Em casa ouvia falar:- Estamos quase a chegar ao Natal!
Palavra mágica no meu ouvido, a alegria era contagiante!
- Chegar ao Natal!
- Já escreveste a Carta ao menino Jesus?
Os dias aproximavam-se! Já estava tanto frio! Levávamos para a escola luvas e as socas de madeira com as meias grossas de lã; o nosso bafo parecia o fumo do cigarro...era só ver quem atirava mais longe!
O nariz vermelho bem frio! Lá íamos pelo caminho! Nas bermas calçávamos a geada, fazia barulho e escorregávamos...como era bom! Custava pegar na caneta, os dedos estavam gelados!
Pouco faltava para o Natal!
Chegava o dia da matança do porco! Tudo atarefado na noite anterior! Começavam os preparativos! As facas, os alguidares, tudo a postos na cozinha!
Logo ao romper da madrugava, acordava com o roncar do animal! Pequenita, corria para a janela que dava para cima da ramada que cobria o terreiro; via a fogueira! Chamuscavam o porco! As faúlhas subiam como estrelas! Era a sensação de contentamento... o dia a raiar, e ouvia:
- Minita vai para a cama, que ainda é cedo!
A minha mãe pressentia-me, pois não gostava que assistisse à matança, (agora sei que me queria poupar ao medo, que me causasse) mas, curiosita lá estava eu ...
Por aí sabia que o Natal estava mesmo, mesmo a chegar!
As chouriças e as morcelas eram postas a secar numa cana pendurada na chaminé!
Ai que cheirinho! Quase não tinham tempo de secar! Ouvia a minha mãe: "Sape gato!!!»
Era lindo o presépio!!!
Mais um dia... íamos arrancar o pinheirinho ao monte.
«Tragam-no arranjadinho, os ganos fartinhos para se poder enfeitar! Arranjem musgo para o presépio! Não venham com a noite!» Dizia a minha mãe.
Depois de muito escolher, lá trazíamos um pequenino; em cima duma mesa era adornado com guarda-chuvas de chocolate e uns tantos macinhos embrulhados numas fitinhas de cor; eram trazidos por uma tia que vinha de Lisboa passar o Natal connosco e eram esperados com ansiedade; depois umas fitinhas prateadas e algodão para lembrar a neve que estava tão perto de nós: debaixo ficava o presépio de barro colorido! Era lindo o nosso presépio!!! Tinha também umas luzinhas que cuidadosamente se apagavam quando íamos para a cama.
Chegava o dia da ceia!
As ruas da vila, muito cedo, ficavam desertas!
As poucas lojas fechavam cedo, pois todos queriam estar em casa com a família! Enchia-se a cozinha de mulheres... a minha avó, a minha mãe, a minha única tia (considero-a como mãe ), o Quim (primo-irmão da minha mãe e tia) , uma prima que era viúva, (a miquinhas), o marido da minha tia, o ti Manel, e as segundas tias que eram duas: a que vinha de Lisboa, era muito tagarela, contava, contava coisas, e trazia os chocolates para a árvore; a outra, mais senhora, ( estivera em França ); a esta íamos perguntando: «Tia como se diz bom dia em francês?» Ela, toda senhora do seu nariz, respondia e nós repetíamos (nós, quero dizer, eu, meus irmãos e meus primos, quase todos pela mesma idade, mais coisa, menos coisa.)
Vamos para a mesa o Avô já se sentou!Havia também um segundo tio,(homem de poucas posses), cunhado da minha Avó que, por graça ficou lá por casa desde que a mulher morreu; esse era o que descascava as batatas, ia à lenha e fazia as leiras; era o Tio Salva! Bom homem que deixou saudades!
A mesa era comprida na cozinha! Bancos corridos, a família toda em volta e lá era servido o tradicional bacalhau com as batatas e grelos. Seguiam-se as sobremesas: o tradicional Bolo Rei (marca Paupério comprado na mercearia do Senhor Zé Pereira), a aletria, as rabanadas e as fritas de menina. Era uma alegria! Tudo falava quase ao mesmo tempo, mas só um mandava: o meu Avô, com o seu porte nobre, cabelos brancos e farto bigode.
A voz da minha tia ouvia-se:
-Vamos para a mesa o Avô já se sentou! Nini (minha mãe), vamos começar com as travessas!
Pelo tardio da noite ouvia-se cantar as boas festas; eram grupinhos de jovens que vinham à porta cantar e deixar a mensagem de um Feliz Natal ao dono da casa. Claro, o meu avô que era agarrado às notas, dava uma moeda para se levar à porta e assim agradecer.
Logo pedíamos ao Avô para irmos jogar ao Rapa, Deixa e Põe. Jogava-se com pinhões colocados dentro de uma saquinha de pano branco que a minha avó nos dava; jogávamos...jogávamos...zangávamo-nos, pois um ou outro roubava sempre o jogo ... no fim comíamos os pinhões....
Havia a Missa do Galo à meia noite, mas lá em casa ninguém saía.
Antes da meia-noite íamos para a cama, porque o Menino Jesus vinha trazer os presentes de Natal.
Então, deixávamos o sapato em cima do fogão de lenha ou dentro da fornalha. Era o encanto da noite do Natal! Recordações de menina....
Uma lágrima… um coração cheio de alegria
No dia de Natal, havia roupa nova... (vaidozita, ficou o jeito), íamos todos à missa do Hospital. As irmãzinhas faziam um grande presépio com todas as figuras; era lindo e todo o povo ia ver....
Ainda continuou com as minhas filhas pequeninas... com a viola, cantávamos ao Avô ," VENHA DAR AOS SEUS NETINHOS AS SOBRAS DO VOSSO BEM ....(bem, nunca se dava por achado, mas sempre babado...)
Hoje, das mulheres da casa só está entre nós uma tia,( a tal que considero mãe) já com netos e bisnetos no aconchego da sua família.
Eu construi a minha...não é grande, mas unida! Transmiti o espírito de Natal, a ligação e o bem estar da família.
Eram assim os Natais passados na casa dos meus Avós, na linda Vila de São Pedro do Sul, situada no concelho de Viseu, mais conhecida pela Sintra da Beira.
...
Uma lágrima… Uma saudade, um coração cheio de alegria, de amor.(ficou-me o jeito)
Deixo esta história para que a minha mãe no seu cantinho, quem sabe, possa ler e ficar feliz.A TODOS OS QUE POR AQUI PASSAM, UM NATAL CHEIO DE AMOR, é o meu desejo do fundo, bem do fundo do meu coração.
BOM NATAL E QUE O PRÓXIMO ANO TRAGA MAIS UNIÃO ENTRE OS POVOS.
E QUE OS MAIS ABASTADOS SE LEMBREM QUE HÁ MUITA CRIANÇA CARENCIADA.
DÊM AMOR, PROPORCIONEM O BEM ESTAR E LEMBREM-SE:
O CAMINHO CADA VEZ É MAIS CURTO!
Hermínia Coelho Lopes