Foi com agrado e alguma surpresa que assisti a duas cenas do filme “Elizabeth, the Golden Age”, em que aparece a figura de John Dee, o astrólogo da rainha inglesa. Numa delas, a rainha manda sair da sala as suas aias e pede-lhe previsões pessoais [a consulta até aí, era sobre o seu reino], ao que Dee respondeu que teria que levantar outras cartas pois não era um profeta e que a astrologia era uma arte e não uma ciência, pelo que se poderia enganar. Simplesmente fantástico em termos de divulgação mundial.
Outra informação prestada por John Dee nesse filme remete-nos imediatamente para a astrologia (medieval e tradicional) praticada na época. Os astrólogos (então não eram assim chamados) levantavam mapas para os seus “senhores”, no género masculino. Elizabeth I era rainha. Portanto, era um “príncipe do género feminino” o que provocava estranheza e algumas dúvidas sobre se a astrologia funcionava de igual modo que para os príncipes do sexo masculino. Até porque a sua antecessora e meia-irmã Maria, tivera um reinado curto de menos de 2 anos. Hoje em dia, nós, estudantes de astrologia nem nos apercebemos destas minúcias, pois aprendemos a diferenciar certos aspectos astrológicos, consoante o género. O que hoje sabemos veio de pessoas como John Dee e outros. Estamos a falar de ocorrências do século XVI.
Estas cenas fizeram-me ir à minha base de dados onde guardo os meus apontamentos sobre ocultismo, angeologia e outras questões esotéricas. Aqui deixo uma informação muito reduzida e condensada do que lá tenho sobre John Dee.
Nasceu em Londres, em 1527, filho de um criado do Rei Henrique VIII. Desde muito jovem que se interessou por ocultismo e dedicou-se ao seu estudo profundo. Deixou muita documentação escrita sobre as suas práticas. Uma característica importante foi nunca ter ocultado a sua prática ocultista, como Agrippa o fez, por exemplo. Nunca escondeu a sua Arte. É muito fácil ainda hoje cairmos na tentação de considerarmos estes estudiosos ocultistas de magos, feiticeiros, alquimistas, astrólogos, filósofos, criadores, inventores, etc. Na época eram tudo isto. Muitas vezes também eram médicos. Não havia “astrólogos” no conceito que hoje existem. Havia os "Artistas". Não havia a moda recente de alguns considerarem-se "espiritualistas", como se a espiritualidade fosse um ramo alheio ao ocultismo.
Foi apadrinhado por diversas personalidades poderosas, incluindo a Rainha Elizabeth I, o Conde Albert Lasky da Polónia, o Rei Estevão da Polónia, o Conde Rosenberg de Trebona e Sir Walter Raleigh. Em vez de entrar em conflito com as autoridades, beneficiou da sua ajuda e apoio. Após uma deslocação a Lovaina e Paris onde obteve um êxito tremendo com as suas palestras, regressou a Inglaterra, e descobriu que se havia tornado algo semelhante a uma celebridade. Hoje, seria o equivalente a uma vedeta da canção pop, pelas suas aparições em público, com as suas palestras, as suas ideias muito avançadas sobre astrologia, além de profundo conhecedor da magia dos anjos. Assim, criou a reputação de mago e feiticeiro, quando na verdade, era um intelectual e estudioso de documentos muito antigos.
Após a morte do Rei Henrique VIII, sucedeu-lhe Eduardo (num curtíssimo reinado), que impressionado com John Dee, concedeu-lhe uma pensão vitalícia de 100 coroas por ano. Para termos uma perspectiva desse montante naquela época, uma família inteira poderia viver folgadamente com uma fracção desta quantia. A concessão desta pensão constituiu o reconhecimento de que John Dee era o maior estudioso do seu tempo.É verosímil que nesta data John Dee tenha conhecido a então princesa Elizabeth, se, de facto, não a conhecera antes, enquanto pequeno. Sendo alguns anos mais nova do que ele, atractiva e também muito estudiosa, é plausível que Dee desenvolvesse uma paixão pela jovem princesa. Ou talvez tenha sido ao contrário. Em todo o caso, houve uma inegável afeição entre ambos, que perdurou por todas as suas longas vidas.
Elizabeth era filha de Ana Bolena e do rei Henrique. Na época, ela era considerada uma bastarda com poucas hipóteses de alguma vez ascender ao trono. Seja como for, Elizabeth nunca o desamparou no longo período da sua associação — mesmo quando ele tornou-se impopular entre os seus súbditos — e Dee também nunca a abandonou, considerando-a a sua protectora máxima, até quando viajava pelo estrangeiro. O rei Eduardo não viveu por muito tempo e foi sucedido, não por Elizabeth, mas por Maria, a filha da primeira mulher de Henrique, Catarina de Aragão.A princípio, a mudança na realeza não afectou John Dee; contudo, quando a rainha Maria se comprometeu a suprimir a heresia protestante, o trabalho de John Dee ficou imediatamente sob suspeita. Foi apanhado a escrever cartas aos criados de Elizabeth, sendo de seguida preso sob a acusação de tentativa de assassinato da rainha Maria através da utilização de encantamentos. Política, portanto.
