sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Neste sábado, Marcha contra a Mídia Machista

por Sul 21

No sábado (1º), os movimentos sociais promovem a Marcha Contra a Mídia Machista, protesto realizado no último final de semana em várias capitais brasileiras. Em Porto Alegre a marcha foi transferida para este final de semana em razão do mau tempo. A concentração será às 14 horas, em frente ao Monumento ao Expedicionário, no Parque da Redenção. No mesmo local, no domingo (2), ativistas se unem ao governo e poder judiciário gaúcho para a caminhada “Basta de Violência contra a Mulher”, a partir das 10h30min.


A batucada das mulheres será aos moldes da Marcha das Vadias, ocorrida em maio. “Só que sem a nudez. Organizamos a militância com foco na crítica à mercantilização do corpo feminino nas peças publicitárias e outros conteúdos exibidos pela grande mídia. Inclusive imaginamos que não será um ato com muita cobertura dos veículos de comunicação, diferente da Marcha das Vadias, que interessava por mostrar os corpos nus”, fala uma das organizadoras da marcha, Cíntia Barenho.

movimento contra a exploração dos corpos e da imagem da mulher na mídia surgiu na internet com a indignação diante de algumas propagandas de cerveja e preservativo masculino. As peças foram qualificadas como estimulantes à violência contra mulher e um reforço a ideia da mulher como mercadoria. Alguns chegam a fazer apologia ao estupro, consideram as organizadoras da marcha. “Vimos que aqui em Porto Alegre também haviam muitas críticas e pessoas interessadas em fazer a manifestação. Então passamos a organizar o protesto”, diz Cíntia, que integra a Marcha Mundial de Mulheres.

Com cartazes com inscrições como “Eu luto por respeito”, “menos sexo, mais orgasmo”, “lugar de mulher é onde ela quiser”, entre outros, diversas pessoas percorrem as ruas do Rio de Janeiro, Campinas, Recife, Brasília e Florianópolis no último final de semana.



segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Um prêmio no tamanho do talento do Rafael

Rafael Corrêa é cartunista, artista gráfico e um dos fundadores do Coletivo Catarse. Acabou de conquistar o prêmio de melhor TIRA/HQ no 39º Salão Internacional de Humor de Piracicaba, o mais tradicional concurso do Brasil e um dos mais importantes do mundo. Foram 3.442 obras inscritas de 64 países, nesta que foi a maior edição da história do Salão.
 
 
  

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

MDA responde à matéria sobre os assentamentos em São Gabriel/RS

Uma versão em vídeo da reportagem que fizemos sobre a precariedade dos assentamentos em São Gabriel, para a Agência Pública, foi veiculada na TV Brasil. O Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA responderam à TV dizendo que o Instituto vai entrar no Plano Brasil sem Miséria, e que os assentamentos vão ser incluídos nas políticas de assitência técnica diferenciada e receber melhoria nas habitações por meio do programa Minha Casa, Minha Vida Rural.


Mas isso é fazer reforma agrária no Brasil?

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

No coração do latifúndio, uma estaca quebrada

por André de Oliveira e Jefferson Pinheiro (repórteres do Coletivo Catarse) para a Agência Pública

Crianças que caminham quilômetros para ir à escola, falta de água e energia, famílias morando em barracos de lona porque não receberam verba para suas casas: a esperança vai sendo minada dia após dia, mês após mês, ano após ano.



Mesmo sem recursos, Seu José cultiva uma horta de onde tira boa parte dos alimentos para sua subsistência.

É noite ainda, mas na casa de Rosa Maria da Rosa todos se movimentam como se já fosse dia. Com a cara amassada de sono, esfregando os olhos e tossindo, o pequeno Abraão resmunga que está muito cansado. A mãe diz que é preciso ir, e o ajuda a colocar o casaco pesado. Depois, é a vez de pôr uma segunda calça sobre a primeira. Faz muito frio e nem é inverno – estamos na metade de maio. Daqui a algumas semanas será pior.

O menino quase dorme em pé enquanto escova os dentes e reclama da água gelada. Rosa tenta animá-lo. Encolhido e de chinelos, ele senta na beira do fogão à lenha, segue tossindo, boceja, espirra, bufa. Seu corpo de criança de 6 anos pede pra voltar pra cama.

Gabriela, a irmã mais velha, de 11 anos, vai se arrumando quase calada e sorri a cada vez que Abraão se queixa. É ela quem abraça Marta, a bebê de 3 meses, traz pro colo e beija. E com a boca roxa do gelo anuncia: – já são cinco e dezesseis!

Um cão insistente chora lá fora. Marta quer o peito agora, mas já não dá tempo. Enrolada no cobertor, ela vai para dentro do carrinho de bebê. A mãe fecha o cadeado na porta, Gabriela sem um casaco treme. Tudo é escuro no pampa gaúcho quando os quatro mergulham nas estradas de chão do Assentamento Caiboaté, município de São Gabriel, Fronteira-Oeste do Rio Grande do Sul.

São sete quilômetros de terra e geada até o cruzamento onde passa o ônibus escolar. O carrinho da bebê vai trepidando sobre as pedras enquanto Rosa dança desviando das maiores. O menino se esforça para acompanhar o passo. Quando fica para trás, corre. “Tem horas que me dá vontade até de chorar na estrada também, quando o Abraão chora. Porque ele é pequeno, dói as pernas. E a gente sabe que tem que forçar a ir”, desabafa a mãe. É difícil aceitar que os filhos sofram assim, já que a lei assegura o transporte escolar para que não caminhem tanto. “A única coisa que dizem é que não podem fazer nada. A Prefeitura (de São Gabriel) fala que dentro do assentamento é o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) que tem que resolver. O Incra diz que não tem dinheiro. Disseram para nós que depois que arrumassem as estradas o ônibus ia entrar pra pegar as crianças. Depois disseram que não podiam por causa da chuva. Fazem o contrário do que dizem. Às vezes dá até uma revolta na gente.”

Assim começa o jogo de empurra-empurra. A Prefeitura, responsável pelo transporte escolar, acusa o Incra de não melhorar as péssimas condições das estradas internas dos assentamentos, afirmando que os ônibus da sua frota não têm condições de trafegar. O prefeito Rossano Gonçalves (PDT) recorre a números para explicar o problema: “Temos 15 ônibus próprios e 14 terceirizados para o transporte de cerca de mil jovens do meio rural, percorrendo um total de 3,5 mil km diários”. Não há um que passe perto da casa de Abraão. “Para isso precisaria de veículos tracionados, que nós não possuímos”, afirma Gonçalves. O Incra informa que no planejamento dos assentamentos não há verba para resolver o problema do transporte escolar interno provisoriamente, e que a construção das estradas sofreu atraso, cortes orçamentários e problemas de execução.

No entanto, o que se passa com a família de Rosa é regra nos oito assentamentos do município. Algumas crianças caminham até 10 km para chegar ao ônibus escolar. A negligência se repete há três anos e meio, desde que as mais de 260 crianças assentadas em idade escolar chegaram nos lotes de São Gabriel. Muitas famílias estão se separando dos filhos, deixando-os na casa de parentes ou amigos para que fiquem mais perto da estrada. Algumas não colocam os filhos na escola porque não conseguem levá-los até lá. O Conselho Tutelar pressiona as famílias para que ninguém falte às aulas, mas não se envolve com a solução do problema. E quando um assentado resolveu levar seus filhos de carroça, foi advertido pelo Conselho de que seria responsabilizado por qualquer acidente no trajeto.

