"Dia das mães? Dia dos Pais? Pra comemorar? Vamos comemorar o dia da Família."
Essa discussão permeada por questões comerciais, políticas, pedagógicas, costumeiras ou como queiram chamar ...fez e faz parte de muitas discussões e reuniões ao longo da minha carreira docente. Não é coisa nova. Aliás, nem precisaria existir tantos discursos se na sociedade em que vivemos pai, mãe e família fossem de fato prioridade.
A sociedade mudou, a família mudou e a escola tem que mudar. Concordo. O que ainda me leva a momentos de reflexão é a essência da mudança. Celebrar datas não deveria ser a essência, mas sim os valores. Festejar para consumir não contribui na formação de crianças e jovens de forma positiva.
Confeccionar pequenos cartões e recados para as pessoas da família poderia ser prática cotidiana. Estamos carentes de afeto e consequentemente de demonstrações desse afeto. Presenciamos manifestações de muitos desafetos, basta ligar a tv, olhar pela janela do carro, ler os jornais.
É necessário cultivar o que é bom, que faz bem a alma. Pensando nisso, abri
meus guardados (leia este outro post) para dar forma as minhas ideias. Lembranças que nutrem a vida da gente e que muitas vezes foram produzidas no espaço da escola e que se perpetuam em nossa casa e vida cotidiana.
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Afetos guardados para sempre |
Nesse contexto compartilho um texto precioso que tive o contato via Jornal Estado de Minas em abril de 2003. Guardo o texto original, folhas amareladas que traduzem a essência de que o "velho" deve ser guardado, preservado, mas depois pode ser compartilhado. Transcrevo o texto de Fernando Brant.Jornalista mineiro que admiro e que gentilmente compartilhou por email o que agora transcrevo. Desde já agradeço ao autor pelo gesto de partilha.
Compartilho o texto como convite para que cada um leia e pondere : Qual tem sido o espaço e a essência da família? Como andam nossas demonstrações de afeto?
Boa leitura e se puder deixe seus comentários. Abraços carinhosos....
OS GUARDADOS DE MEU PAI.
É uma sorte ter um pai como eu tenho. Não o considero coisa rara
pois me acostumei a conviver com o tipo de gente que ele é. Ele e minha mãe.
Sempre muito organizado e justo, foi melhorando a cada pedaço de
tempo que foi vivendo. Viver é ir-se aperfeiçoando, crescendo em humanidade.
Ficou uma fera quando chegou o tempo da aposentadoria compulsória. Se iria
continuar recebendo, o certo era continuar trabalhando. O serviço público prescindir
da experiência e do conhecimento que adquirira parecia-lhe insensato. Mas assim
é a vida e ele teve que continuar criando projetos existenciais por conta
própria.
Pai de dez filhos, pai de onze porque a caçula durou pouco, ele
foi colecionando, ao longo do tempo, os pequenos pedaços da história de cada um
deles. Para cada um, uma pasta. Resolveu, recentemente, distribuí-las aos
personagens. Recebi a minha na última semana.
Todas as reportagens sobre minha trajetória estão lá.
Carinhosamente, ele coletou tudo que se escreveu a meu respeito e que ele teve
conhecimento.
Mas o toque mais fundo, o que estraçalha de emoção a alma, são
os
boletins, as carteiras de estudante, os flagrantes do rapaz que eu
fui e que ele guardou para que eu possa, hoje, ter uma noção dos meus primeiros
passos. E poder avaliar se o que eu sou corresponde ao que eu era e prometia
ser.
Na caderneta de estudante, minha mãe avisava que havia motivo
justo para que eu chegasse atrasado ou faltasse à aula. Sua letra, aquela belíssima
letra que todas as mães professoras tinham, redondamente afirmava ao colégio
que a família estava ciente da trajetória do filho.
O convite de formatura do ginásio, com os nomes de todos os
colegas em ordem alfabética, me transporta para salas de aula, recreios de bola
de meia, padres neuróticos e uma meninada que poderia ter sido mas não sei se
foi. Já o da Faculdade de Direito traz à memória o fato de que o Hildebrando
foi o orador da turma, pequeno e audaz como sempre.
No meio dos guardados de meu pai, uma carta que escrevi para eles
quando estava me acostumando ao casamento, no tempo em que eu tinha a idade
para ser, hoje, irmão do meio de minhas filhas. “ Tudo legal na Ilha Grande, ou
Abraão- que é assim que eles chamam a cidadezinha onde fica a casa em que
estamos. Um dia chove, outro faz sol: mas é bom, pois assim a pele vai se
acostumando. 150 praias e 80 cachoeiras existem ao longo da ilha – é o que me
disse um interno do presídio. Não sei se é verdade, pois até agora só conheço
uma, em frente à casa em que estamos, bonita, calma, larga. Nos quintais,
coqueiros, bananeiras e abacaxis nativos lembram bem este tipo de ilha
tropical. A 50 metros da casa, sardinha de graça, ê maravilha”. E a carta se
encerrava com o filho acalmando a todos. Estava sendo muito bem tratado pela
mulher. “ Fiquem tranqüilos, eu não fugi, eu estou aí.”
Glória aos pais que cuidam assim, que conservam assim a história
dos filhos.
FERNANDO BRANT.