Adaptação de um texto, escrito por mim em 2007, em "homenagem" a uma das maiores azaradas que já conheci na vida. Mas, apesar de tudo, ela sobreviveu.
Apresento a vocês, Gica, a mulher que mesmo no maior dos apuros, jamais "desceu do salto".
(obs.: parte dos ocorridos é real, e parte é fictícia; mas, se eu falar o que é verdadeiro ou não, perde a graça).
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O dia começou cedo para Giovana. Mais cedo até do que ela esperava. Rui, o namorido (aquilo que fica entre a situação de namorado e marido) ligou as 4 da madrugada, justificando seu atraso. A ex-esposa telefonara, e estava depressiva. Ele, como um bom “amigo”, precisou ir até o apartamento dela, mas perdeu a hora, e agora, possivelmente a namorada também.
Gica, como Giovana é conhecida pelos amigos, não expressou reação alguma. Encostou a cabeça ao travesseiro e dormiu. Mas dormiu demais. E lá pelas 9 horas da manhã, abria a porta do carro na maior correria. Um cliente a encontraria logo cedo para a avaliação de um imóvel. Clec. Clec? O salto quebrou. Ela olhou para o pé esquerdo e emendou. “Justo o esquerdo? Isso é sinal de azar”. No entanto, tudo teria sido mais simples e rápido para arrumar se ela, diante dos 120 pares de sapatos que possuía, tivesse achado um que combinasse com a roupa que trajava. Nada. Precisava comprar mais sapatos, pelo menos mais alguns pares que combinassem com as roupas que tinha.
Àquela altura, só restava inventar uma desculpa para o cliente... e também para o chefe. Já no escritório, e com quase tudo contornado, descobriu que precisaria trabalhar até mais tarde, pois iria ajudar numa palestra. Até aí tudo bem, não fosse o palestrante. Era o Isidoro Boca Santa. Ele tinha esse nome porque não deixava escapar uma mulher que fosse, e ela o odiava. Sentou e desanimou. Ela simplesmente detestava aquele homem.
Pouco depois, e ainda irritada com tudo o que ocorrera até ali, foi até a sala de Glorinha, a “melhor amiga”, e desabafou. Contou tim-tim por tim-tim o que estava ocorrendo. Glorinha fazia o tipo que “tudo vê, tudo sabe e tudo opina”, mas o que Gica não sabia, é que a amiga era a maior alcoviteira que existia naquelas paragens. E em menos de 20 minutos, a empresa inteira sabia que “Gica havia sido chutada por Rui, e que Isidoro era o novo amante dela”. Chegaram a dizer, também, que "Rui a trocara por Isidoro". A cabeça da moça deu mil voltas, e ela desabou de vez. “O que mais falta acontecer, meu Deus?”. Antes não tivesse perguntado, pois logo em seguida, apareceu outro problema. O saldo de uma de suas contas correntes estava zerado, e ela logo descobriu o motivo. Rui tinha a senha da conta. Ela ficara apenas com uns poucos reais em outra conta corrente.
A tarde passou lenta, e já de saída para a palestra, Gica se olhou no espelho e se viu desmotivada e a beira de um colapso nervoso. Mas ainda tinha a palestra. Como de praxe, estava atrasada, e mais uma vez, o destino lhe pregou uma peça. Deixara as chaves do carro em qualquer lugar, menos onde deveria ter deixado. Achá-las? Quem dera. Foi de táxi mesmo.
Já no meio do percurso, abriu a bolsa e se deu conta de que não tinha um centavo na carteira. Então, com muito esforço e educação, solicitou ao motorista que parasse num caixa-eletrônico, e foi logo atendida. O motorista, com cara de poucos amigos, desconfiou de algum golpe. Já era noite, e quando ele olhou pelo espelho e notou um homem suspeito se aproximando, tratou de sair logo dali, deixando a passageira por conta própria.
Gica sequer se deu conta, e quando completou a operação e estava voltando para o táxi, viu que ele não estava mais ali. Diante dela, apenas um sujeito mal encarado e olhando fixamente para ela.
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--É um assalto! Me dá tudo o que você tem aí! Rápido.
--Moço! Agora não dá. To sem tempo. --ela respondeu, como se não estivesse entendendo o que acontecia naquele instante. --O senhor viu aquele táxi que estava parado aqui?
--Dona, caso não tenha entendido, isso aqui é um assalto.