Na tentativa de amenizar o sacrifício, as aulas acontecem apenas três vezes por semana. As Secretarias Estadual e Municipal de Educação tentaram estabelecer uma carga horária ampliada para atingir as 800 horas previstas no ano letivo, mas a falta de estrutura nas escolas não permitiu que as crianças usassem os dois turnos. Não havia espaço. Depois de um ano de insistência das escolas, a 18ª Regional do Conselho Estadual de Educação, responsável pelos alunos de São Gabriel, autorizou o descumprimento da carga horária mínima. Hoje, os alunos têm um déficit educacional de quase a metade do mínimo previsto em lei. “Fazer o quê? Eles têm que aprender, para terem um futuro melhor do que nós temos hoje”, diz Rosa.

As crianças sofrem muito com as lonjuras e a falta de estrutura. A maioria acorda antes das 5h da manhã para ir à escola. E algumas caminham até 10km para pegar o ônibus.

Leia a continuação da reportagem:
Parte 2: Assentados no fim do mundo
Parte 3: Anos na briga por reforma agrária
Infográfico: o prometido e o (des)cumprido


Jacques Alfonsin, um Procurador do Estado aposentado e assessor jurídico de movimentos populares, entre os quais o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/RS), diz que a situação só chegou a este ponto porque o Conselho Superior do Ministério Público Estadual, em conjunto com a Secretária de Educação do governo Yeda Crusius (2007-2010), acabou com as escolas itinerantes dos sem terra, proibindo-as de funcionar nos locais onde a rede de ensino não está estruturada: “Para eles, era preciso acabar também com a possibilidade de essas crianças serem influenciadas por uma pregação ‘subversiva’, de ‘esquerda’, capaz de desviar suas mentes inocentes da devoção à lei, à ordem, à segurança, à liberdade, palavras costumeiramente pronunciadas de boca cheia por quem nunca teve a própria vazia”. Sobre a dificuldade dos estudantes, diz o advogado Alfonsin: “Se alguém pretendesse conhecer mais de perto a dura realidade das crianças assentadas em São Gabriel, constataria que muito bicho está sendo bem melhor tratado do que elas. Touros e cavalos de latifundiários, sem dúvida.”

Trabalhando noutras terras
Normalmente, o agricultor assentado chega ao seu lote sem capital. Foram anos de acampamento em que, se tinha alguma posse, foi preciso vender tudo para se manter durante o período de luta pela terra. E a terra necessita de tempo para dar retorno econômico ao agricultor. Mas sem equipamentos e recursos é quase impossível. Como não se consegue viver do próprio lote nos primeiros anos, a principal alternativa que resta aos assentados é buscar trabalho fora.

Enquanto Rosa madruga com seus filhos para levá-los à escola em São Gabriel, seu companheiro Lori acorda a 560 quilômetros dali, em Vacaria, do outro lado do Estado. Ele tira o sustento da família da colheita da maçã, uma atividade altamente prejudicial à saúde por conta do uso extensivo de venenos aplicados nas árvores, inclusive na hora de colher as frutas do pé. São 60 dias direto dentro dos pomares, tendo para descansar apenas os alojamentos compartilhados. Rosa defende o trabalho do marido: “A maioria do pessoal aqui se não sai pra trabalhar passa fome. O nosso plantio perdemos tudo. Plantamos com o recurso do meu marido no trabalho de Vacaria. Se não fosse ele, nós já tínhamos desistido. Quem está aqui ainda é por coragem mesmo ou porque não tem pra onde ir. O Incra nem sequer vem aqui”.

É também da colheita da maçã que Eleara Padilha traz para a família o dinheiro que lhes falta. Sem tradição na agricultura, a família está se adaptando à vida rural do jeito que pode. Mesmo depois de abandonar a periferia de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, e passar pelos acampamentos de lona preta, a família aprendeu muito pouco sobre como manejar um lote agrícola. No assentamento, um lote à beira da estrada RS-630 lhes proporcionou montar uma pequena oficina onde Dejair Machado (o Doca), companheiro de Eleara, constrói carroças, faz soldas, remenda pneus e conserta tudo o que aparecer: “Tenho essa renda do dia a dia, que nos ajuda a sobreviver, mas não é o suficiente. Só de luz, tem mês que pagamos R$ 100. E temos quatro filhos. Se fosse só para comer, minha renda daria, mas precisamos de roupa, calçados… Chegamos num dezembro (de 2008), e já em janeiro a Eleara foi pra Vacaria para podermos comprar os materiais dos meninos, o nosso fogão e outras coisas para a casa, pois não tínhamos nada.”

Emerson Ricardo Coelho (conhecido como Faísca) conseguiu trabalho mais perto, na carvoaria vizinha ao assentamento Itaguaçu, onde trabalha– e respira a fumaça intoxicante – como diarista para ganhar uns trocados. Mas faz isso apenas esporadicamente. Entre os assentados, há muita concorrência por uma vaga nos fornos, mas a atividade não pode ser efetiva, porque é vetado que se assine carteira ou se trabalhe fora da sua terra por um período superior a 90 dias. Se isso acontece, o assentado perde o lote, que é colocado pelo Incra à disposição de outra família interessada, através de edital. “Minha família não quis vir, estão vendo o sofrimento que estou passando. Eu ligo e eles me conseguem alguma coisa de dinheiro. Não adianta, tá horrível mesmo. Eu só queria que o Incra nos enxergasse”, diz o agricultor. “Me sinto como se tivesse sido atirado aqui há quatro anos”, diz Faísca, acrescentando que nunca recebeu um centavo de recurso público para estruturar uma produção.

Assentado há três anos, Faísca (Emerson) precisa fazer “bico” numa carvoaria vizinha ao assentamento, quando falta dinheiro para se manter. A família não quis ir morar (e sofrer) com ele no lote.


Assim, muitos assentados acabam indo trabalhar em grandes propriedades e outros negócios. Mas, para o Incra, não há contradição com a ideia essencial de reforma agrária – dar autonomia para as famílias. Diz o superintendente regional do Incra/RS, Roberto Ramos: “Obviamente que a gente não vê isso com bons olhos, não recomenda. Mas se a realidade é esta, ninguém vai ficar passando fome à espera. Se as coisas estão atrasadas, estão demorando, tem que dar o seu jeito.”

Prometeram R$ 60 milhões, entregaram R$ 7
“Ao assentar aproximadamente 580 famílias [pelos dados do Incra foram mais de 700] numa das regiões mais pobres do Estado e dominada por latifúndios improdutivos, tinha-se a intenção de colocar ‘uma estaca no coração do latifúndio!’ O que presenciamos hoje é o descaso que fundamenta os argumentos dos latifundiários e seus defensores, que acusam os assentamentos de ‘favelas rurais’”, dizia um manifesto feito por assentados da região que ocuparam, em abril deste ano, a principal praça de São Gabriel para protestar contra o abandono.

Crianças que acordam de madrugada e caminham quilômetros para chegar ao ponto do ônibus, estradas precárias ou ainda no papel, falta de água potável e energia elétrica, lotes não demarcados por anos, famílias ainda morando em barracos de lona porque não receberam dinheiro para construir suas casas, atraso no repasse das verbas para a produção de alimentos. A lista de problemas é extensa. A esperança vai sendo minada, dia após dia, mês após mês, ano após ano. Em alguns assentamentos a desistência foi de 70% das famílias assentadas, que sem condições de permanência nos lotes voltaram para a periferia das cidades.