Dee foi ilibado da heresia e a experiência não parece ter afectado a sua dedicação à aprendizagem, pois depressa apresentou uma petição à nova rainha, pedindo-lhe a cooperação num plano para preservar e recuperar certos monumentos da antiguidade clássica.
Nesse tempo um dos principais interesses de John Dee era a astrologia. Quando Maria faleceu e Elizabeth ascendeu ao trono, o seu protegido, Robert Dudley, incumbiu John Dee de seleccionar o dia mais auspicioso para a coroação dela. A isto chama-se astrologia electiva. Este foi apenas um episódio nos muitos anos de amizade entre Elizabeth e John Dee. Pelos vistos, a escolha do dia da coroação através da astrologia revelou-se certeira, pois Elizabeth reinou durante mais de 40 anos, trazendo prosperidade, solidez, segurança e criando as bases sólidas daquilo que se conheceu mais tarde como o "império britânico". Foi uma governante notável, que soube associar-se a um astrólogo-intelectual fora de série, tendo sido sempre bem aconselhada.
John Dee prosperou sob a protecção de Elizabeth. Constituiu uma enorme biblioteca de cinco mil livros e manuscritos, uma colecção que constituiu o núcleo inicial da actual British Library.
Vários imperadores e príncipes ofereceram-lhe protecção, que ele recusou, estando feliz ao serviço de Elizabeth. O Czar da Rússia chegou a oferecer-lhe duas mil libras por ano, caso se mudasse para Moscovo. Foi o mais respeitado estudioso do seu tempo, gozando da atenção de uma Rainha que tinha alta consideração por ele e que o tratou como um dos tesouros do seu reino.
Ainda tenho presente a cena nesse filme em que Elizabeth, desesperada por ter, praticamente às portas de Londres, a poderosa Armada Espanhola, de Filipe de Castela, pede a John Dee que interpretae o que os astros diziam sobre essa guerra eminente. A chorar, Elizabeth dizia-lhe "Dr. Dee, diga-me o que os meus ouvidos querem ouvir." [Tive cenas parecidas com clientes, diga-se.] E John Dee manteve a sua previsão: "Majestade, um império vai surgir desta batalha." Elizabeth, tristíssima, interpretou no sentido que seria o fim da Inglaterra, pois a sua frota era insignificante comparada com a poderosa armada que actuava em nome de Deus. Um dia depois uma terrível tempestade afundou a Armada Spaniola (como diziam), fazendo de Elizabeth a vencedora desta terrível batalha. O mundo nunca mais foi o mesmo. A partir daí, criou a frota mais poderosa de então e construiu o tal império que John Dee lhe lera nos astros.
Este texto foi publicado pela 1ª vez no dia 5 Agosto 2008, no 'Cova do Urso'.
Nasceu em Londres, em 1527, filho de um criado do Rei Henrique VIII. Desde muito jovem que se interessou por ocultismo e dedicou-se ao seu estudo profundo. Deixou muita documentação escrita sobre as suas práticas. Uma característica importante foi nunca ter ocultado a sua prática ocultista, como Agrippa o fez, por exemplo. Nunca escondeu a sua Arte. É muito fácil ainda hoje cairmos na tentação de considerarmos estes estudiosos ocultistas de magos, feiticeiros, alquimistas, astrólogos, filósofos, criadores, inventores, etc. Na época eram tudo isto. Muitas vezes também eram médicos. Não havia “astrólogos” no conceito que hoje existem. Havia os "Artistas". Não havia a moda recente de alguns considerarem-se "espiritualistas", como se a espiritualidade fosse um ramo alheio ao ocultismo.
Foi apadrinhado por diversas personalidades poderosas, incluindo a Rainha Elizabeth I, o Conde Albert Lasky da Polónia, o Rei Estevão da Polónia, o Conde Rosenberg de Trebona e Sir Walter Raleigh. Em vez de entrar em conflito com as autoridades, beneficiou da sua ajuda e apoio. Após uma deslocação a Lovaina e Paris onde obteve um êxito tremendo com as suas palestras, regressou a Inglaterra, e descobriu que se havia tornado algo semelhante a uma celebridade. Hoje, seria o equivalente a uma vedeta da canção pop, pelas suas aparições em público, com as suas palestras, as suas ideias muito avançadas sobre astrologia, além de profundo conhecedor da magia dos anjos. Assim, criou a reputação de mago e feiticeiro, quando na verdade, era um intelectual e estudioso de documentos muito antigos.
