terça-feira, 31 de março de 2009

NA AVENIDA

Sob a luz, os cabelos lisos,
a suavidade do vento no rosto...

E seus seios, suas pernas desconcertantes,
as formas da claridade de um dia,
e carros passam desnecessários.

Há os gestos e os silêncios das pessoas,
nos olhos, as estátuas de um contato
ou o sentido de uma pele perfumada;

nos braços, o estabelecido,
as mãos vestidas como roupas,
em seus lábios, uma alma inicial.

E os soldados invisíveis que vigiam...
E seu corpo tão macio e imaginário...
E as pessoas que passam na avenida.

segunda-feira, 30 de março de 2009

CONJUNÇÕES

Nas aparências dos muitos dias,
as superfícies, as superfícies...
[os tempos que se descontinuam
e a impenetrabilidade das sombras].

Nas pedras das ruas, os passos,
as aniquilações das origens,
mil imagens desfiguradas,
recalcitrações dos infames.

Nas mãos e nos braços aprisionados,
carnes esmagadas, faces dominadas,
desordens das tempestades primordiais.
Nos terrenos baldios, o lixo.

quinta-feira, 26 de março de 2009

INDO À ESCOLA

Zuna, bicicletinha, zuna,
corra ladeira abaixo!...

Em meu rosto desenfreado,
os sentidos das desordens do ar,
dos desafios ao vento,
dos descaminhos do caos.

Lá embaixo, a rua estreita e a praça,
o colono da estátua e o cinema dos sonhos,
depois, a rua das mulheres vadias,
só mais adiante, o colégio dos frades.

Desça a ladeira, bicicletinha,
desça rápido, muito rápido!
Ao lado da ladeira, a flor que não beijarei
é minha lágrima-virtude.

terça-feira, 24 de março de 2009

ENCONTRO

Talvez ouçamos muitas orações,
vozes e trombetas vibrantes
dos que aclamam as imagens.

Somos das terras dos vulcões,
terras extintas e necessárias,
de onde trazemos complexa bagagem,
o que nos resta caminhar.

Em nossa inconseqüência, vemo-nos sagrados,
apesar de nossas roupas tão vulgares,
das formas de Medusa que assumimos,
quando nos abraçamos, nos apertamos,
quando nos devoramos.

Queremo-nos em nossas palavras,
em nossos gemidos inúteis,
em nossas sórdidas invenções,
e em nossas oportunas mentiras...

A chuva cai muito lá fora, na noite.
Deixemos que os outros chorem.
E, depois, esqueçamo-nos em definitivo.

ASSIMETRIAS

Entrar por uma porta que é saída,
ter, no tato do vento, os espelhos dos olhos,
e alguém que sempre persiste dizendo:
“Pronto, aqui não estou!”

A luz é abismal, insondável,
é a omissão das sombras,
o mesmo que o escuro infinito,
uma consumação permitida.

Os passos, quando são firmes,
são sempre convulsivos
e há só uma direção,
um só caminho indicado...

Mas sempre há uma alma contrária.

sexta-feira, 13 de março de 2009

O SÉQUITO

Eu vejo o desfile imenso:
as faces, os risos mortos,
os muitos olhos escuros,
as bocas deformadas,
os hálitos fétidos.

Eu vejo o grande desfile
seguindo o potentado,
a infinita procissão de sombras,
estendida nas penumbras dos dias.

Eu sinto, eu percebo, eu sei!

Vejo a consistência dos vultos,
os cálculos de seus passos frios,
o desfalecer, a rendição dos santos,
na inteira submissão dos reflexos.

Vejo as enormes filas vindas das distâncias,
as mulheres ocultas, travestidas no branco,
e as lamúrias dos homens não-revelados,
seus pés inúteis sangrados.

E você é como uma jarra com flores murchas,
negra de água apodrecida e lodo,
pois, com minhas mãos, lhe nego um abismo
e entrego-lhe imagens profundas sem véus.

Eu sempre venho, sempre me anuncio:
ainda lhe trago incenso, ouro e mirra
e trago-lhe, agora, uma cruz de acrílico,
tenho uma imensa avenida plástica.

PERMANÊNCIA

Ah, ainda tenho minhas pedras, muitas pedras!...
E trago, agora, vidros e resinas abundantes,
também meus engenhos híbridos e fulgurantes,
e ergo-me em meus enormes templos adversos.

Eu tenho luzes fundamentais,
visto-me com as levezas do acrílico,
trago a explosão dos elementos originais,
meu pecado, minha presença.