As famílias que permanecem esperam até hoje pelas promessas feitas em dezembro de 2008 pelos então presidente do Incra, Rolf Rackbart, e o Ministro de Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel. Na cerimônia de transferência da posse, Cassel afirmou aos recém-assentados que haveria R$ 60 milhões de reais em investimentos num prazo de até três anos (completados em dezembro de 2011), o que transformaria a economia local. “Esta é uma região que precisa produzir mais, que precisa produzir mais alimentos. E sempre que a reforma agrária chega numa região, traz consigo desenvolvimento, acelera a economia, e é isso que a gente quer ter aqui em muito pouco tempo. Quero voltar aqui daqui um ano ou dois e ver isso aqui produzindo mais. Aqui era um grande latifúndio que faliu. Do ponto de vista econômico, prejudica o país. O que a gente quer é nessa área que está abandonada botar gente. Aqui, mais de trezentas famílias vão produzir, as pessoas vão ter trabalho, renda e toda a sociedade vai ganhar com mais produção de alimentos”, saudava Cassel na época.



Mas até agora foram aplicados apenas 7 milhões de reais. O prefeito de São Gabriel, Rossano Gonçalves, conhecido por estar politicamente no terreno oposto ao MST, critica o governo federal: “Por não terem a infraestrutura necessária, os assentados não conseguiram agregar nada economicamente ao município. Essas terras que foram desapropriadas eram produtivas para arroz, soja, trigo e pecuária. É natural que os assentamentos em construção e buscando emancipação tivessem dificuldades. Mas falta até para culturas de subsistência. Há muito pouca horta, criação de porcos e galinhas. Os assentados estão limitadíssimos”.

Leia a continuação da reportagem:
Parte 2: Assentados no fim do mundo
Parte 3: Anos na briga por reforma agrária
Infográfico: o prometido e o (des)cumprido



A política do abandono
Se a reforma agrária agoniza, não está morta. Nacionalmente, mesmo com os parcos investimentos do governo para a distribuição de terras e concessão de créditos aos assentados (houve um contingenciamento de mais de 70% do orçamento do órgão este ano), o Incra já distribuiu, desde 1985, uma área entre 10 a 15% do território produtivo do país, e é responsável por políticas que atendem um milhão de famílias. Destas, pelo menos 300 mil foram assentadas como resultado de ações organizadas pelo MST.

No Rio Grande do Sul, o superintendente do Incra/RS, Roberto Ramos, sinaliza que, agora, os investimentos devem migrar da obtenção de novas áreas para melhorar os assentamentos que já existem. Ramos estima que já no final deste ano não haja mais famílias sob barracos de lona no Estado. Essa também é a expectativa do MST e a promessa do governador Tarso Genro – ele prometeu acabar com os conflitos agrários no Estado até o final de seu mandato, assentando todas as famílias que ainda estão em beiras de estrada, que não chegam a mil.

Ramos reconhece que o tempo ideal para construir a infraestrutura de um assentamento é de dois anos. Mas estima que os assentamentos de São Gabriel terão toda a infraestrutura depois de cinco ou seis anos. Ainda assim comemora, dizendo que na maioria dos casos é muito mais demorado: “Isso não é um demérito para a reforma agrária, é a dificuldade do nosso meio rural. Tem bolsões de miséria de agricultores familiares em varias regiões, ainda com dificuldade de saneamento, com falta de água, de luz elétrica.” No caso dos assentamentos, ele diz que a culpa é da burocracia. A primeira coisa a se fazer são as estradas, e todo o resto depende delas estarem prontas. Mas para que sejam feitas é preciso realizar antes o estudo da área com seus impactos ambientais e desenvolver o projeto de construção, depois vem a licitação, e ainda pode esbarrar na falta de recursos, o que aconteceu em 2011, por conta da mudança de governo.

O dirigente do MST Cedenir de Oliveira conta que, no Estado, há assentamentos com 20 anos que ainda não têm estradas e água encanada. Em São Gabriel, ao longo dos anos a pouca mão de obra usadas nas grandes propriedades esvaziou o campo, e toda a rede de serviços foi fechada ou precarizada – foi o que levou, por exemplo, à ausência de escolas.

Marcelo Trevisan, o coordenador do Instituto que há poucos meses é o responsável pelas demandas da região, diz que “do nosso ponto de vista, São Gabriel não é e não pode ser vista como símbolo de fracasso”: “A visão de acerto ou erro não está diretamente ligada à aplicação de mais ou menos recursos, mas sim a um cronograma de trabalho sério que está sendo feito, não só pelo Incra/RS, mas pelas famílias e os parceiros que temos”, diz ele, enquanto vai enumerando as equipes disponibilizadas pelo órgão estatal: duas equipes trabalhando estradas, uma equipe trabalhando os bueiros das estradas, duas equipes de demarcação, uma equipe de parcelamento, uma equipe rediscutindo e readequando o assentamento Madre Terra, outra trabalhando o parcelamento e demarcação do assentamento Cristo Rei (último a ser criado), funcionários das concessionárias de energia fazendo adequações nos assentamentos e equipes de assistência técnica circulando.

Visão completamente diferente tem Sérgio Pinto, presidente da Associação dos Servidores do Incra/RS e líder da greve dos servidores iniciada em julho. “A reestruturação do Instituto é importante para atender estes assentamentos que estão aí praticamente no abandono, porque não tem servidor, não tem orçamento, e o corte de custeio impacta diretamente no atendimento. São Gabriel escancara tudo isso, as famílias estão mal assistidas”. Em 2008, o ano das promessas, o Incra/RS criou um escritório que iria centralizar todas as ações para a região. “Hoje nós só temos um supervisor neste escritório, que atende a 700 famílias. Ele está sobrecarregado, é uma infinidade de problemas e os recursos não chegam porque o orçamento foi reduzido. E isso é uma regra geral”, garante Pinto.

Os servidores do Incra, em greve desde o início de julho, denunciam que entre 1985 e 2011 o órgão teve o número de servidores reduzido de 9 mil para 5,7 mil, enquanto sua atuação foi acrescida em 32,7 vezes – saltando de 61 municípios para mais de 2 mil, com um aumento de 124 vezes no número de projetos de assentamentos.

Até o superintendente regional, Roberto Ramos, faz coro à mobilização dos servidores: “O que queremos da reforma agrária? Se eu opto por não mais assentar famílias é porque o meu projeto de desenvolvimento não precisa de mais gente no meio rural. Então qual é a outra forma de inclusão? Não podemos admitir que se pare com a reforma agrária para dar Bolsa Família. Esta é a resposta que o governo ainda deve para os servidores do Incra e para sociedade como um todo: qual o espaço do Incra e da reforma agrária neste governo?”, desabafa.

Os assentados, claro, apoiam as reivindicações dos funcionários: “Não tem como viabilizar a reforma agrária se não viabilizar um órgão governamental que dê conta de assumir a responsabilidade. No momento que a gente se mobiliza e o governo diz ‘certo, vamos atender a pauta de vocês’, mas as condições são estas, e na prática não revigora o Incra, o governo simplesmente está dizendo que as coisas vão andar no ritmo deles e não no ritmo da nossa necessidade”, aponta Isaias Darlan, um dos coordenadores do assentamento Madre Terra, informando que, no papel, os planos de desenvolvimento prevêem que cada assentamento receberia verba para habitações, estradas, transporte escolar e três parcelas de fomento liberadas até o final de um ano.

Ramos garante que sozinho o Incra não tem condições de fazer tudo. “Ou outras instituições, órgãos públicos e ministérios se aliam para contribuir com a melhoria da qualidade (de vida) das famílias assentadas, ou acontece também o que está acontecendo em São Gabriel. O Incra não tem instrumentos, não tem gente e nem recurso pra fazer num curto espaço de tempo tudo o que é necessário”.

Trevisan, o coordenador do Instituto na região, completa: “É o Incra que tem que resolver o problema das escolas? Quem é responsável por colocar a escola e o transporte escolar são as secretarias municipais e estaduais de educação. É interessante, eu estive esses dias no assentamento Itaguaçu. Antes, diziam (a Prefeitura) que não poderiam entrar dentro do assentamento, não tinha condições do transporte escolar entrar em nenhuma parte. Todo mundo tinha que ir até o inicio do assentamento pra pegar o ônibus. Após uma audiência convocada pelo Ministério Público Estadual (MPE/RS) estão fazendo o trajeto interno. Se pode hoje, então por que não podia há dois meses atrás?”, deixa no ar a questão.

