descreveu assim o “dito cujo”:
Na Porta do Cu do Dono
Essa rôla antigamente
Vivia caçando briga
Furando pé de barriga
Doidinha pra fazer gente
Mas hoje tá diferente
No mais profundo abandono
Dormindo um eterno sono
Não quer mais saber de nada
Com a cabeça encostada
Na porta do cu do dono
Já fez muita estripulia
Firme que só bambu
Mais parecia um tatu
Fuçava depois cuspia
Reinava na putaria
O priquito era seu trono
Trepava sem sentir sono
E sem precisar de escada
Mas hoje vive enfadada
Na porta do cu do dono
Nunca mais desvirginou
Uma mata vaginosa
Há muito tempo não goza
A noite de gala passou
Vive cheia de pudor
Sonolenta e sem abono
Faz da ceroula um quimono
E da cueca uma estufa
Vive hoje à cheirar bufa
Na porta do cu do dono
A Música Que Toca Sem Parar:
o repentista Oliveira de Panelas, Na gramática portuguesa quem sabe tudo sou eu.
Wednesday, August 11, 2010
Alencar, o rei da mentira
É claro que já menti nessa vida, mas nunca disse um ‘eu te amo’ que não tivesse sido verdadeiro. Cazuza dizia que mentiras sinceras lhe interessavam. Escorados nesse mote, muitos de meu convívio demoraram a acordar para uma realidade melhor. Outros continuaram dormindo.
À medida que fui amadurecendo, passei a evitar os pequenos deslizes. Mentir por mentir, jamais. Mas tem gente que mente por costume e o faz de tal maneira, que as mentiras se transformam em doentias verdades. São os casos patológicos.
Estes não aprenderam ainda que a verdade é tinta permanente.
É cinzel esculpindo na pedra.
Já a mentira é um paliativo.
É o rabisco da vara na areia.
E não apenas o antônimo da verdade.
A verdade pode machucar, é ferro em brasa, que marca para sempre o couro do gado.
Mas a mentira vai mais fundo, tem vocação de punhal.
A verdade pode provocar dor, mas com o tempo traz alívio e luz.
A mentira, não.
Com a mentira vem o rancor, a quebra da confiança e o desprezo.
Que fique claro: mentir e omitir são duas coisas completamente diferentes.
A omissão pode ser uma atitude com resquícios de covardia.
Mas a mentira é 100% covarde.
Conheci muito mentiroso nessa vida. Mas nenhum com a eloqüência e a cara-de-pau de um caminhoneiro de São Raimundo, o Alencar.
Mentia para impressionar, ou para tirar vantagem de situações completamente irrelevantes. A maior parte do que falava era ficção barata.
Segundo seus relatos, havia percorrido o trecho Valadares - Belo Horizonte, 360 quilômetros de estrada esburacada e perigosa em fantásticas três horas. E com o caminhão cheio de bois.
Num outro dia, aparecia no bar, pagava cachaça para todo mundo e dizia que estava comemorando os treze pontos feitos na loteria esportiva. O tempo passava e ele continuava vivendo de aluguel e comprando fiado no armazém de Zé Barbudo.
Segundo Alencar, o pára-choque amassado de seu caminhão era a prova material de que havia atropelado uma onça enorme, quase chegando a São Paulo. “Não deu para aproveitar nem o couro”, fartava-se de repetir.
Se viajava ao Rio, dizia ter almoçado na casa de Roberto Carlos e era amigo de Zico, do Flamengo. Era o rubro-negro, o rapaz. E gostava de música romântica.
Com o passar do tempo, ficou estigmatizado e ninguém mais acreditava nele.
Como começaram a ignorá-lo, resolveu se assumir mentiroso e mandou pintar, com as cores do Mengão, nos dois pára-lamas traseiros de seu caminhão Mercedes 1113, os seguintes dizeres:
Alencar, o rei da mentira!
E foi acolhido de volta.
Em todo lugar onde estivesse, a roda se fechava em torno dele e as estórias fantásticas eram garantia de entretenimento. Afinal, Alencar tinha um tio astronauta que fora à lua duas vezes, um primo que namorara a miss Brasil (uma certa Marta Rocha), e um conhecido que estudara com o ex-presidente Getúlio Vargas.
Não raro, mentia atendendo a pedidos.
Numa destas ocasiões, cruzou com a viatura da polícia rodoviária na entrada de um posto de gasolina. Os dois carros ficaram lado a lado e um patrulheiro pediu:
- Ô Alencar, conta uma mentirinha aí.
Alencar pediu desculpas, mas disse que não podia.
