27/07/2024
19/07/2024
Dois dedos de conversa
Dois dedos de conversa: Rascunhos Secretos
Deana Barroqueiro vive em Portugal há muitas décadas e acaba de lançar o livro “Rascunhos Secretos»
MALGA DE VINHO POR SIZA VIEIRA
A MALGA DO 3º MILÉNIO (texto integral, com receita) por Deana Barroqueiro
«Na linha morfológica das tigelas e escudelas, com tamanhos e funções variáveis, usadas para cozinhar e no serviço das mesas, distingue-se a “malga”, de tamanho mais reduzido e pouco variável.
Com raízes na "magǐda", descrita por Plínio e usada nas libações aos deuses, a malga particulariza-se e individualiza-se, já na Idade Média, tornando-se, a partir do século XIV, num objecto indispensável a qualquer família, também nos lares quinhentistas.
Surgiu primeiro em barro, depois em “louça”, a cerâmica vidrada, branca ou decorada, importada de Málaga, aparecendo pela primeira vez mencionada como "mallega", num foral da Guarda de 1510, vulgarizando-se posteriormente como “malga”.
Com um diâmetro de bordo de 13-15 cm e uma altura de 7-8 cm, a malga destinava-se ao consumo individual do comer e do beber, sem necessidade de talheres.
A sua forma de semiesfera ou calota, com pé anelar, era perfeita para se levar à boca, suspensa entre dois dedos ou na concha das mãos, e emborcar o primeiro vinho recolhido directamente do pipo, na adega.
Ou ainda, quer na reunião familiar à roda da lareira nos tempos de invernia, quer no convívio com os vizinhos, na eira de noites estreladas, ao fim de um dia de trabalho, aninhada no aconchego das mãos, como um tépido seio de mulher, dispensando o garfo e a faca em favor da colher, o utensílio medieval por excelência, se comia a sopa, o ensopado, o creme ou o doce, em amena cavaqueira.
Serviu para múltiplas funções, como substituir as salseirinhas e os pratinhos medievais com especiarias, azeitonas ou torresmos, para o café ou as sopas de cavalo cansado, para medir os ingredientes das receitas de biscoitos e bolos, uma tradição que se manteve nas aldeias do interior de Portugal, até há algumas décadas.
Contudo, a malga vidrada e imaculadamente branca distinguiu-se como um ícone português, sobretudo, na região vitícola dos vinhos verdes, substituindo pichéis e copos, graças à amplitude da sua calota que, na degustação dos seus tintos, permite aspirar-lhes amplamente os aromas e, ao mesmo tempo, apreciar as tonalidades da sua cor quando tingem a tela branca de cerâmica. O triunfo dos vinhos verdes tintos surge, assim, no século XX, com o “vinhão da malga”.
A malga é, sem dúvida, um dos objectos portugueses mais tradicionais e com uma história de consumo e demanda mais longa, só perdendo importância, no século XVIII, entre a nobreza e a burguesia, devido ao excesso de porcelanas chinesas, símbolo de luxo e estatuto social, trazidas com a Expansão Marítima Portuguesa.
No Brasil, para onde foi levada pelos imigrantes (como em muitas outras partes do mundo), veio a sofrer o mesmo desprezo das classes altas, ficando o seu uso reservado ao povo.
Foi, todavia, reabilitada e de novo apreciada, a partir do século XIX, por intelectuais, artistas e escritores, como Eça de Queirós, que a refere nas suas obras: azeitonas pretas em malga de barro e também tabaco em malga vidrada, em A Cidade e as Serras. Ou Camilo Castelo Branco, em Maria Moisés (Novelas do Minho): «uma farta malga de caldo fumegando por entre uma floresta de couves recheadas de feijões vermelhos». No século XX, tornou-se num valioso artefacto para coleccionadores.
E foi então que a Pacheca, graças ao seu empenhamento na renovação de tradições antigas e identitárias de Portugal, como nação antiquíssima da Europa, convocou o génio criativo do grande arquitecto Siza Vieira, para a criação de uma “Malga do 3º Milénio”, que alia a tradição antiga à modernidade do estilo, sem corromper ou adulterar a sua natureza, para que os embaixadores portugueses no mundo possam exibir nas suas mesas, aos convidados, um belo e curioso artefacto português com história, fazendo brindes com os melhores vinhos de Portugal.
BROAS DE MEL (Alvaiade -Vila Velha de Ródão)
Ingredientes: 1 malga de ovos inteiros; 1 malga de azeite; 1 malga mal cheia de açúcar; 3 c. de sopa, bem cheias, de mel; 1 c. de chá de fermento em pó; 1 casca de limão; canela a gosto; cerca de 3 malgas de farinha de trigo.
Bate-se os ovos inteiros com o azeite, o açúcar, o mel, a casca de limão e a canela e, em seguida, mistura-se a farinha com o fermento. Deita-se a massa (pouco corredia, para não se espalhar demasiado), às colheres de sopa, em tabuleiros untados com azeite e polvilhados de farinha, deixando uma boa margem entre elas. Cozem em forno bem quente, previamente aquecido, até crescerem (cerca de 7 cm. de diâmetro) e ficarem douradas.
Malga de Vinho By Siza Vieira - Beber vinho tinto na malga! Uma tradição...
«O objectivo do promotor do projecto Quinta da Pacheca é destacar a portugalidade do objecto e do consumo de vinho. Tantas e tantas vezes associada ao consumo de vinho verde tinto, especialmente nas tascas e tabernas, a Quinta da Pacheca decidiu reinterpretar a tradicional malga de vinho. Para o efeito, pediu ao arquitecto Siza Vieira para abordar este objecto, de cariz eminentemente etnográfico, dotando-o de um novo design.
O objectivo é trazer a malga para os tempos modernos e ainda, de acordo com Paulo Pereira, sócio e proprietário da Quinta da Pacheca, destacar “a portugalidade” da malga enquanto utensílio de consumo de vinho, capaz de “estar nas mesas dos melhores restaurantes Michelin”, de ser destacado “nas embaixadas portuguesas espalhadas pelo mundo”, com a vantagem, ainda, de ser “um produto de cerâmica 100% português”.
A malga desenhada por Siza possui um diâmetro de bordo de aproximadamente 13 centímetros e sete centímetros de altura. Na apresentação da malga, que decorreu na Quinta da Pacheca, Álvaro Siza Vieira destacou que, “não podia fazer mais uma, igual às demais. Pensei, acima de tudo, nos aspectos funcionais, aqueles que permitem segurar bem uma malga. O design baseou-se, pois, na utilidade do objecto”, referiu. Nesse aspecto, a malga destaca-se por ostentar quatro pequenas reentrâncias circulares que permitem maior aderência.
Para além de pretender oferecer a experiência de beber vinho numa malga no sentido de relevar tradições ancestrais, a componente histórica e secular deste objecto de vários usos foi destacado pela investigadora e autora Deana Barroqueiro, autora da obra em três volumes História dos Paladares. De acordo com esta académica, a malga, ou tigela, é um objecto que chegou aos nossos dias vindo do tempo da presença romana em território ibérico.
A comprová-lo, a recentíssima descoberta de uma malga em barro, com os restos fossilizados de um pássaro – correspondendo, portanto, a uma oferenda ou sacrifício – em Miróbriga, Santiago do Cacém, pela equipa do historiador e arqueólogo José Carlos Quaresma.
Esta malga de Siza Vieira pode ser adquirida nos canais de venda da Quinta da Pacheca e em algumas das garrafeiras por 14,95 euros/unidade ou um package com duas malgas, por 29,90 euros.»
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