O chamamento do MPE/RS a que Trevisan se refere ocorreu depois que representantes da Procuradoria Geral do Estado, da Procuradoria da República, de Secretarias do Estado, do município de São Gabriel, da Promotoria de Justiça local, representantes do Incra, MST, ONGs e o deputado federal Dionilso Marcon (PT-RS) – ele também um assentado – realizaram uma visita de inspeção no dia 4 de junho.

Com o diagnóstico da situação de emergência e afronta aos direitos fundamentais, o procurador geral do Estado, Eduardo de Lima Veiga, conduziu três audiências em Porto Alegre, entre 25 de junho e 30 de julho. “Foram reuniões em que se poderia sair com todos os problemas resolvidos. Estavam ali quem tem o dinheiro, quem pode operacionalizar, quem libera para abrir mão de licitação, nós que poderíamos nos organizar para ajudar”, diz Cedenir, o dirigente estadual do MST, que estava presente no encontro.

Lisiane Vilagrande, a promotora de Justiça de São Gabriel para Infância e Juventude pensa que o problema é anterior: “Me parece evidente a afronta aos direitos fundamentais, do ponto de vista da dignidade da pessoa humana. A questão é: como se permite a colocação dessas pessoas num local sem a mínima estrutura? Eu critico a decisão de se autorizar isso. Me parece que não se poderia permitir a presença de pessoas num projeto de assentamento e, sim, num assentamento. Essas pessoas deveriam ter vindo para cá já com água, luz, com acesso ao crédito, coisa que muitos estão obtendo só agora, três anos depois, e de forma insuficiente”.

As reuniões, até agora, conseguiram apenas informar um órgão ao outro o que este poderia estar fazendo. O Ministério Público Estadual fez uma recomendação de emergencialidade ao governador do Estado e ao Tribunal de Contas para que a Secretaria de Educação do Estado pudesse imediatamente construir escolas dentro dos assentamentos. Mas pra isso dependeria do INCRA terminar a abertura das estradas e fornecer o transporte interno aos alunos, já que a Prefeitura diz que não pode buscar as crianças dentro das áreas porque não tem os veículos adequados aos terrenos. E o INCRA saiu da última audiência apenas afirmando que vai avaliar a possibilidade de usar recursos de contratos de transporte que já existem, para oferecer às crianças. “Se alguma obra da Copa do Mundo ficar com alguma dificuldade de operação, você tenha a certeza que aquele mesmo grupo ali reunido resolve o problema”, diz Cedenir.

Leia a continuação da reportagem:
Parte 2: Assentados no fim do mundo
Parte 3: Anos na briga por reforma agrária
Infográfico: o prometido e o (des)cumprido

Assentados no fim do mundo

por André de Oliveira e Jefferson Pinheiro (repórteres do Coletivo Catarse) para a Agência Pública

Todo assentado sempre diz que, apesar do sofrimento sob os barracos de lona, da violência policial e da tensão nas marchas e ocupações, a luta é ainda maior depois de se chegar ao próprio lote. Conhecendo a realidade de São Gabriel se descobre por quê.

Madre Terra é um assentamento que está no meio do caminho: a 80 km de estradas de terra do centro de São Gabriel e 65 km do município de Santa Maria. Tão distante, que tem gente que chama de fim do mundo. Era uma noite de inverno gaúcho quando os caminhões trouxeram as 108 famílias para os lotes. A chegada também foi a partida para três delas: nem deixaram a mudança descer da caçamba. Era longe demais, isolada demais, triste demais aquela antiga Fazenda Santa Rita para refazer ali a vida. Um mês inteiro de chuvas e enchentes esperavam pelos novos assentados; a cada semana uma família ia embora. Os que restaram, contam em 70% o índice de desistência.

Não há quem não tenha pensado e não pense ainda em desistir também do seu lote. Muita gente adoeceu. Como é difícil chegar à cidade, teve criança que nasceu na beira da estrada, aparada pela jaqueta do pai. Um senhor foi encontrado morto no seu lote de terra, não se sabe quantos dias depois de falecer. Como em Morte e Vida Severina, a cova é a parte que lhe coube deste latifúndio.


Desde que acampei regredi muito
É de manhã e Adair da Silva, o Tito, tem pouca bóia para dar aos porcos. Cinco dos oito animais fugiram do cercado ao lado da casa para tentar melhor sorte no pasto ralo. Outros morreram quando Tito teve que escolher entre deixar os bichos livres para comerem ou preservar a pequena plantação de milho que tinha cultivado. Quando os soltou para que buscassem a sobra da lavoura, já estavam fracos demais.

Os assentados chegam aos lotes sem dinheiro. E após anos de espera pelos recursos para produzir que nunca chegam, acabam deistindo dos lotes. Tito resiste, mas todos os dias pensa em ir embora.


Força é quase tudo o que o agricultor tem. Tito foi um dos que trocaram a Região Metropolitana de Porto Alegre pra tentar vida melhor nas terras da reforma agrária. Por enquanto é só arrependimento: “Desde que acampei regredi muito. Minha família nunca passou tanta necessidade como agora no assentamento. Vendi minha casa e todas as coisas que tinha. Tu sai da cidade mais ou menos, chega aqui e perde tudo o que tem, volta de novo a nada. Muitas vezes tivemos que escolher entre almoçar e jantar, porque as duas refeições não dava pra fazer.”

Para “amansar” a terra, muito compactada, lavram com o cavalo e a grade, porque não tem dinheiro para pagar horas-máquina de um trator. A horta, que será plantada em agosto ou setembro, terá de tudo para a subsistência: milho, abóbora, moranga, melancia… Para “tirar pra fora” (vender ao comércio), só quando houver melhor estrutura.


É com amargura que ele conta terem que beber água de uma sanga podre, suja com merda de bugios e outros animais do mato. O caminhão pipa da Prefeitura traz água potável, mas sempre dura pouco. Só por causa dos filhos (dois deles também assentados) que ainda não desistiu, mas diz que pensa nisso todos os dias. Sabe que a “peleia” na cidade também é grande, por isso quer insistir mais um pouco. Antes de acampar, morava numa favela em Canoas, uma das cidades com mais pobreza ao redor de Porto Alegre.

Na mesma tarde ensolarada, Antonio Valmir da Silva (o Déio), irmão de Tito, conserta uma grade de arado a marteladas, num lote próximo. Quando está preparando o terra para o plantio, ele faz até sete nebulizações por dia. Déio sofre de enfisema pulmonar e nódulos no pulmão esquerdo.

Déio tem problemas de saúde e faz até sete nebulizações por dia, quando está arando a terra. Foi um outro morador quem instalou o “gato” na rede elétrica. Se ainda estivesse sem energia, pensa que talvez não vivesse mais.


É o filho quem o carrega para dentro de casa, buscar o ar que lhe falta no nebulizador. Se ainda estivesse sem eletricidade, talvez não vivesse mais. A carência de energia elétrica foi resolvida no improviso – fez-se um “gato” – porque as redes regulares ainda não existem no assentamento. Mas quando usa o aparelho, tem que desligar inclusive as lâmpadas, porque senão a energia cai.

Já foi pior. No período em que estavam totalmente às escuras, muitas vezes Déio levantava no frio da madrugada, “cangava” o cavalo para correr no campo, pegar um vento na cara e enfiar nacos de ar pra dentro dos pulmões cansados. A neta nascida há três meses e morando na casa em frente vai seguindo a sina do avô, com bronquite asmática e os aparelhos para nebulização.