- Estou indo pedir socorro em Valadares. Teve um acidente a 30 quilômetros daqui e tem gente ferida espalhada pelos dois lados da estrada.
Os patrulheiros nem se despediram. Ligaram as sirenes e seguiram, em alta velocidade, na direção do horrível acidente.
Duas horas depois retornaram ao posto de gasolina e lá estava o Alencar, comendo uma picanha e bebendo uma Brahma bem gelada com outros dois caminhoneiros.
Um dos patrulheiros foi até a mesa e, de dedo em riste, mandou o seu recado nervoso:
- Escuta aqui, Alencar! Dessa vez você passou dos limites! Que brincadeira de mau gosto foi essa de dizer que tem um acidente cheio de mortos e feridos perto daqui?!
Alencar deu uma garfada na parte gorda da picanha e respondeu, impávido:
Uai, mas você não pediu para eu contra uma mentira?
E todos caíram na gargalhada.
Ninguém imaginou, no entanto, que Alencar ainda pagaria caro pelo seu estilo de vida.
Numa madrugada, acordou a mulher e disse que estava enfartando. A patroa ajeitou melhor o travesseiro, resmungou qualquer coisa e continuou a dormir.
Dois dias depois ele foi enterrado, humildemente, sem as pompas normalmente reservadas a um rei.
*
A Música Que Toca Sem Parar:
a improvável parceria de Ritchie, musicando e cantando Meantime, poema da fase inglesa de Fernando Pessoa.
Far away, far away,
Far away from here
There is no sorrow after joy
Nor away from fear
Far away from here...
Her lips were not very red
Nor her hair quite gold
Her hands played with rings
She did not let me hold
Her hands...playing with gold
She is somewhere past
Far away from pain
Joy can touch her not
Nor hope enter her domain
Neither love in vain
Perhaps at some day beyond
Shadows and light
She will think of me
And make for me a delight
Far away from sight...
Tuesday, August 10, 2010
Saiu do Forno
Caros amigos!
É com orgulho mineiro que inauguramos o blog coletivo Tertúlia Pão de Queijo!
Esse espaço foi idealizado há algum tempo e estava sendo amadurecido até que pudesse ser colocado "à prova". A idéia é que nossos amigos e a mineirada que gosta de literatura e atua na blogosfera se reconheça nesse espaço e possa usá-lo também pra mostrar suas escrivinhações.
Estamos aguardando a resposta do convite que fizemos a alguns escritores para se tornarem colaboradores do espaço e dar início as postagens. O blog também permanece em constante construção: A manutenção e acréscimo de escritores nas seções 'da nossa terra' e 'blogs das gerais' se dará na medida de nossas forças, levando em consideração que aqui em Minas, serviço dado é serviço cumprido!
Outro motivo de festa com direito a um banquete da roça é o primeiro encontro dos blogueiros de Minas Gerais que ainda está no cochicho, mas se tornará notícia em breve se tudo der certo!
Sejam todos bem-vindos!
Este, o link:
http://tertuliapaodequeijo.blogspot.com/
A Música Que Toca Sem Parar:
melodia de Filó Machado sobre palavras de Judith de Souza, Terras de Minas, na voz de Filó.
Matizes de verde cobrindo as colinas
As altas montanhas e os vales de Minas
E a gente se envolve, se encanta e exalta
A gente que quer tanta coisa que falta
O por-do-sol no horizonte rosado
A queima, o mato, o roçado
O rio lento de lama
E a terra e moça que não se enfeita,
Pois naturalmente já e bonita
E a gente sempre vai embora
Em busca do que ela não vem dar
Mas a gente sabe que chega
A hora de voltar
Coração em calma
E ver com olhos de alma
A terra crescer sem pressa
Do jeitinho que ela quer ser
Em Minas em Minas em Minas Gerais
Sunday, August 8, 2010
... porque hoje é Dia dos Pais....
As Mãos do Meu Pai
As tuas mãos tem grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já cor de terra
— como são belas as tuas mãos —
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cólera dos justos...
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas...
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah, como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos.
E é, ainda, a vida
que transfigura das tuas mãos nodosas...
essa chama de vida — que transcende a própria vida...
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma...
- Mario Quintana -
* meu pai está aqui em New Jersey. Passaremos o dia juntos e será especial. Ela não vinha aqui desde o verão de 2008, ocasião em que tiramos esta fotografia no Pier 17.
A Música Que Toca Sem Parar:
Salif Keita, menestral de Mali, Papa.
cês Viram Isto?
