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Mostrando postagens com o rótulo Teoria da Literatura

Foucault sobre a literatura moderna

“O que se anuncia [na literatura votada ao ser da linguagem] é que o homem é “finito” e que, alcançando o ápice de toda palavra possível, não é ao coração de si mesmo que ele chega, mas às margens do que o limita: nesta região onde ronda a morte, onde o pensamento se extingue, onde a promessa da origem recua indefinidamente. “[...] neste espaço assim posto a descoberto, a literatura, com o surrealismo primeiramente (mas sob uma forma ainda bem travestida), depois, cada vez mais puramente, com Kafka, com Bataille, com Blanchot, se deu como experiência: como experiência da morte (e no elemento da morte), do pensamento impensável (e na sua presença inacessível), da repetição (da inocência originária, sempre lá, no extremo mais próximo da linguagem e sempre o mais afastado); como experiência da finitude (apreendida na abertura e na coerção dessa finitude).” Michel Foucault. “As Palavras e as Coisas - Uma Arqueologia das Ciências Humanas”.

O artista e as instituições

Se a arte não pode escapar à institucionalização, cabe ao artista reescrever continuamente as instituições. O alinhamento automático e irrefletido a uma determinada ideologia é um gesto completamente estranho à natureza do seu empreendimento: explorar os limites da liberdade mental e da criatividade humanas. Reescrever, como Duchamp fez na arte moderna, recusando-se a ser cooptado pelos dadaístas por exemplo, embora colaborasse com eles; reescrever, como Foucault fez ao abordar arqueologicamente o saber nas ciências humanas.

A inconveniência da literatura

Muitos consideram óbvio que as palavras tenham sido criadas para que digamos. Noto, porém, que elas foram inventadas para que não digamos. É por isso que a literatura, o chiste e o ato falho costumam ser tão desconcertantes. Eles insistem em fazer esse não-dizer dizer.

Literatura e patrulhamento ideológico

Na turma da literatura, convivo com gente de todo tipo. Muitos são de esquerda; outros são de direita. Às vezes concordo com um lado; outras vezes discordo dele. Quando há oportunidade, procuro conversar e aprender com qualquer um, embora eu tenha sempre as minhas próprias questões. Não estar bem certo das coisas às vezes me deixa mal com este ou aquele sujeito, quando ele exige de mim, de modo explícito ou não, um alinhamento automático em nome da classe. Apesar disso, nunca cheguei a bater boca com ninguém, muito menos joguei no lixo uma obra-prima sequer porque o autor-pessoa me decepcionou de algum modo. Por definição, concordo com o que defendeu Bakhtin em seu ensaio "O Autor e o Personagem na Atividade Estética": a obra de arte é do domínio do "autor-criador, elemento da obra", o qual não deve ser confundido com o "autor-pessoa, elemento do acontecimento ético e social da vida". Para o filósofo russo, o trabalho estético se caracteriza por

O que é um autor

Um autor é apenas aquele sujeito que desconfia demais. Ele desconfia profundamente de que as palavras correspondam à realidade - desconfia que a própria "realidade" não seja, de fato, o real. Passa então a re-presentar a realidade e descobrir muitos outros mundos possíveis, a começar por ele mesmo, num movimento que faz nascer o autor como algo novo, diferente da pessoa física que escreve (obviamente, é preciso saber escrever). Um sujeito assim é tão desconfiado que até das suas re-presentações de mundo, ele desconfia - daí o seu apego a gavetas e lixeiras, que é onde guarda a maior parte do que escreve.

O pícaro alegre

"Não existem palavras sem dono [...] Quem fala e em que circunstâncias fala - eis o que determina o sentido real da palavra. Todo significado direto e toda expressão direta são falsos e particularmente patéticos. [...] às linguagens de todos os detentores do poder e dos estabelecidos na vida contrapõe-se  a linguagem do pícaro alegre, que reproduz parodicamente qualquer patético onde é necessário, mas que o neutraliza, que o afasta dos lábios pelo sorriso e pelo embuste. Ao zombar da mentira, ele a transforma num embuste alegre. A mentira é iluminada pela consciência irônica e parodia a si mesmo pela boca do pícaro alegre". Bakhtin em "Teoria do Romance"