Leia a continuação da reportagem:
Parte 1: No coração do latifúndio, uma estaca quebrada
Parte 3: Anos na briga por reforma agrária
Infográfico: o prometido e o (des)cumprido


Déio gasta muito com remédios. Já deixou de ir a consultas médicas por não ter o dinheiro da passagem do ônibus. Para sua esposa Eonilda Morais lhe acompanhar até a cidade são 72 reais, dinheiro que a família não tem. Vivem com 140 reais por mês do Bolsa-Família. Plantam tudo o que dá, mas nem sempre conseguem colher. A seca deste ano acabou com todo o milho. E o que a terra devolve é apenas para a família, porque o excedente não tem para quem vender. “Ficaram de arrumar um caminhão para buscar carga no assentamento, mas por enquanto nada. Nem as escolas compram”, se queixa a assentada.

A doença já os fez irem embora do lote para tratamento médico, em 2011. Perderam o direito à terra. Depois de negociarem o retorno com o Incra, o acerto era ficar num assentamento mais perto do cidade, mas um erro burocrático não permitiu. “Morro, mas daqui não desisto mais”, promete Eonilda. Para este lugar se tornar uma “maravilha” ela pede luz, água e a visita de um médico, uma ou duas vezes por mês. Não é muito. “Nos sentimos enganados não só pelo Incra, mas por todos. Uns dizem uma coisa e outros dizem diferente. A gente não sabe quem fala a verdade, a gente só espera. Esse assentamento faz três anos que existe só na promessa.”

Permanecer no Madre Terra é uma provação. Muita gente chega no seu lote sem saber o que vai passar. Para Vanice Capeletti e a família, foram longos cinco anos e quatro meses acampados esperando o momento de descobrir o que é ser abandonado. “A terra era tudo o que eu sonhava. No acampamento é uma conversa de mil maravilhas, de projetos acontecendo, de tudo se agilizando. Chegando na terra, os recursos não vêm, não há nada que nos incentive a ficar, a produzir. Chegamos aqui com uma mão na frente e a outra atrás. Por que eles não cumprem o que prometem? As pessoas pensam que a gente não produz porque é vagabundo. A gente não consegue produzir porque não tem como.”

E na pá e na enxada Vanice e Preto, seu companheiro, têm feito muito, mesmo sem nenhum apoio. Criam galinhas e cultivam mandioca, melancia, batata, abóbora, mogango (espécie semelhante à moranga, e tradicional na culinária da região). Mas não conseguem vender para o comércio pelas dificuldades estruturais: “O que se produz aqui dentro, ou vendo para algum companheiro daqui ou dou para os bichos que crio”. Enquanto isso, o casal aguarda pelo projeto que criará um serviço de recolhimento de leite, que ainda não existe, para tentar garantir alguma renda fixa no mês. Chegar ao Madre Terra não foi uma escolha. “Queriam (os políticos) se ver livres dos acampamentos. Quando nós fomos despejados do acampamento de Nova Santa Rita, o Incra nos deu duas alternativas: ‘ou vocês vão pra São Gabriel, ou peguem as suas coisas e vão embora’. Então a gente veio. Mas só fica quem tem força e coragem pra viver aqui.”

Em coletivo
Faz três dias que os irmãos Punk (Ademir Buratti) e Rudi (Rudinei Buratti) cavam um buraco à pá e enxada, cortando pedaços de um chão arenoso e empedrado: “Estamos tentando construir um açude pra ver se durante o inverno, quando chegar a chuva, reserva água aqui pra nós podermos dar pelo menos para os bichos. A gente sabe que com meia hora de uma retroescavadeira isso poderia estar pronto. Mas como não tem, a gente faz com as próprias mãos”, explica Rudi.

Jovens da comuna Pachamama abrem um buraco para guardarem alguma água para os animais, quando a chuva voltar.


Os irmãos fazem parte de um coletivo dentro do Madre Terra formado por jovens que realizaram a formação em agroecologia do MST – a Comuna Pachamama. Cada um tem seu próprio barraco ainda improvisado e dispostos um perto do outro, no local onde deve ser a agrovila que planejam. Há uma cozinha coletiva, onde fazem as refeições juntos. Tudo o que é produzido na terra ou trazido de fora é compartilhado e cada um tem uma tarefa definida.

É maio, e a seca castiga São Gabriel há muitos meses. Felipe Biernaski, outro integrante da Comuna, cruza a cerca de arame farpado e busca de baldes, no açude da fazenda vizinha ao assentamento, a água pra matar a sede das hortaliças que estão plantando: “Estamos sempre travando na questão da água, porque não existe como ter uma horta comercial sem irrigação que a suporte. Mesmo que a gente conseguisse fazer um poço por conta, com autorização do órgão ambiental responsável, sem luz não tem como bombear a água”.

A água que existe para uso agrícola serve só para produzir arroz. Os poucos que têm os lotes na área de várzea, um banhado alagadiço naturalmente, estão produzindo arroz ecológico, em parceria com a Cootap (Cooperativa de Assentados da Região de Porto Alegre) que hoje organiza a maior produção brasileira de arroz orgânico. A Cootap entra com prestadores de serviço e maquinário para plantar e colher. Os assentados fazem a manutenção. O acordo é metade dos rendimentos para cada parte. Acontece que se atrasou o plantio e a colheita, por problemas com as máquinas alugadas, e agora alguns vão ficar sem renda ou ainda devendo para a Cooperativa.

É a situação dos integrantes da comuna Pachamama, que juntos plantaram 14 hectares de arroz. “Dois grupos, um por azar foi o nosso, têm arroz caindo de seco no pé. E o que a gente não conseguiu colher, por ter atrasado tanto a colheita, o arroz torrou com o sol e serve só para quirera(farelo usada para ração). Vamos pegar um preço de mercado muito inferior. Perdemos o fruto do nosso trabalho por falta de estrutura e organização. Ano passado teve o mesmo problema. A maioria dos grupos do assentamento derrapou no arroz de novo. O ponto de colheita era um mês atrás. Vai ficar para os passarinhos”, lamenta Felipe, com os cachos secos da planta nas mãos.

Cedenir de Oliveira, da direção estadual do MST, acredita que a falta de experência dos assentados contribuiu para as perdas na lavoura, mas faz coloca o cultivo como um grande mercado para a produção agrícola do Madre Terra. “As famílias que cuidaram das lavouras conseguiram ter renda, uns de até seis mil reais, e outros ficaram devendo para a Cootap. Foram produzidos, em todos os assentamentos de São Gabriel, quase 20 mil sacos de arroz orgâncio nesta safra”.

Perto das lavouras de arroz, outro assentado, Isaías Darlan, recolhe mudas de cebola do canteiro da comuna Pachamama. Foram produzidas em mutirão no mês passado. Dos seis integrantes da comuna, quatro estão no assentamento, e se dedicam à própria horta. Chegaram há oito meses, para ocupar os lotes vagos dos que desistiram. “O grupo de produção aqui é coletivo. É a forma de você unir os esforços e conseguir sobreviver. Este é o real motivo, já que individualmente aqui não se consegue produzir, pois você só conta com a mão de obra. Se for trabalhar fora, o teu lote fica abandonado, não tem ninguém pra cuidar”.

O cooperativismo, diz Isaías, é uma forma de resistência. Contrariando economistas que defendem que hoje é caro fazer a reforma agrária, ele diz que há outros motivos para o impasse: “A questão é falta de decisão governamental, capacidade politica de enfrentar a pressão que os conglomerados econômicos fazem junto ao governo para que a reforma agrária não se efetive. A reforma agrária é produtiva para o país. O giro econômico que a reforma agrária faz, na perspectiva de implemento capitalista, é muito lucrativo, mas é lucrativo para o povo”.