Flip: Poeta Ferreira Gullar critica Bienal do Livro de SP
Isaac Ismar
Paraty - Rio de Janeiro
Portal Terra
Conhecido pelos poemas e franqueza, o poeta maranhense Ferreira Gullar criticou a Bienal do Livro de São Paulo durante a 8ª Festa Literária Internacional de Paraty, na noite deste sábado (7).
De acordo com ele, o evento literário paulistano aceita obras sem qualidades para serem apresentadas no evento.
"A Bienal do Livro de São Paulo é de vanguarda, qualquer loucura que uma pessoa manda pra lá é aceita e exposta", debochou o poeta, que foi aplaudido pela plateia da Flip por essa declaração.
Amante das artes plásticas, Ferreira Gullar disse que pensa mais na pintura do que na poesia.
"A poesia é mais complexa. Sou um amante das artes plásticas. Posso dizer que hoje vou fazer um artigo para o jornal, mas um poema, não. É algo que nasce de situações do cotidiano, não chega a ser um milagre. Um galo cantando no quintal pode despertar o poeta. Não tem explicação", afirmou.
Nascido em 1930 na capital do Maranhão, ele vive no Rio de Janeiro desde 1951, onde foi presidente de uma das divisões da União Nacional dos Estudantes (UNE) e se filiou ao Partido Comunista. No Golpe Militar de 1954, precisou deixar o Brasil para não ser perseguido pelos militares e se exilou em países da América do Sul como Argentina e Chile.
"Quando fui para Brasília e conheci os operários que construíram a cidade, comecei a refletir sobre os problemas do País e me engajei na luta política. Queria ajudar a mudar o Brasil. Mas veio o golpe de 54 e provou que eu estava errado. Não é fácil mudar o País. Isso também foi um exemplo pra mim na literatura. Se é para não mudar nada, é preferível fazer boa poesia. Uma má poesia não vai mudar nada",
Em Buenos Aires, ainda durante o exílio, ele escreveu o seu poema mais famoso, Poema Sujo.
"Escrevi este poema de maio a outubro. Num determinado momento, a inspiração acabou. Até que um dia fiz os últimos versos. Minha esposa foi até lá e gostou do poema. Depois de muita insistência do Vinícius de Morais, li o poema. Ele se emocionou, o que não era muito difícil de acontecer. O Vinícius gravou o poema e trouxe para o Brasil, onde foi publicado em uma noite de autógrafos sem o autor", divertiu-se Ferreira Gullar.
Nos momentos finais da palestra, ele agradeceu à plateia pelo carinho.
"É bom escrever poesia. Ninguém te obriga a fazer. É mentira quando o poeta diz que sofre ao fazer poemas", voltou a brincar.
Aplaudido de pé por cerca de um minuto pelos seus fãs, Ferreira Gullar encerrou com uma simpática declaração:
"Fico feliz em saber que a poesia ainda tem o poder de comover as pessoas", disse.
Isaac Ismar
Paraty - Rio de Janeiro
Portal Terra
Conhecido pelos poemas e franqueza, o poeta maranhense Ferreira Gullar criticou a Bienal do Livro de São Paulo durante a 8ª Festa Literária Internacional de Paraty, na noite deste sábado (7).
De acordo com ele, o evento literário paulistano aceita obras sem qualidades para serem apresentadas no evento.
"A Bienal do Livro de São Paulo é de vanguarda, qualquer loucura que uma pessoa manda pra lá é aceita e exposta", debochou o poeta, que foi aplaudido pela plateia da Flip por essa declaração.
Amante das artes plásticas, Ferreira Gullar disse que pensa mais na pintura do que na poesia.
"A poesia é mais complexa. Sou um amante das artes plásticas. Posso dizer que hoje vou fazer um artigo para o jornal, mas um poema, não. É algo que nasce de situações do cotidiano, não chega a ser um milagre. Um galo cantando no quintal pode despertar o poeta. Não tem explicação", afirmou.
Nascido em 1930 na capital do Maranhão, ele vive no Rio de Janeiro desde 1951, onde foi presidente de uma das divisões da União Nacional dos Estudantes (UNE) e se filiou ao Partido Comunista. No Golpe Militar de 1954, precisou deixar o Brasil para não ser perseguido pelos militares e se exilou em países da América do Sul como Argentina e Chile.