--Quero comprar nada não, cara. Que tipo? E ainda vem dizer que é um assalto. Tá de brincadeira, né? --ela comentou, baixando o olhar para a mão direita do sujeito, que carregava uma arma. --Aaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiiiiiii... tarado! Socorro! --Gica começou a berrar e bater no assaltante com as mãos e a bolsa.
O assaltante, desesperado, não sabia o que fazer, e ficou ainda mais atônito ao ver que o dinheiro que ela carregava nas mãos voou por todos os cantos e estava sendo carregado pelo vento.
--Misericórdia, moça. Você é doida ou cheirou loló?
--Tarado. Socorro!
--Não sou tarado. Sou apenas um bandido honesto e trabalhador, e que só entra em furada. Se acalma.
Ela, naquele furor, parou o que estava fazendo e ficou estática, apenas olhando para aquele homem, que já não parecia tão assustador. Então, sem cerimônias, despencou em lágrimas e se abraçou ao homem, que assombrado, apenas a confortou nos ombros.
--Moça, não faz isso! Tá me desmoralizando na frente dos meus chegados. O que eles vão pensar? E como vou conseguir te assaltar agora?
Ela se acalmou um pouco e se afastou. Estava nitidamente descontrolada, mas já conseguia respirar melhor. Ele sentou no meio-fio, desanimado, e a convidou para sentar também. E ali ficaram, trocando olhares temerosos. Repentinamente, ela começou a falar desgovernadamente, contando tudo o que havia acontecido. Ele tentou interrompe-la, mas sempre que o fazia, ela recomeçava. Sem ter o que fazer, o ladrão apoiou o queixo e ficou escutando. No final da narrativa, ele estava tão impressionado, que se mostrava irritado com tudo e solidário a ela.
--E foi isso que aconteceu, senhor ladrão. Pode uma coisa dessas? E ainda por cima, o único dinheirinho que eu tinha, o senhor me fez perder. Agora estou sem marido, sem dinheiro, possivelmente sem emprego e mal falada. O que é que eu faço? Me diz?
O homem levantou e colocou a mão por dentro das calças, o que a fez dar um pulo e ficar em pé, assustada.
--Calma, dona. Não sou nenhum insensível, e também fui culpado por uma de suas desgraças. Só vou lhe dar algum dinheiro.
--Mas tem que guardar justo nesse lugar?
--O local aqui é perigoso, e tem muito assaltante. Não dá para dar mole. Toma, segura minha arma enquanto eu pego o dinheiro. Não precisa ter medo que a pistola é de plástico.
Ela arregalou os olhos e pegou a arma, e logo depois um pequeno saco plástico, que parecia conter um bom volume de notas, das quais, ele daria apenas algumas a ela. O ladrão, sem se esperar, se atrapalhou todo e deixou as calças arriarem, justamente quando uma viatura da polícia passava pelo lugar.
O que os policias viram, naquele instante, foi uma mulher de saia curta, segurando um pacote plástico numa mão e apontando uma arma para um homem sem calças. Pararam o veículo imediatamente e saíram do carro. O assaltante, ao ver aquilo, saiu cambaleando e tentando levantar as calças, mas conseguiu fugir. E a Gica, inocente que era, ficou sem entender nada.
--Parada. Solta a arma e levanta os braços. Além de fazer programa, ainda assalta os clientes?
--Moço, não é isso. Esse bondoso senhor que estava aqui, sem calças, só estava tentando me assaltar. E depois, boa alma que é, me deu um dinheirinho. Tá aqui, ó. Neste pacote.
O policial se aproximou e verificou o pacote, soltando em seguida um grande sorriso.
--Oh! Gusmão. Passa um rádio prá central e avisa que encontramos quem anda passando dinheiro falso aqui na área. Hoje é nosso dia de sorte. Tem mais de 5 mil aqui, tudo em notas falsas.
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--E essa agora? --Gica suplicou, olhando para o alto. --Tá faltando acontecer mais alguma coisa ainda?
Clec.
--De novo, não! Meu salto! --ela gritou, irritada. --Que droga. Tudo bem ser presa, mas entrar numa delegacia com o salto quebrado, é o fim da picada. Dá para passar lá em casa antes, para eu trocar os sapatos? É rapidinho, eu juro!
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É como dizem por aí: Nada é tão ruim que não possa piorar.
Ou, então: “Ferrada” sim, mas sem perder a elegância.
MarcioJR