“O sonho é um fiozinho de linha”
Fabiana Machado, uma liderança na comunidade Madre Terra, acredita que para muitos que ficaram “o sonho também está se desvanecendo devagarinho, é um fiozinho de linha que está segurando”. Quem saiu, ela diz ter certeza que também não ficaram numa situação boa. “A maioria voltou pras favelas. Não voltaram para um lugar melhor do que aqui.”

Mas entende os desistentes: “Foram embora por não terem renda. Se precisar ir num médico, uma corrida de urgência daqui até a cidade, feita pelos vizinhos que têm carro, não sai por menos de 100 a 150 reais. Tirar da onde? Aí, vai na consulta e volta pra casa sem remédio? O dinheiro pra comprar o remédio já não tinha e ainda vai ficar devendo pro vizinho”.

Para o superintendente do Incra do Rio Grande do Sul, Roberto Ramos, a quantidade de famílias que renunciam à terra depois de as conquistarem é um problema atual: “A tendência hoje é que a rotatividade seja maior. Elas desistem do processo de reforma agrária por outras oportunidades, não porque as dificuldades de infraestrutura sejam maiores.”

Fabiana discorda, por tudo que não foi feito. “O Incra nos bota aqui ao avesso. Ao invés de terem todo o planejamento da infraestrutura, de como vai ser o assentamento e o que precisa, eles primeiro jogam as famílias aqui, pra depois começar a trabalhar. Levou um ano pra vir os contratos (certificados de uso da terra) para assinar. Daí, nesse tempo, o que as famílias fazem aqui?”.
Nesse tempo de espera, muitas se valem do Bolsa Família, cujo valor é baixo – tem famílias que recebem 32 reais, enquanto só a passagem até a cidade custa 36 reais. “Pra mim é um meio de te aquietarem. Eu uso (o Bolsa Família) porque o governo dá, mas não quero viver disso. A minha ideia é poder ter a minha renda. O pessoal aqui que pega é assim também, não vê a hora de conseguir se viabilizar e poder se manter”. E termina a conversa: “Desse jeito, não tem como tu dizer que tá feliz dentro da reforma agrária.”

Leia a continuação da reportagem:
Parte 1: No coração do latifúndio, uma estaca quebrada
Parte 3: Anos na briga por reforma agrária
Infográfico: o prometido e o (des)cumprido

Anos na briga por reforma agrária

por André de Oliveira e Jefferson Pinheiro (repórteres do Coletivo Catarse) para a Agência Pública


Município admirado pelos ruralistas por resistir a assentamentos, São Gabriel foi palco de disputas acirradas entre sem terras e produtores rurais, com consequências até hoje mal resolvidas.

Com território extenso e economia baseada na agropecuária, principalmente com a produção de arroz, soja e gado de corte, São Gabriel tem uma forte história ligada às armas. A Terra dos Marechais, como também é conhecida, foi capital da República Riograndense em 1840, durante a Revolução Farroupilha.

É nesta cidade, localizada numa das regiões mais pobres do Rio Grande do Sul, eleita pelo MST por “representar o coração do latifúndio no Estado”, que o Incra/RS assentou e deixou em péssimas condições cerca de 700 famílias, em uma área de 20 mil hectares – após muitos anos de mobilizações.

Hoje, a inoperância do governo federal em aplicar os recursos prometidos na construção dos projetos de assentamentos de São Gabriel, a baixa mobilização popular do MST na região e o abandono dos lotes pelas famíias desistentes criaram uma situação fundiária que contrasta com o de anos recentes, quando os sem terra promoviam a construção de diversos acampamentos na região e, para isso, escolhiam áreas problemáticas como frente de lutas contra o agronegócio e pela obtenção das terras.

Em 2003, 800 famílias sem terra se deslocaram de diversos acampamentos no Estado para pressionar pela desapropriação da Fazenda Southall, na época com 13 mil hectares e uma dívida que somava R$ 37 milhões junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a Fazenda Nacional e o Banco do Brasil.

A área teria sido a primeira desapropriação realizada pelo governo Lula, mas o Supremo Tribunal Federal suspendeu seus efeitos em agosto de 2003. Foi aí que fez-se a Marcha ao Coração do Latifúndio, como foi chamada pelo MST. Jamais conseguiu chegar ao seu destino. Ruralistas de várias regiões do Estado se reuniram para deter os integrantes do MST, bloqueando estradas e realizando uma contra-marcha. Um panfleto foi amplamente distribuído na cidade:

Gabrielenses dizem não à invasão e a seus apoiadores

Povo de São Gabriel, não permita que sua cidade tão bem conservada nesses anos, seja agora maculada pelos pés deformados e sujos da escória humana.

São Gabriel, que nunca conviveu com a miséria, terá agora que abrigar o que de pior existe no seio da sociedade. Nós não merecemos que essa massa podre, manipulada por meia dúzia de covardes que se escondem atrás de estrelinhas no peito, venham trazer o roubo, a violência, o estupro, a morte. Estes ratos precisam ser exterminados. Vai doer, mas para grandes doenças, fortes são os remédios. É preciso correr sangue para mostrarmos nossa bravura. Se queres a paz, prepara a guerra, só assim daremos exemplo ao mundo que em São Gabriel não há lugar para desocupados. Aqui é lugar de povo ordeiro, trabalhador e produtivo. Nossa cidade é de oportunidades para quem quer produzir e não há oportunidades para bêbados, ralé, vagabundos e mendigos de aluguel.
Se tu, gabrielense amigo, possuis um avião agrícola, pulveriza à noite 100 litros de gasolina em vôo rasante sobre o acampamento de lona dos ratos. Sempre haverá uma vela acesa para terminar o serviço e liquidar com todos eles.

Se tu, gabrielense amigo, és proprietário de terras ao lado do acampamento, usa qualquer remédio de banhar gado na água que eles usam para beber, rato envenenado bebe mais água ainda.
Se tu, gabrielense amigo, possuis uma arma de caça calibre 22 atira de dentro do carro contra o acampamento, o mais longe possível. A bala atinge o alvo mesmo há 1200 metros de distância.
Fim aos ratos. Viva o povo gabrielense”.

Jane Fontoura, que hoje tem seu lote nas terras da antiga Southall, participou de todos os acontecimentos daquele período. Ela conta que, quando finalmente montaram o primeiro acampamento em São Gabriel, em 2006, algumas lojas colocaram nas fachadas tarjas pretas em protesto. A ameaça que passava de boca em boca era de que, se alguma pessoa circulando pela cidade fosse identificada como integrante do MST, seria linchada.

O Secretário da Agricultura do município, Erasmo Chiappetta, admite a aversão contra os assentados. Para Erasmo, “muitos dos escolhidos não entendem nada de agricultura”. A própria prefeitura queria o direito de fazer a seleção, mas “a política do governo federal atende apenas pessoas vindas de movimentos sociais”, diz. “Esse pessoal estranho que veio para cá, quem mora aqui passa e nem quer olhar pra eles. A cidade não queria que essas pessoas viessem. Mas a partir do momento que o Incra mandou, aí não houve mais resistência”.

O acirramento na época das disputas foi tão forte que o Ministério Público Estadual, numa decisão inédita, chegou a pedir a dissolução do MST, em 2008, voltando atrás depois da péssima repercussão pública. No mesmo ano, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação criminal contra oito integrantes e apoiadores do Movimento. Foram acusados pelo MPF de “terroristas” com base na Lei de Segurança Nacional, de 1983, pela participação na ocupação da Fazenda Guerra, um latifúndio com mais de 11 mil hectares no pequeno município de Coqueiros do Sul, noroeste do Estado. Hoje em dia, esta é a única ação no país em que se evoca a Lei de Segurança Nacional contra militantes de movimentos sociais, segundo Leandro Scalabrin, advogado que defende os sem terra e os simpatizantes que os ajudaram.