"Quando fui para Brasília e conheci os operários que construíram a cidade, comecei a refletir sobre os problemas do País e me engajei na luta política. Queria ajudar a mudar o Brasil. Mas veio o golpe de 54 e provou que eu estava errado. Não é fácil mudar o País. Isso também foi um exemplo pra mim na literatura. Se é para não mudar nada, é preferível fazer boa poesia. Uma má poesia não vai mudar nada",
Em Buenos Aires, ainda durante o exílio, ele escreveu o seu poema mais famoso, Poema Sujo.
"Escrevi este poema de maio a outubro. Num determinado momento, a inspiração acabou. Até que um dia fiz os últimos versos. Minha esposa foi até lá e gostou do poema. Depois de muita insistência do Vinícius de Morais, li o poema. Ele se emocionou, o que não era muito difícil de acontecer. O Vinícius gravou o poema e trouxe para o Brasil, onde foi publicado em uma noite de autógrafos sem o autor", divertiu-se Ferreira Gullar.
Nos momentos finais da palestra, ele agradeceu à plateia pelo carinho.
"É bom escrever poesia. Ninguém te obriga a fazer. É mentira quando o poeta diz que sofre ao fazer poemas", voltou a brincar.
Aplaudido de pé por cerca de um minuto pelos seus fãs, Ferreira Gullar encerrou com uma simpática declaração:
"Fico feliz em saber que a poesia ainda tem o poder de comover as pessoas", disse.
Friday, August 6, 2010
.
Piquenique nas Alturas
A American Airlines vai cobrar pela comida em seus vôos. Ao que parece, a moda vai pegar, pois já existem outras companhias aéreas aderindo.
Já faz um bom tempo que começaram a cobrar pelas bebidinhas. Esta semana a Spirit Airlines anunciou que vai cobrar pela bagagem de mão. O que é uma lástima. Dizem que é para baratear o custo da passagem.
Quem disfarça o medo de voar com um uisquezinho por conta da casa, perdeu a vez. Conheço gente que ficava literalmente “alta” durante os vôos. Hoje, é recomendável levar dinheiro.
Muito dinheiro e, de preferência, trocado.
Os comissários de bordo reclamam sempre da falta de troco. E são 5 dólares a dose.
A boa notícia para aquele que quiser amarrar um pilequinho durante a viagem é que nem precisa passar antes pelo banco e fazer uma retirada.
Eles aceitam cartão de crédito. Todos.
Quando vim pra cá pela primeira vez, em 1984, a bordo de um boeing da Panam fiquei impressionado.
Logo de saída (ou seria à entrada?), deram-me uma simpática bolsinha contendo objetos de higiene pessoal em miniatura: pente, escova de dente, creme dental, barbeador, creme de barbear e outras cositas mais. Achei o máximo.
Duvido muito que aquelas bolsinhas tenham causado a falência, daquela que era a maior companhia de aviação comercial do planeta.
Muito antes da histeria antitabagista e do prefeito novaiorquino Michael Bloomberg, dava até para dar uns tapinhas num inocente cigarro. Havia uma seção destinada aos fumantes no fundo da aeronave.
Era um fumacê incrível, democrático, civilizado. E tudo liberado, o que abolia aquela ameaçadora plaquinha de sinalização dos banheiros de hoje: “se fumar aqui dentro paga multa, vai preso, pega câncer, seu time perde, a mulher foge com o vizinho, Serra vence a eleição...”
Antes do jantar, entregavam uma toalha de pano quente, felpuda, para a higienização do passageiro. Com o tempo virou um lenço de papel quase impermeável, que já chega morno às mãos do freguês.
Com os atentados do 11 de Setembro proibiram a utilização de talheres metálicos.
É um sacrifício, um malabarismo, cortar um bife com uma faca de plástico. Mas, em nome da segurança, e do precedente aberto, faz sentido.
O que não faz sentido é cobrarem pelo lanche.
A comida servida a bordo das aeronaves nunca foi lá estas coisas, mas deveria fazer parte do pacote.
Nos vôos domésticos, aqui nos EUA, esta medida de contenção de despesas não vem de agora.
Num vôo Newark-Miami, por exemplo, servem uma sacolinha de amendoim e uma lata de refrigerante. Se o amendoím é gratuito, o uso de fones de ouvido, não.
Quem quiser assistir o filme escutando o som, tem que pagar 3 dólares. Se não pagar, é remetido aos tempos de Charles Chaplin.
Nos vôos internacionais já são mais generosos e distribuem um saco plástico contendo uma máscara para vedar claridade, e dois chumaços de matéria sintética - dois pequenos pinos de isopor, se não me engano - para obstruir os ouvidos.
Deve ser para o passageiro manter a postura de quem não viu nada. E escutou muito menos.