Após a morte do Rei Henrique VIII, sucedeu-lhe Eduardo (num curtíssimo reinado), que impressionado com John Dee, concedeu-lhe uma pensão vitalícia de 100 coroas por ano. Para termos uma perspectiva desse montante naquela época, uma família inteira poderia viver folgadamente com uma fracção desta quantia. A concessão desta pensão constituiu o reconhecimento de que John Dee era o maior estudioso do seu tempo.É verosímil que nesta data John Dee tenha conhecido a então princesa Elizabeth, se, de facto, não a conhecera antes, enquanto pequeno. Sendo alguns anos mais nova do que ele, atractiva e também muito estudiosa, é plausível que Dee desenvolvesse uma paixão pela jovem princesa. Ou talvez tenha sido ao contrário. Em todo o caso, houve uma inegável afeição entre ambos, que perdurou por todas as suas longas vidas.
Elizabeth era filha de Ana Bolena e do rei Henrique. Na época, ela era considerada uma bastarda com poucas hipóteses de alguma vez ascender ao trono. Seja como for, Elizabeth nunca o desamparou no longo período da sua associação — mesmo quando ele tornou-se impopular entre os seus súbditos — e Dee também nunca a abandonou, considerando-a a sua protectora máxima, até quando viajava pelo estrangeiro. O rei Eduardo não viveu por muito tempo e foi sucedido, não por Elizabeth, mas por Maria, a filha da primeira mulher de Henrique, Catarina de Aragão.A princípio, a mudança na realeza não afectou John Dee; contudo, quando a rainha Maria se comprometeu a suprimir a heresia protestante, o trabalho de John Dee ficou imediatamente sob suspeita. Foi apanhado a escrever cartas aos criados de Elizabeth, sendo de seguida preso sob a acusação de tentativa de assassinato da rainha Maria através da utilização de encantamentos. Política, portanto.
Dee foi ilibado da heresia e a experiência não parece ter afectado a sua dedicação à aprendizagem, pois depressa apresentou uma petição à nova rainha, pedindo-lhe a cooperação num plano para preservar e recuperar certos monumentos da antiguidade clássica.
Nesse tempo um dos principais interesses de John Dee era a astrologia. Quando Maria faleceu e Elizabeth ascendeu ao trono, o seu protegido, Robert Dudley, incumbiu John Dee de seleccionar o dia mais auspicioso para a coroação dela. A isto chama-se astrologia electiva. Este foi apenas um episódio nos muitos anos de amizade entre Elizabeth e John Dee. Pelos vistos, a escolha do dia da coroação através da astrologia revelou-se certeira, pois Elizabeth reinou durante mais de 40 anos, trazendo prosperidade, solidez, segurança e criando as bases sólidas daquilo que se conheceu mais tarde como o "império britânico". Foi uma governante notável, que soube associar-se a um astrólogo-intelectual fora de série, tendo sido sempre bem aconselhada.
John Dee prosperou sob a protecção de Elizabeth. Constituiu uma enorme biblioteca de cinco mil livros e manuscritos, uma colecção que constituiu o núcleo inicial da actual British Library.
Vários imperadores e príncipes ofereceram-lhe protecção, que ele recusou, estando feliz ao serviço de Elizabeth. O Czar da Rússia chegou a oferecer-lhe duas mil libras por ano, caso se mudasse para Moscovo. Foi o mais respeitado estudioso do seu tempo, gozando da atenção de uma Rainha que tinha alta consideração por ele e que o tratou como um dos tesouros do seu reino.
Ainda tenho presente a cena nesse filme em que Elizabeth, desesperada por ter, praticamente às portas de Londres, a poderosa Armada Espanhola, de Filipe de Castela, pede a John Dee que interpretae o que os astros diziam sobre essa guerra eminente. A chorar, Elizabeth dizia-lhe "Dr. Dee, diga-me o que os meus ouvidos querem ouvir." [Tive cenas parecidas com clientes, diga-se.] E John Dee manteve a sua previsão: "Majestade, um império vai surgir desta batalha." Elizabeth, tristíssima, interpretou no sentido que seria o fim da Inglaterra, pois a sua frota era insignificante comparada com a poderosa armada que actuava em nome de Deus. Um dia depois uma terrível tempestade afundou a Armada Spaniola (como diziam), fazendo de Elizabeth a vencedora desta terrível batalha. O mundo nunca mais foi o mesmo. A partir daí, criou a frota mais poderosa de então e construiu o tal império que John Dee lhe lera nos astros.
Este texto foi publicado pela 1ª vez no dia 5 Agosto 2008, no 'Cova do Urso'.