Pior: em agosto de 2009, justamente no município de São Gabriel, o acampado Elton Brum da Silva foi assassinado por um soldado da Brigada Militar com um tiro de calibre 12 pelas costas, durante uma reintegração de posse na área da Fazenda Southall. Dezenas de pessoas ficaram feridas. E até hoje não houve punição nenhuma.

O Ministério Público local ofereceu denúncia contra o soldado Alexandre Curto dos Santos, por homicídio qualificado, com intenção de matar e sem dar chance de defesa à vítima. O processo ainda está em fase de instrução na Vara Criminal de São Gabriel, a cargo do juiz José Pedro de Oliveira Eckert.

Aquela ocupação denunciava a morte de três crianças nos primeiros meses de assentamento na cidade, supostamente vítimas de negligência médica. Os sem-terra reivindicaram também a aplicação de recursos para infraestrutura, educação e saúde.

Os assentados sempre dizem que, maior do que a luta para conquistar a terra é depois manter-se nele. As dificuldades para conseguir infraestrutura básica (estradas, escolas, casas, água, energia elétrica e recursos para produzir alimentos) é regra em todos os assentamentos.


Nove dias antes, os sem terra haviam ocupado a prefeitura para reivindicar recursos que o governo federal teria liberado para os assentamentos, mas que o prefeito Rossano Gonçalves (PDT) afirmara não ter recebido. Encurralados dentro da Prefeitura, apanharam bastante, com golpes de cassetete, chutes e socos. A polícia montou um “corredor polonês” para as agressões. Na delegacia, soldados usaram armas de choque elétrico. Pelo menos trinta pessoas, entre adultos e crianças, ficaram feridas, algumas com dedos e braços quebrados. “Muita gente desceu escadaria abaixo rolando. Na saída da porta tinha um corredor da Brigada. Tavam batendo em cada pessoa que saísse dali e me deram uma cacetada na cabeça, só consegui sair engatinhando”, relatou o sem-terra Antônio Carlos Sanches Junior ao Comitê Estadual Contra a Tortura.

Leia a continuação da reportagem:
Parte 1: No coração do latifúndio, uma estaca quebrada
Parte 2: Assentados no fim do mundo
Infográfico: o prometido e o (des)cumprido


Crise e oportunidades
Desde o início dos anos 2000 as terras de São Gabriel valem cada vez menos. O maior recuo aconteceu no final de 2008, quando o setor de celulose, que investia para transformar a região em monoculturas de pinus e eucalipto, sofreu o baque da crise financeira internacional. Apesar de ser o 6º PIB do setor agrícola do Rio Grande do Sul, a parcela da riqueza que fica para os 1.770 produtores rurais é ínfima, diz o presidente do Sindicato Rural local, Tarso Teixeira. “O produtor rural, dentro da porteira, como se diz, é altamente capaz e com potencial para produção espetacular, mas nós vendemos e compramos mal”, tenta amenizar.

A grande maioria dos produtores saiu da última safra endividado e o sindicato pleiteia em Brasília mais uma rolagem de dívidas devido às fortes estiagens ou chuvas excessivas nos últimos anos –além da queda de preço de produtos como arroz e carne bovina. “O cultivo do arroz, nossa principal produção, passa por uma crise estrutural. Há mais de 20 anos a renda das lavouras é quase nula, pois têm custos muito altos. A produtividade saltou, nos últimos dez anos, de 3,5 mil quilos por hectare para a 10 mil quilos por hectare – e ainda assim não temos renda. A inflação de 1994 até hoje está em torno de 400%, os produtos agrícolas subiram em torno de 170%, com custos de óleo diesel e gasolina com aumento de 500% no período, fertilizantes em torno de 450%”, compara Teixeira.

Mesmo com 750 hectares próprios e outros 750 arrendados, o produtor Luiz Antônio Silveira tem passado aperto na hora da colheita. “O problema é que quando tenho uma produção boa, geralmente o preço está abaixo do mercado. E se não tenho muito de produção para oferecer, não se tem um preço bom. Já colhemos 70 sacos de soja por hectare em safras passadas, mas neste ano colhemos apenas 7, devido à estiagem”, conta ele. “Quando vou vender minha produção de carne e arroz, são apenas duas grandes empresas aqui do Estado que formam um cartel e colocam o preço do produto como querem”. Para ele, a escala é que define os ganhos. “Tirar um lucro pequeno por unidade de cálculo, mas com grande quantidade de produção é que te faz ter a viabilidade econômica”.

Quem fica com os ganhos é o setor de serviços, como a indústria de máquinas, insumos químicos, armazenagem e transporte – que também é o principal financiador informal dos produtores rurais. Muitas vezes, a propriedade é dada como garantia, e a documentação fica irregular, o que prejudica ainda mais a obtenção de crédito oficial.

Neste conjuntura de aperto financeiro, a partir de 2008, muitos fazendeiros endividados aceitaram vender suas propriedades ao governo, que imediatamente lançou o projeto modelo de 7 grandes assentamentos, instalados em um curto período de tempo. Desde então, não faltaram oportunidades para incentivar na região um projeto baseado na agricultura familiar.

Antiga sede da Fazenda Southall, hoje assentamento Conquista do Caiboaté. Quando o latifundiário faliu, o INCRA adquiriu suas terras, em 2008.


Em São Gabriel 96% dos alimentos in natura consumidos pela população é encomendado da CEASA de Porto Alegre, a 350 quilômetros de distância. Uma única família de agricultores domina a produção de hortaliças no município e entrega com regularidade seus produtos para os principais mercados locais, além de manter uma feira no centro da cidade. Os Strider, descendentes de colonos europeus, ocupam uma área plantada de apenas 10 hectares no cinturão urbano e conseguem um alto rendimento com culturas de alimentos, principalmente alface.

“No início não tínhamos onde vender, passávamos de porta em porta com cestinhos de verduras, cada um dos quatro irmãos que até hoje tocam o trabalho. Juntávamos recursos por dia de venda. E o crescimento foi muito devagarinho, não conseguíamos juntar quase nada para investir em mais terra e equipamentos, pois muito do dinheiro era para manter a horta. E mesmo hoje não é fácil, pois é um segmento muito sensível a intempéries climáticas – e isso é o que mais tem aqui”, relembra Tomé Strider.

Os Strider (Ernesto e o filho Tomé): há trinta anos com produção de hortaliças no município.


Quando informado sobre as dificuldades por que passam os assentados, Tomé é realista. “Cada um deveria se especializar em um produto que tem boa saída, como rúcula, tempero verde, repolho, tomate, melancia, melão, cenoura. Mas é preciso assistência técnica, pois não é só largar eles lá e deixarem que plantem, têm que saber usar o adubo certo, conhecer as sementes ou mudas melhor adaptadas”.

Outro assentado, Hugo Charruá, que também é técnico contratado pelo Incra para assessoria dos assentamentos, mantém um lote com culturas adaptáveis. Na última safra foram 5 hectares de sorgo forrageiro, mais outro hectare de trevo branco e mais um de feijão-miúdo. “Enquanto a maioria não tinha o que dar de alimento para os animais neste período de estiagem, eu tinha. Estou com 15 novilhas Jersey, que são animais mais rústicos que a raça holandesa, que é o clássico que os assentados conhecem. Então, meus animais ganharam peso nos últimos anos, enquanto os da grande maioria perdeu. E eu não sou daqui dessa região. Só que consultei a literatura e ouvi das pessoas o que não se deve fazer. Mas a minha realidade é diferenciada, pois eu tenho formação e sabia dessa necessidade de me informar”. Segundo Hugo, muitos assentados não têm instrução adequada – e insistem em plantar culturas que não se adaptam às condições da região. “Não deixa de ser um fracasso da assessoria técnica, os laços culturais são muito fortes para se romper”.