Dia destes, levantei-me para ir ao banheiro durante a madrugada em um vôo New York-Rio, e tive uma incontível crise de riso.
Espremidos nas poltronas diminutas, um exército de Zorros protagonizavam uma cena digna de um filme Trash. Parecíamos ter embarcado num vôo da Bizarro Ailines, pilotada por Don Diego de la Vega.
Tão insólito quanto as novas medidas de cobrança das refeições, é o fato de que, a partir de agora, muitas pessoas, levarão seus lanches de casa. Já imaginaram a cena?
Farofa, frango assado, coca litro...
Alguns, mais sofisticados, estenderão uma toalha no corredor e farão um piquenique, com direito a cesta treliçada, vinhos e queijos. A dois, pode se transformar num programa romântico.
Outro capítulo à parte diz respeito ao atendimento do pessoal de bordo.
Nunca vi tanta aeromoça - e aeromoço - mal humorada como nos últimos tempos.
Falta-lhes a graciosidade, generosidade e vocação para servir ...
Sinal dos tempos, até o glamour das aeromoças foi desaparecendo, à medida que as companhias foram apertando os cintos e os cortes de despesa anunciados.
Tenho saudades, muitas saudades, dos tempos em que as aeromoças eram verdadeiros aviões.
Aliás, aviões que sorriam e conferiam à viagem a atmosfera de um quase conto de fadas.
A Música Que Toca Sem Parar:
uma canção que escutei recentemente num vôo Nova York-São Paulo... Morcheeba, The Sea... No mínimo, Relaxante.
Piquenique nas Alturas
A American Airlines vai cobrar pela comida em seus vôos. Ao que parece, a moda vai pegar, pois já existem outras companhias aéreas aderindo.
Já faz um bom tempo que começaram a cobrar pelas bebidinhas. Esta semana a Spirit Airlines anunciou que vai cobrar pela bagagem de mão. O que é uma lástima. Dizem que é para baratear o custo da passagem.
Quem disfarça o medo de voar com um uisquezinho por conta da casa, perdeu a vez. Conheço gente que ficava literalmente “alta” durante os vôos. Hoje, é recomendável levar dinheiro.
Muito dinheiro e, de preferência, trocado.
Os comissários de bordo reclamam sempre da falta de troco. E são 5 dólares a dose.
A boa notícia para aquele que quiser amarrar um pilequinho durante a viagem é que nem precisa passar antes pelo banco e fazer uma retirada.
Eles aceitam cartão de crédito. Todos.
Quando vim pra cá pela primeira vez, em 1984, a bordo de um boeing da Panam fiquei impressionado.
Logo de saída (ou seria à entrada?), deram-me uma simpática bolsinha contendo objetos de higiene pessoal em miniatura: pente, escova de dente, creme dental, barbeador, creme de barbear e outras cositas mais. Achei o máximo.
Duvido muito que aquelas bolsinhas tenham causado a falência, daquela que era a maior companhia de aviação comercial do planeta.
Muito antes da histeria antitabagista e do prefeito novaiorquino Michael Bloomberg, dava até para dar uns tapinhas num inocente cigarro. Havia uma seção destinada aos fumantes no fundo da aeronave.
Era um fumacê incrível, democrático, civilizado. E tudo liberado, o que abolia aquela ameaçadora plaquinha de sinalização dos banheiros de hoje: “se fumar aqui dentro paga multa, vai preso, pega câncer, seu time perde, a mulher foge com o vizinho, Serra vence a eleição...”
Antes do jantar, entregavam uma toalha de pano quente, felpuda, para a higienização do passageiro. Com o tempo virou um lenço de papel quase impermeável, que já chega morno às mãos do freguês.
Com os atentados do 11 de Setembro proibiram a utilização de talheres metálicos.
É um sacrifício, um malabarismo, cortar um bife com uma faca de plástico. Mas, em nome da segurança, e do precedente aberto, faz sentido.
O que não faz sentido é cobrarem pelo lanche.
A comida servida a bordo das aeronaves nunca foi lá estas coisas, mas deveria fazer parte do pacote.
Nos vôos domésticos, aqui nos EUA, esta medida de contenção de despesas não vem de agora.
Num vôo Newark-Miami, por exemplo, servem uma sacolinha de amendoim e uma lata de refrigerante. Se o amendoím é gratuito, o uso de fones de ouvido, não.
Quem quiser assistir o filme escutando o som, tem que pagar 3 dólares. Se não pagar, é remetido aos tempos de Charles Chaplin.
