Não é bola
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a.k.a. Contra a Corrente
"Sou reaccionário. A minha reacção é contra tudo o que não presta." Nelson Rodrigues
“A verdade é que não tendo nós os mesmos números que a Grécia estamos rigorosamente no mesmo caminho. A evolução do nosso endividamento e do nosso défice das contas públicas está exactamente no mesmo caminho que está a Grécia. Se não fizermos nada daqui a dois anos estamos com estatísticas tão más ou piores que a Grécia”Em resposta a estas declarações, um pesaroso e indignado Vieira da Silva, declarou-se chocado e acusou publicamente a então líder do PSD de “irresponsabilidade” (palavra gasta, esta). Da parte do PS, houve quem tivesse exigido que Manuela Ferreira Leite se «retractasse».
“Seria estranho num país em que toda a gente - responsáveis - mente, e que não se retracta, passasse a ser quem alerta para as verdades que tivesse que se retractar”Hoje é sabido e reconhecido que, tirando o efeito provocado pelo operação de bailout do Anglo Irish Bank (e também do Allied Irish Banks), levado a cabo pelo governo irlandês, Portugal é, logo a seguir à Grécia, o pior dos PIGS.
“Há aí quem diga que devemos adiar estes projectos. Pois eu quero fazer esta pergunta a todos os cidadãos do distrito de Setúbal: quantos mais anos vamos ter de esperar?”Dez dias antes, anunciava:
"No dia 27 de Setembro vai-se jogar o futuro do Estado social no nosso país, e nunca como hoje foi tão evidente o projecto de direita para enfraquecer e reduzir o nosso estado social".Num país pouco habituado a enfrentar a realidade, para quem um optimista de serviço a acenar com a bendita prosperidade é melhor opção do que a chata de uma «idosa» a apelar à poupança e a acenar com tempos difíceis (ainda para mais com um discurso pouco articulado), Sócrates lá ganhou as eleições.
"A crise económica mundial persiste, é certo, mas há agora sinais claros de que estamos a retomar lentamente um caminho de recuperação. (…) Portugal precisa de investimento público que crie emprego. (…) O ano de 2009 ficou marcado em Portugal como, de resto, em todos os países do mundo, pelos efeitos da maior crise económica e financeira dos últimos 80 anos (…), mas com a intervenção do Estado, no momento certo, foi possível estabilizar o nosso sistema financeiro, apoiar as famílias, as empresas, estimular a economia.”Hoje, a três meses do final de 2010, a história é outra e é conhecida: Portugal enfrenta uma situação económica grave que obrigou o governo a suspender os investimentos públicos e a tomar medidas draconianas de corte na despesa e de subida de impostos, depois de um tímido PEC caucionado pelo PSD, cinco meses antes.
República foi feita pela chamada "geração de 90" (1890), a chamada "geração doUltimatum", educada pelo "caso Dreyfus" e, depois, pela radicalização da República Francesa de Waldeck-Rousseau, de Combes e do "Bloc des Gauches" (que, de resto, só acabou em 1909). Estes beneméritos (Afonso Costa, António José d"Almeida, França Borges e outros companheiros de caminho) escolheram deliberadamente a violência para liquidar a Monarquia. O Mundo, órgão oficioso do jacobinismo indígena, explicava: "Partidos como o republicano precisam de violência", porque sem violência e "uma perseguição acintosa e clamorosa" não se cria "o ambiente indispensável à conquista do poder". Na fase final (1903-1910), o republicanismo, no seu princípio e na sua natureza, não passou da violência, que a vitória do "5 de Outubro" generalizou a todo o país.
Não admira que a República nunca se tenha conseguido consolidar. De facto, nunca chegou a ser um regime. Era um "estado de coisas", regularmente interrompido por golpes militares, insurreições de massa e uma verdadeira guerra civil. Em pouco mais de 15 anos morreu muita gente: em combate, executada na praça pública pelo "povo" em fúria ou assassinada por quadrilhas partidárias, como em 1921 o primeiro-ministro António Granjo, pela quadrilha do "Dente de Ouro". O número de presos políticos, que raramente ficou por menos de um milhar, subiu em alguns momentos a mais de 3000. Como dizia Salazar, "simultânea ou sucessivamente" meio Portugal acabou por ir parar às democráticas cadeias da República, a maior parte das vezes sem saber porquê.
E , em 2010, a questão é esta: como é possível pedir aos partidos de uma democracia liberal que festejem uma ditadura terrorista em que reinavam "carbonários", vigilantes de vário género e pêlo e a "formiga branca" do jacobinismo? Como é possível pedir a uma cultura política assente nos "direitos do homem e do cidadão" que preste homenagem oficial a uma cultura política que perseguia sem escrúpulos uma vasta e indeterminada multidão de "suspeitos" (anarquistas, anarco-sindicalistas, monárquicos, moderados e por aí fora)? Como é possível ao Estado da tolerância e da aceitação do "outro" mostrar agora o seu respeito por uma ideologia cuja essência era a erradicação do catolicismo? E, principalmente, como é possível ignorar que a Monarquia, apesar da sua decadência e da sua inoperância, fora um regime bem mais livre e legalista do que a grosseira cópia do pior radicalismo francês, que o "5 de Outubro" trouxe a Portugal?