Hugo Charruá é um técnico agrícola contrato pelo INCRA para prestar assessoria técnica aos assentados. Seu trabalho esbarra na má condução das políticas públicas e emperrada estrutura burocrática do Estado.


O Superintendente do Incra/RS, Roberto Ramos, admite que o perfil dos assentados mudou e o preparo técnico não tem acompanhado. “É um público um pouco mais urbano. Não quer dizer que não sejam ou não foram trabalhadores rurais, mas já passaram por trabalhos como empregados, prestadores de serviços nas cidades também. Talvez nós, enquanto Estado, não criamos instrumentos para trabalhar com esse novo público”. Para Ramos, o Incra não avançou numa reforma agrária adaptada às novas demandas.

Para Charruá, indignado, a má condução das políticas públicas e a burocracia emperram a reforma agrária. “As famílias que chegam depois de anos convivendo em acampamentos assumem o lote numa pobreza muito grande. E imediatamente alguém precisa sair para trabalhar fora e isso avacalha com o sistema de repasse dos créditos”, diz ele. “Têm famílias que já receberam o crédito há dois anos e só agora estão executando, porque não estavam aqui e sim lá em Vacaria, nos trabalhos temporários de colheita da maça ou da uva”. Se um assentado não faz a prestação de contas, atrasa o repasse de toda a comunidade, pois geralmente se trata de uma única conta.

Na fiscalização, diz ele, há somente duas pessoas trabalhando para todo o Estado, tendo que atender 12 mil famílias beneficiárias do Incra. “Essa falta de pessoal é um mal crônico do Instituto. Tanto que o serviço de assistência técnica, que deveria ser feito diretamente pelos servidores, não o é. O Estado prefere terceirizar, que é o caso da Cooptec. Eu vivo de salário atrasado, e para quem trabalha com base em planejamento agrícola isso é o caos. Chega janeiro e fevereiro nós já sabemos que não vamos receber. As desculpas são inúmeras: desde férias dos funcionários até esgotamento do orçamento da União”, sentencia.

Recomeçando – mais uma vez
Recentemente, o casal de assentados Antoninha Scain e Getúlio dos Santos buscou uma saída. Depois de conhecer a vistosa feira dos Strider, no centro de São Gabriel, foram até a Prefeitura para buscar um ponto de vendas na cidade. Com apoio do secretário municipal da Agricultura, Erasmo Chiapetta, conseguiram montar uma tenda para vender as escassas verduras e frutas que sobram do que é cultivado no lote. É a única iniciativa permanente de venda direta dos assentados. “Temos sempre para oferecer batata-doce, mandioca, muda de couve, moranga, abóbora, bergamota, laranja e o arroz orgânico dos assentados, que sai muito bem aqui. É tudo o que colhemos e mais os que os vizinhos nos passam”, conta Antoninha, mostrando a pequena prateleira improvisada com quantidades minguadas de cada produto, divididos em três caixotes de vegetais.


“Temos as sementes para plantar, mas nos falta máquina para lavrar, água para irrigar e estrutura para armazenar. Quando chegou o primeiro recurso foi numa hora que já tinha passado o período do plantio. Acabamos arriscando na soja, não colhemos bem e ficamos em dívida com a empresa agrícola Primo, que nos forneceu 12 sacos de semente, adubo e veneno financiado para nós pagarmos com a safra. Entregamos tudo o que colhemos para a Primo, não ficamos com nada e estamos com uma dívida de R$ 2,5 mil. Ainda estamos pagando juros”, lamenta a agricultora.

Leia a continuação da reportagem:
Parte 1: No coração do latifúndio, uma estaca quebrada
Parte 2: Assentados no fim do mundo
Infográfico: o prometido e o (des)cumprido

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Projeto Carijo

O consumo de erva-mate no Rio Grande do Sul e outros em outros estados que mantêm este costume provém de uma história ancestral há muito já deixada de lado pelo avançar da produção industrial que caracteriza o modelo econômico da sociedade moderna deste lado do mundo. Sem saber, milhares de pessoas saboreiam o mate sem saber que este é um costume iniciado pelos índios e que contem, na sua produção artesanal, uma ritualística que vai desde a colheita das folhas até sua secagem e posterior moagem – tendo como ferramenta básica para a secagem o chamado CARIJO.


"Por trás do hábito de tomar mate ou chimarrão existe um universo de conhecimento, que está ameaçado de se perder. O processo de fabricação artesanal de erva-mate (Ilex paraguariensis A. St.-Hil.) é uma prática antiga, provinda dos povos indígenas das bacias dos rios Paraguai, Paraná e Uruguai, como os Guaranis e Kaingangs, que ainda existe na região sul da América, porém a partir dos anos 1960 vêm passando por um processo de abandono, tendo como principais fatores a modernização da agricultura e a industrialização da cadeia produtiva da erva-mate".

Moisés da Luz - Carijos e barbaquás no Rio Grande do Sul: resistência camponesa e conservação ambiental no âmbito da fabricação artesanal de erva-mate
 

O projeto Carijo é uma iniciativa da Catarse aprovado pelo edital de patrimônio cultural imaterial pelo IPHAN e tem como objetivo registrar esse conhecimento. 

Para acompanhar as ações do projeto acesse: www.projetocarijo.com.br

domingo, 5 de agosto de 2012

Nesta segunda, reportagem sobre os assentamentos de São Gabriel/RS

É com os olhos e a alma cheia de terra que anunciamos a publicação, na segunda-feira, a partir do meio-dia, da reportagem que passamos quatro meses apurando para a Agência Pública de Jornalismo Investigativo, após ser contemplados, em abril, no edital da Pública para a realização de grandes reportagens.

A pauta da terra
 
Desde 2006 registramos as lutas por democratização no acesso à terra e os conflitos nos campos do Rio Grande do Sul. Por conta disso, muitos assentados da reforma agrária nos conhecem pessoalmente (alguns desde o tempo em que estavam acampados) ou já assistiram os vídeos que realizamos cobrindo o universo em que vivem. Há alguns meses recebemos a ligação aflita de um deles, narrando a situação precária e, muitas vezes desesperadora em que se encontram nos assentamentos da cidade de São Gabriel, conhecida até alguns anos atrás por ser o “coração do latifúndio” no Estado.
 
 
Nossa reportagem esteve lá, para saber o que acontece na região que foi pauta nacional e palco para disputas e enfrentamentos entre ricos e pobres, latifundiários e sem terra, agronegócio e agricultura familiar. Todo assentado sempre diz que, apesar do sofrimento sob os barracos de lona, da tensão nas marchas e ocupações de terra, da violência da polícia e da criminalização da mídia, a luta é ainda maior depois de se chegar ao próprio lote. As dificuldades em estabelecer a infraestrutura básica (estradas, escolas, casas, água, energia elétrica e recursos para produzir alimentos) é regra nos processos de consolidação de todos os assentamentos do Estado. Conhecendo a realidade de São Gabriel se descobre por quê.


A partir de segunda, essa investigação será publicada na reportagem “No coração do latifúndio, uma estaca quebrada”. Como todas as matérias da Pública, ela será licenciada em Creative Commons – com livre reprodução. Caso queiram republicar, fiquem à vontade, citando a fonte e linkando para a matéria original, conforme as regras da Pública.
 
 
Assista ao vídeo de divulgação da reportagem:



André de Oliveira e Jefferson Pinheiro.
(repórteres do Coletivo Catarse)