Nos vôos internacionais já são mais generosos e distribuem um saco plástico contendo uma máscara para vedar claridade, e dois chumaços de matéria sintética - dois pequenos pinos de isopor, se não me engano - para obstruir os ouvidos.
Deve ser para o passageiro manter a postura de quem não viu nada. E escutou muito menos.
Dia destes, levantei-me para ir ao banheiro durante a madrugada em um vôo New York-Rio, e tive uma incontível crise de riso.
Espremidos nas poltronas diminutas, um exército de Zorros protagonizavam uma cena digna de um filme Trash. Parecíamos ter embarcado num vôo da Bizarro Ailines, pilotada por Don Diego de la Vega.
Tão insólito quanto as novas medidas de cobrança das refeições, é o fato de que, a partir de agora, muitas pessoas, levarão seus lanches de casa. Já imaginaram a cena?
Farofa, frango assado, coca litro...
Alguns, mais sofisticados, estenderão uma toalha no corredor e farão um piquenique, com direito a cesta treliçada, vinhos e queijos. A dois, pode se transformar num programa romântico.
Outro capítulo à parte diz respeito ao atendimento do pessoal de bordo.
Nunca vi tanta aeromoça - e aeromoço - mal humorada como nos últimos tempos.
Falta-lhes a graciosidade, generosidade e vocação para servir ...
Sinal dos tempos, até o glamour das aeromoças foi desaparecendo, à medida que as companhias foram apertando os cintos e os cortes de despesa anunciados.
Tenho saudades, muitas saudades, dos tempos em que as aeromoças eram verdadeiros aviões.
Aliás, aviões que sorriam e conferiam à viagem a atmosfera de um quase conto de fadas.
A Música Que Toca Sem Parar:
uma canção que escutei recentemente num vôo Nova York-São Paulo... Morcheeba, The Sea... No mínimo, Relaxante.
Monday, August 2, 2010
Antologias do Meu Cotidiano (I)
.
Cínica
se apanhei castanholas sangrentas
na rede verdosa de minhas saias infantis
se caiei minha cara sem lisura
de pó e pingente enfeitada
é que o futuro é promessa
e quem não se arma de máscara boa de arame
tem arranhões no coração trançados
e um tumor seco entre as pernas recolhido.
Iara Maria, Currais Novos-RN
A augusta tradição II
Meu poema João Cabral melodiando,
nos Barros, na terra suja dos sem nomes,
alvíssima Bandeira, ser dos montes Drummond
arder Andrades, na Cruz de todos que sejam,
participo eco de Ferreira, som do sopro de um assovio,
daquela Adélia, fresta de lábios contra a luz,
fio de Cecília a esculpir, na vinda Hilda vida enfim.
Assis Freitas, Feira de Santana-BA
BANG!
Este verso inicial
esse est percipi
esse hábito sem monge
esse mapa sem linhas
esses monóculos irmanados
essa visão convertida
esse órgão orgíaco
essas esparsas partidas
esse poema maníaco
essa rima endêmica
essa folha anêmica
esse só dissolvido
esse pó apodrecendo
esse mar segmentado
essa lírica feira
essa vírgula ligeira
esse ponto artífice
essa língua de enganos
esses cúmulos na boca
esse mundo entre coxas
essa porta sob o púbis
esse focinho de Anúbis
esses páramos para o nunca
esse ânus de anis
essas floras fortificadas
essas pálpebras palmilhadas
esses seios insones
esses cabelos ciclones
essa fruta indefesa
essas maçãs zigomáticas
esses zaratrustas calados
esse édipos com binóculos
e essas esfinges distantes
essa cabeça em capítulos
essas ações em fascículos
esse Hegel silabado
esse divisor de mágoas
esses rins derrisórios
esses olhos calóricos
esse sujo sujeito
esse vogar de aliterações
esses veios abstratos
essa canção sem vértebras
essa dialética sem vértices
essas ágoras fechadas
esses verbos sem hélices
essas estátuas atualizadas
essas fezes cristãs
esse orbe mictório
esse particípio permanecendo
esse selo adiado
esse zelo encadeado
esses dentes descarrilados
esse pente sem paralelas
esse visgo em pronomes
essa vigas sob os nomes
esses netunos de aquário
esses ulisses divorciados
esses prometeus suturados
e seus abutres amestrados
esses piolhos fotogênicos
esse som essa fúria de astúcias
essas furnas de vaidades
essas taças afastadas
esse epicuro epicentro
esses trincos combalidos
esses profetas protéticos
essa profissão de fel
esse pólen sem sol
esses pólos sem marcos
essa régua no olhar
essa maré de janelas
essas esporas dos mitos
essas chaves sem voltas
essas lápides de estrelas
essas telas estelas
esses penteus autopsiados
esses blakes blindados
essa maiêutica hiperestésica
essas crenças anestésicas
esses narizes de ciranos
e suas roxanes iletradas
esses livros em vocalise
essa tocaia e fuga em ré
esses hipocampos selados
essas risadas grisalhas
esse varal de vespas
esse sarau das bestas
essa lama seca entre os astros
esse hermeneuta e seus cascos
essas absides sem pescoço
esse baralho cartesiano
essa dânae dos bancos
esses corvos abúlicos
essas luas em conserva
esses campos escalpelados
esses choque térmico das esferas
esses cabides de esperas
esses faetontes urbanos
esse cemitério de esboços
essas cimitarras verbais
essas odes abortadas
esses ódios em gavetas
essas enguias turísticas
essa folia arrivista
essas parábolas arquivadas
esse remorsos dos cataclismos
esse vômito dos canais
esse esgoto de digitais
essas franquias de córtex
essas ampolas de dúvidas
esse apóstrofo entre os dias
essas reticências sublevadas
essas traças no cabeçalho
esses vórtices de tédios
esse pensamento hemiplégico
esse rocio nas mãos
esse rodízio de inércias
esse eco de auroras
esse apego das células
esse diário dos danos
esses restos de Orfeu
essa lira desdentada
esses trem de pronomes
essa ânsia de final
essa paralalia
essa estação provisória
este verso terminal.
Marcantonio, Rio de Janeiro-RJ
A Música Que Toca Sem Parar:
da Grã-Bretanha, o rock progressivo do Marillion, na bela balada Beautiful.
Eu e minhas redundâncias, um homem-pleonasmo "solto" neste cubículo.
.
Cínica
se apanhei castanholas sangrentas
na rede verdosa de minhas saias infantis
se caiei minha cara sem lisura
de pó e pingente enfeitada
é que o futuro é promessa
e quem não se arma de máscara boa de arame
tem arranhões no coração trançados
e um tumor seco entre as pernas recolhido.
Iara Maria, Currais Novos-RN
A augusta tradição II
Meu poema João Cabral melodiando,
nos Barros, na terra suja dos sem nomes,
alvíssima Bandeira, ser dos montes Drummond
arder Andrades, na Cruz de todos que sejam,
participo eco de Ferreira, som do sopro de um assovio,
daquela Adélia, fresta de lábios contra a luz,
fio de Cecília a esculpir, na vinda Hilda vida enfim.
Assis Freitas, Feira de Santana-BA
BANG!
Este verso inicial
esse est percipi
esse hábito sem monge
esse mapa sem linhas
esses monóculos irmanados
essa visão convertida
esse órgão orgíaco
essas esparsas partidas
esse poema maníaco
essa rima endêmica
essa folha anêmica
esse só dissolvido
esse pó apodrecendo
esse mar segmentado
essa lírica feira
essa vírgula ligeira
esse ponto artífice
essa língua de enganos
esses cúmulos na boca
esse mundo entre coxas
essa porta sob o púbis
esse focinho de Anúbis
esses páramos para o nunca
esse ânus de anis
essas floras fortificadas
essas pálpebras palmilhadas
esses seios insones
esses cabelos ciclones
essa fruta indefesa
essas maçãs zigomáticas
esses zaratrustas calados
esse édipos com binóculos
e essas esfinges distantes
essa cabeça em capítulos
essas ações em fascículos
esse Hegel silabado
esse divisor de mágoas
esses rins derrisórios
esses olhos calóricos
esse sujo sujeito
esse vogar de aliterações
esses veios abstratos
essa canção sem vértebras
essa dialética sem vértices
essas ágoras fechadas
esses verbos sem hélices
essas estátuas atualizadas
essas fezes cristãs
esse orbe mictório
esse particípio permanecendo
esse selo adiado
esse zelo encadeado
esses dentes descarrilados
esse pente sem paralelas
esse visgo em pronomes
essa vigas sob os nomes
esses netunos de aquário
esses ulisses divorciados
esses prometeus suturados
e seus abutres amestrados
esses piolhos fotogênicos
esse som essa fúria de astúcias
essas furnas de vaidades
essas taças afastadas
esse epicuro epicentro
esses trincos combalidos
esses profetas protéticos
essa profissão de fel
esse pólen sem sol
esses pólos sem marcos
essa régua no olhar
essa maré de janelas
essas esporas dos mitos
essas chaves sem voltas
essas lápides de estrelas
essas telas estelas
esses penteus autopsiados
esses blakes blindados
essa maiêutica hiperestésica
essas crenças anestésicas
esses narizes de ciranos
e suas roxanes iletradas
esses livros em vocalise
essa tocaia e fuga em ré
esses hipocampos selados
essas risadas grisalhas
esse varal de vespas
esse sarau das bestas
essa lama seca entre os astros
esse hermeneuta e seus cascos
essas absides sem pescoço
esse baralho cartesiano
essa dânae dos bancos
esses corvos abúlicos
essas luas em conserva
esses campos escalpelados
esses choque térmico das esferas
esses cabides de esperas
esses faetontes urbanos
esse cemitério de esboços
essas cimitarras verbais
essas odes abortadas
esses ódios em gavetas
essas enguias turísticas
essa folia arrivista
essas parábolas arquivadas
esse remorsos dos cataclismos
esse vômito dos canais
esse esgoto de digitais
essas franquias de córtex
essas ampolas de dúvidas
esse apóstrofo entre os dias
essas reticências sublevadas
essas traças no cabeçalho
esses vórtices de tédios
esse pensamento hemiplégico
esse rocio nas mãos
esse rodízio de inércias
esse eco de auroras
esse apego das células
esse diário dos danos
esses restos de Orfeu
essa lira desdentada
esses trem de pronomes
essa ânsia de final
essa paralalia
essa estação provisória
este verso terminal.
Marcantonio, Rio de Janeiro-RJ
A Música Que Toca Sem Parar:
da Grã-Bretanha, o rock progressivo do Marillion, na bela balada Beautiful.
Eu e minhas redundâncias, um homem-pleonasmo "solto" neste cubículo.
.
Sunday, August 1, 2010
.
Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os seus recessos negros
onde se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se: o mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, essa lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponto a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.
Herberto Helder
A Música Que Toca Sem Parar:
o português Sérgio Godinho e o brasileiro Ivan Lins dividem os vocais da belíssima Que Há de Ser de Nós, de autoria do primeiro.
Já viajámos de ilhas em ilhas
já mordemos fruta ao relento
repartindo esperanças e mágoas
por tudo o que é vento
Já ansiámos corpos ausentes
como um rio anseia p´la foz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós?
Que há-de ser do mais longo beijo
que nos fez trocar de morada
dissipar-se-á como tudo em nada?
Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós
Já avivámos brasas molhadas
no caudal da lágrima vã
e flutuando, a lua nos trouxe
à luz da manhã
Reencontrámos lágrimas e riso
demos tempo ao tempo veloz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós
Que há-de ser da mais longa carta
que se abriu, peito alvoroçado
devolver-se-á: «endereço errado?»
Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós
Já enchemos praças e ruas
já invocámos dias mais justos
e as estátuas foram de carne
e de vidro os bustos
Já cantámos tantos presságios
pondo o fogo e a chuva na voz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós?
Que há-de ser da longa batalha
que nos fez partir à aventura?
que será, que foi
quanto é, quanto dura?
Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós
Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os seus recessos negros
onde se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se: o mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, essa lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponto a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.
Herberto Helder
A Música Que Toca Sem Parar:
o português Sérgio Godinho e o brasileiro Ivan Lins dividem os vocais da belíssima Que Há de Ser de Nós, de autoria do primeiro.
Já viajámos de ilhas em ilhas
já mordemos fruta ao relento
repartindo esperanças e mágoas
por tudo o que é vento
Já ansiámos corpos ausentes
como um rio anseia p´la foz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós?
Que há-de ser do mais longo beijo
que nos fez trocar de morada
dissipar-se-á como tudo em nada?
Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós
Já avivámos brasas molhadas
no caudal da lágrima vã
e flutuando, a lua nos trouxe
à luz da manhã
Reencontrámos lágrimas e riso
demos tempo ao tempo veloz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós
Que há-de ser da mais longa carta
que se abriu, peito alvoroçado
devolver-se-á: «endereço errado?»
Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós
Já enchemos praças e ruas
já invocámos dias mais justos
e as estátuas foram de carne
e de vidro os bustos
Já cantámos tantos presságios
pondo o fogo e a chuva na voz
já fizemos tanto e tão pouco
que há-de ser de nós?
Que há-de ser da longa batalha
que nos fez partir à aventura?
que será, que foi
quanto é, quanto dura?
Que há-de ser, só nós o sabemos
pondo o fogo e a chuva na voz
repartindo ao vento pedaços
que hão-de ser de nós
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